Na esteira da decisão, tomada quarta-feira (11) pelo Supremo Tribunal Federal (STF), a respeito de afastamento e demais medidas cautelares para congressistas sob suspeita, senadores já articulam alterações na Constituição de maneira a assegurar, de uma vez por todas e sem margem para interpretação diversa, a palavra final sobre afastamento e outras restrições extremas sobre o mandato parlamentar. Lideranças ouvidas pelo Congresso em Foco querem evitar impasses como o verificado no voto da ministra Cármen Lúcia, presidente do STF, que acompanhou entendimento de que a corte pode, sim, aplicar punições como proibição de viagem ao exterior e recolhimento domiciliar noturno – mas, por outro lado, que cabe ao Congresso resolver a questão definitivamente quando se trata de suspensão da atividade parlamentar.
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Esse ponto do voto da ministra levou a uma longa e confusa discussão ao final da sessão plenária, quando de fato ficou decidido que cabe ao Parlamento efetuar afastamento de congressistas. Mas, demonstrando ambiguidade em sua interpretação, Cármen delegou ao decano do STF, Celso de Mello, a proclamação do entendimento majoritário pelo provimento parcial da Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) 5526, em que partidos queriam saber se a corte precisa de aval do Congresso para suspender mandatos e impor medidas cautelares contra parlamentares.
Depois de muita controvérsia e duelos teóricos, e enfim prevalecida a tese sobre a palavra final do Congresso, ficou acordado que o artigo 319 do Código de Processo Penal, delimitador dos termos das medidas cautelares, deve ser lido segundo o artigo 53 da Constituição, que já confere ao Legislativo a deliberação sobre prisão em flagrante de congressistas. Assim, segundo explanação sintetizada por Celso de Mello, toda e qualquer imposição judicial que venha a impedir, direta ou indiretamente, o exercício do mandato parlamentar deve ser finalmente ratificada pela Câmara ou pelo Senado, segundo o congressista sob investigação.
Retirado providencialmente da gaveta do Supremo nas últimas semanas, o julgamento da ação serviu justamente para definir a situação do senador Aécio Neves (PSDB-MG), acusado de pedir e receber propina de R$ 2 milhões e afastado temporariamente do mandato em 26 de setembro. Além disso, Aécio foi alvo de medidas cautelares como recolhimento domiciliar noturno e proibição de viagem ao exterior ou ingresso no Parlamento, segundo a decisão preliminar da Primeira Turma do STF – na prática, a interpretação majoritária dos ministros permite que o Senado possa reverter a situação do tucano. Um dos principais alvos da Operação Lava Jato, Aécio responde a nove inquéritos no STF, mesma situação de ao menos seis em cada dez senadores.
“O Congresso vai se debruçar sobre isso. Existe uma interpretação que amplia as possibilidades cautelares em relação aos parlamentares, preservando os aspectos de atividade do mandato. Então, de bom alvitre, em um ambiente de diálogo institucional – é o que tenho defendido, a preservação do diálogo institucional –, que se possa fazer a adequação da decisão ao texto constitucional”, disse ao Congresso em Foco nesta quinta-feira (12) o vice-presidente do Senado, Cássio Cunha Lima (PSDB-PB), prenunciando a mudança na Constituição.
“O Supremo interpreta, o Congresso redige. Poderemos, sim, redigir a interpretação que foi dada pelo Supremo sem problema algum”, acrescentou. Em relação a Aécio, o tucano diz preferir esperar a decisão do Senado, prevista para a próxima terça-feira (17) em votação de plenário.
Testemunha privilegiada da grave crise entre Legislativo e Judiciário nos últimos dias, Cássio evita apontar vencedores e vencidos no julgamento do Supremo. “Essa é uma leitura rasa analisar quem ganhou e quem perdeu. Nesse episódio, não há vencidos nem vencedores. O que há é uma interpretação da Suprema Corte em uma decisão visivelmente dividida, tanto na Primeira Turma quando no plenário, sobre a interpretação da Constituição. É um desserviço ao Brasil ficar com essa leitura tacanha, pequena, mesquinha sobre quem ganhou ou quem perdeu”, concluiu o senador paraibano, para quem o STF cumpriu seu papel institucional no limite. Ele lembra, nesse sentido, que a ministra Cármen Lúcia precisou dar voto de desempate sobre a ação.
