A versão da proposta que vai a votação é um substitutivo preparado por Randolfe, com alterações pontuais em relação ao texto apresentado por Jucá. Não há, em ambas as redações, qualquer menção ao impacto financeiro extra que a proposição acarretará. Segundo estimativa do Ministério do Planejamento, que é contra a PEC, o custo adicional aos cofres públicos pode variar entre R$ 80 milhões e R$ 100 milhões ao mês. O levamento sobre tal impacto orçamentário, no entanto, ainda está sob análise na pasta.
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Os trabalhadores a serem contemplados na proposta de emenda à Constituição (PEC 03/2016) são ex-ocupantes de cargos em comissão (de livre nomeação pelos políticos), trabalhadores em cooperativas contratadas pela administração pública e até quem tem apenas um recibo ou comprovante de depósito para comprovar o vínculo de serviço prestado. Nos termos em que tramita no Senado, a proposta contraria um dos pilares da Constituição de 1988: o concurso público como forma prioritária de ingresso no serviço público e a única que permite ao servidor adquirir estabilidade.
Anos de chumbo
A transposição para os quadros da União é um tema que tem unido políticos de todos os matizes ideológicos nos ex-territórios e remonta aos anos finais do regime militar (1964-1985), quando a ditadura resolveu dar autonomia política ao território de Rondônia. Trabalhadores que prestaram serviços ao território foram incorporados pela União, mesmo sem ter realizado concurso público. Tal possibilidade não era, àquela ocasião, vedada pela Constituição – a restrição foi imposta a partir de 1988, com a promulgação do texto constitucional em vigor.
Relator da matéria, o senador Randolfe considera justo que a PEC garanta o vínculo funcional dos servidores dos ex-territórios, regularizando a situação dos trabalhadores em questão. Ele recorre justamente ao argumento de que a relação trabalhista foi estabelecida antes da vigência da atual Constituição, e que por isso eles deveriam ser mantidos no quadro.
PublicidadeRandolfe contestou, em entrevista ao Congresso em Foco, os números apresentados pelo Ministério do Planejamento sobre o eventual impacto financeiro que a proposta implicaria (R$ 80 milhões a R$ 100 milhões mensais). “Não acredito em impacto desse tamanho. O salário médio dos profissionais não existia acima de R$ 5 mil, R$ 6 mil”, disse ele.
Em sua justificativa, Jucá diz que a proposta de emenda à Constituição é questão de “justiça” e reconhecimento pelo trabalho dos que “contribuíram […] principalmente para que Roraima e o Amapá se erguessem como unidade da federação”. Segundo o peemedebista, o grupo foi importante inclusive para a implantação do “poder público local”.
“É preciso fazer justiça. Reconhecer e declarar que muitas das situações de fato, vividas à época, retratavam importantes vínculos ou relações de trabalho entre o estado e o particular, das quais o interesse público muito se favoreceu. Precisamos, agora, retribuir, ao menos parcialmente, o muito que essas pessoas contribuíram não apenas para que se implantasse o poder público local, mas, principalmente, para que Roraima e o Amapá se erguessem como unidade da Federação. Como esta Emenda, queremos fazer justiça”, defende o peemedebista, primeiro governador nomeado do novo Estado de Roraima (1987-1990), durante o governo José Sarney (1985-1990), e ele mesmo responsável por boa parte das nomeações.
Um servidor para cada seis pessoas
De acordo com dados referentes a 2014 e reunidos nos portais da Transparência da União e do governo do estado, Roraima, por exemplo, tem cerca de 85 mil servidores federais, estaduais e municipais, para uma população de apenas 505 mil habitantes – média de um servidor para cada seis pessoas. Roraima e Amapá, somados, respondem por menos 0,5% do PIB nacional – realidade que sinaliza a dependência das finanças estaduais em relação aos recursos federais e é usada como argumento de Randolfe na defesa da proposta.
“O interesse público e social permeia todos os aspectos da proposta, visto o caráter de integração e segurança nacional, desenvolvimento regional e de proteção de fronteiras de que se revestiu o projeto de criação dos territórios federais, bem como pela dependência desses estados de transferência de recursos da União, ainda desprovidos de indústria e comércio desenvolvidos”, diz trecho do parecer de Randolfe.
Antecedentes
A Constituição de 5 de outubro de 1988 transformou em estados os dois últimos territórios: Amapá e Roraima. Foi estabelecido, então, um prazo de cinco anos para a instalação da estrutura dos novos estados, que passaram a funcionar com servidores cedidos pelo governo federal.
Estabelecido o status de governador de estado, superior ao dos então chefes de território federal, deu-se início a uma série de nomeações custeadas pelo erário. Em Roraima, por exemplo, ainda no período de transição, milhares de cargos públicos foram preenchidos por indicação política, por contratação de cooperativas ou mesmo em decorrência de simples pagamento por serviço prestado.
A Emenda Constitucional 19, de 1998 (reforma administrativa implementada no governo Fernando Henrique), reconheceu como servidores federais aqueles que, mesmo sem concurso, haviam prestado serviço aos territórios antes da promulgação da Constituição. Muitos dos trabalhadores foram beneficiados e entraram nos quadros dos territórios, com a devida autorização dos respectivos gestores, em 4 de outubro de 1998 – exatamente na véspera da entrada em vigor da nova Constituição.
Mas, ao mesmo tempo em que beneficiou trabalhadores sem concurso público, a Emenda 19 proibiu tal modalidade de nomeação. A partir de então, os novos estados ficaram obrigados a realizar certames públicos para aumentar o quadro de servidores.