A Polícia Federal pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) o afastamento, por “intimidação de testemunhas”, dos quatro policiais legislativos do Senado que chegaram a ser presos, em outubro de 2016, depois de tentarem impedir uma operação de busca e apreensão nos imóveis funcionais do senador Fernando Collor (PTC-AL), réu na Operação Lava Jato. A ação policial foi executada em 2015 por ordem do juiz Vallisney Oliveira, da 10ª Vara Federal de Brasília, durante a deflagração da Operação Politeia, destinada a investigar suspeitos com foro privilegiado, como Collor.
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Na ocasião, como em outras (leia mais abaixo), os agentes legislativos lançaram mão das chamadas “Contramedidas de Vigilância Técnica” para executar varreduras tanto no apartamento funcional do senador, que responde a ação penal pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa, quanto na mansão conhecida como Casa da Dinda, imóvel ocupado por Collor quando ele presidia o país, entre 1990 e 1992. O objetivo era efetuar uma segunda varredura depois daquela permitida à PF via autorização judicial, para saber se os policiais haviam distribuídos grampos ou escutas pelos cômodos que viessem a interceptar, por telefone ou ambientalmente, conversas do senador – um caso típico de contraespionagem.
No dia em que a PF executou as ações de busca e apreensão, devidamente munida do mandato judicial, deparou-se com os agentes de segurança do Senado de prontidão sob o argumento de que ali estavam para proteger o senador – uma controversa alegação com base apenas em um contestado ato normativo sobre as atribuições da polícia legislativa. Na ocasião, houve bate-boca e princípio de confronto, algo que só foi contido “quando uma delegada presente ameaçou os servidores com voz de prisão”. Esse relato é da revista piauí, que descreve “como funciona a máquina de contraespionagem anti-Lava Jato no Senado” em reportagem assinada pelo jornalista Eduardo Militão e intitulada “Operação limpeza”.
“Não era a primeira vez que os policiais do Senado se prestavam a tal ação. Já haviam feito o mesmo na casa da senadora e hoje presidente do Partido dos Trabalhadores, Gleisi Hoffmann [PR], e dos também senadores José Sarney e Lobão Filho, ambos do PMDB – quase todos à época envolvidos em suspeitas de corrupção ou obstrução à Justiça. No caso de Lobão Filho, o investigado era seu pai”, diz trecho da reportagem, referindo-se ao também senador Edison Lobão (PMDB-MA), presidente da Comissão de Constituição e Justiça e também alvo da Lava Jato.
“Do apartamento de Collor, os quatro policiais legislativos – Pedro Ricardo Araújo Carvalho, o ‘Pedrão’, diretor da Polícia do Senado, Antônio Tavares dos Santos Neto, Everton Elias Ferreira Taborda e Geraldo César de Deus Oliveira – seguiram para a Casa da Dinda […]. Ali, a PF havia apreendido três carros de luxo do senador. Na nova ação antigrampo, os policiais legislativos adicionaram à ação das maletas um árduo trabalho braçal: reviraram móveis em busca de pontos eletrônicos que podem ser colados em cima de um parafuso, procuraram adesivos com escutas perto de computadores e telefones, vasculharam fios, tomadas, as mesas, botões de tevê e interruptores. […] No retorno, um deles ainda comentou: ‘Isso não vai dar certo.’ ‘Se vai, vai dar para pelo menos dezoito pessoas…’, respondeu um colega, segundo uma fonte do Senado ouvida pela piauí”, diz outro treho do texto.
A revista diz ter tentado contato com Tavares, Taborda e Geraldo César, mas eles não foram localizados. Já Pedro, o diretor, não quis dar entrevista à publicação. Por sua vez, o advogado do diretor da polícia legislativa, Luís Telesca, afirmou que ele e os demais agentes acusados de obstrução à Justiça estavam sob ordens, cumprindo-as e atuando de acordo com as regras internas do Senado. “Se alguém tinha que ser investigado, como disse o Supremo, são os senadores”, disse o defensor.
Estancar a sangria
Os agentes passaram a ser alvos da Operação Métis, há onze meses posta em campo para investigar ações contra a Lava Jato. Essa linha de investigação evidenciou algo que já estava sob suspeita desde que o petrolão veio a público, em março de 2014: as ações para boicotar, frear ou mesmo levar ao fim da operação. No caso do Senado, o modus operandi de obstrução, lembra a revista, nunca esteve tão claro quanto na atuação dos quatro servidores da polícia legislativa.
Até o presidente Michel Temer, alvo de três acusações reunidas em duas denúncias da Procuradoria-Geral da República (PGR), foi acusado de obstruir a Justiça, mas em outra vertente de investigações. Outro personagem acusado de atuar para barrar as investigações foi o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), que deixou o Ministério do Planejamento depois de ter sido flagrado em interceptação telefônica falando em “estancar a sangria” da Lava Jato.
Os agentes de segurança foram presos, mas liberados dias depois – diretor da polícia legislativa, Pedro foi o que ficou por mais dias detido (entre 21 e 26 de outubro de 2016). “Eles fazem parte de um grupo de 678 seguranças armados e concursados, com altos salários, que atua como uma espécie de Polícia Militar interna, prevenindo delitos e fazendo prisões em flagrante. Mas também como Polícia Civil e Federal, investigando crimes, atuando até fora do Congresso e solicitando quebras de sigilo telefônico à Justiça. E, ainda fazendo as varreduras, com maletas antigrampo supostamente usadas para destruir ou retirar escutas ambientais eventualmente ordenadas por juízes, desembargadores e ministros de tribunais. O objetivo final, na atividade-fim da Polícia Legislativa, deve ser sempre a segurança dos senadores e dos que circulam pelo Congresso. A interpretação é ampla”, observa a revista.
Polícia de alto custo
A exemplo de outros desmandos descobertos no Senado, como o escândalos dos atos secretos, a polícia legislativa, na prática, empregava dinheiro e estrutura públicos para atrapalhar a Lava Jato, como apontou o Ministério Público. Como este site mostrou na época da Operação Politeia, o órgão de segurança consumiu, com folha de pagamento e outros três tipos de despesa, quase R$ 80 milhões dos cofres públicos no ano passado, segundo dados obtidos pela reportagem com a Casa por meio da Lei de Acesso em Informação (mais precisamente, R$ 79.246.636,33). Segundo o Serviço de Informação ao Cidadão (SIC), apenas a folha de pagamento da polícia legislativa custou R$ 57.497.636,83 nos 12 anos de 2015 (veja o detalhamento de gastos na tabela abaixo).
Além desses gastos remuneratórios, informa o SIC, a Polícia do Senado custou ao erário R$ 20.280.516,66 em despesas com “terceirização de atividades de brigadista e vigilância armada e desarmada”, além de R$ 1.000.711,81 com “aquisição e manutenção de equipamentos relacionados predominantemente às atividades de segurança e credenciamento” e mais R$ 467.771,03 com “contratos relacionados à terceirização de veículos (abrangendo também setores administrativos)”. Mas nem o Senado sabe ao certo quanto a estrutura de segurança institucional custa aos cofres públicos a cada ano, como a própria Casa admite – ou seja, os gastos provavelmente ultrapassaram R$ 100 milhões em 2015.
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