Reticências
Tão logo findaram-se as mais de 12 horas do julgamento de ontem no Supremo, senadores já falavam sobre a necessidade de esmiuçar, por meio de proposta de emenda à Constituição, as prerrogativas soberanas do Congresso em relação ao mandato parlamentar. Como lembra nesta quinta-feira (12) a coluna Painel, do jornal Folha de S.Paulo, “nova lei garantiria ao Parlamento a última palavra a respeito do que, no entender dele, cerceia o legislador”.
Assinada por Daniela Lima, a coluna aponta fragilidades na performance de Cármen Lúcia durante a sessão plenária. “A tentativa da presidente do STF, Cármen Lúcia, de contemplar aspectos divergentes em seu voto foi alvo de críticas generalizadas. Foi por buscar solução ambígua, disseram integrantes do tribunal, que ela acabou intensamente pressionada a explicitar que ala, de fato, sairia vencedora. O fato de a ministra ter delegado ao colega Celso de Mello a proclamação do voto e de ter feito reparos à própria fala foram apontados como indícios de seu desconforto”, continuou a nota, acrescentando que, para críticos mais “incisivos”, Cármen “abdicou da condução da sessão”
Líder do PSDB no Senado e um dos principais aliados de Aécio, Paulo Bauer (SC) reclamou da atuação do Supremo em relação ao assunto e, a exemplo de Cássio, sinalizou a tendência de alterações constitucionais. O tucano disse ao portal G1 ter visto com “cautela e estranheza” a decisão dos ministros, por dividida e confusa. “Acho que essa decisão não está prevista na Constituição. Não está prevista na Constituição a aplicação de penas alternativas a parlamentares. […] Eu fico imaginando que, daqui a pouco, estou fazendo uma figuração, o Congresso vai estar votando para ver se a carteira de um deputado apreendida vai ser objeto de votação no plenário”, disse Bauer.
Ética
Presidente do Conselho de Ética, João Alberto Souza (PMDB-MA) também disse ao Congresso em Foco preferir esperar a decisão conjunta dos senadores a respeito de Aécio, que enfrenta mais um pedido de processo por quebra de decorro, agora por iniciativa do PT – quando foi a vez de a Rede pedir abertura de investigação, na figura de Randolfe Rodrigues (AP), João Alberto arquivou sumariamente a demanda em 23 de junho e alegou “falta de provas” que justificassem o prosseguimento da ação. Sobre o afastamento do tucano, o peemedebista foi reticente.
“Temos que cumprir a Constituição. Agora, quem vai dizer [o que será de Aécio] ou é a Mesa Diretora ou o plenário”, tergiversou, também evasivo quanto ao pedido de cassação do colega.
“Eu vou esperar, evidentemente, o que o plenário vai dizer. Vai ser a mesma coisa que eu fiz no caso do Delcídio [do Amaral, PT-MS]. Eu esperei o plenário se manifestar e cumpri no Conselho a determinação do plenário”, declarou o peemedebista, referindo-se ao processo que levou à cassação do ex-senador petista, em maio de 2016 – situação que, no momento, não parece ser tendência a se repetir com o tucano.
Cássio Cunha Lima também diz achar que não há mais possibilidade de Aécio ser julgado no Conselho de Ética, uma vez que o pedido do PT tem o mesmo conteúdo do que foi elaborado pela Rede. “Se o objeto é o mesmo, vai estar naturalmente prejudicado.”
Para Randolfe Rodrigues, que critica os pares que se opuseram à investigação de Aécio no colegiado, o Supremo se dobrou à força corrupta que comanda o Congresso. “Essa decisão, lamentavelmente, institui no Brasil dois tipos de cidadãos: aqueles cidadãos que estão submetidos à lei e os parlamentares – que, quando a lei é aplicada a eles, podem se refugiar no conforto das Casas legislativas para contar com o voto dos seus pares e se livrarem das medidas judiciais, sejam quais forem. A medida do Supremo eu respeito, mas, lamentavelmente, ela contribui com a impunidade no Brasil”, reclamou o representante do Amapá, em declaração ao G1.
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