Luiz Muricy Cardoso* |
A nova cara do nacionalismo russo é, claro, muito diferente daquela que se conhecia até a década de 80, quando o império soviético ruiu. Comparados aos fascistas, estão Vladimir Zhirinovsky e Dmitri Rogozin – que não é de esquerda, como o primeiro, e levou o seu Partido da Pátria à proeminência nas eleições de dezembro do ano passado. Rogozin fala cinco idiomas e considera que as fronteiras naturais da Rússia não são aquelas atuais, mas o “espaço cultural” formado pela antiga União Soviética. Chefe da Comissão de Assuntos Estrangeiros da Duma, o parlamento russo, Rogozin é acusado de desenvolver uma retórica antiamericana, o que ele nega. “Se eu não tivesse aparecido, alguém mais teria, e essa pessoa diria que os judeus, os azerbaijanes e os americanos são os responsáveis por nossos problemas”, afirma Rogozin, que, durante um almoço promovido pelo embaixador da Itália assegurou a representantes de 25 países europeus sua orientação “moderada”. Preocupados, porém, com o que consideram um partido de fascistas, alguns liberais russos e vizinhos da república russa, juntamente com minorias étnicas do país, além dos americanos, vêem com desconfiança sua ascensão e consideram especialmente grave o fato de que Rogozin, numa tacada decisiva, pode vir a ocupar o cargo de ministro do Exterior após as novas eleições para presidente. Ele realmente pode criar caso: recentemente esquentou os ânimos num conflito territorial com a Ucrânia, depois que levou um grupo de cossacos (soldados da cavalaria russa) para uma disputa no mar de Azov, perto da Criméia. Também ficou malvisto pelos americanos após acusar os Estados Unidos de usar truques sujos na Geórgia, onde uma revolução fez apear do poder Edward Shevardnadze. Dmitri Rogozin é querido por muitos em seu país, principalmente por aqueles que estão preocupados com a situação de um milhão de russos étnicos que, tendo caído na esparrela na divisão das antigas repúblicas e hoje vivendo na Estônia, Lituânia e Letônia, tiveram que negar sua língua e cultura, perdendo a cidadania. O nacionalista também se bate contra os seis milhões de chineses que pululam na Sibéria, ameaçando a hegemonia russa na região. Além de Rogozin, outro nacionalista foi eleito para o parlamento no último dezembro. O maldito Partido Liberal Democrata, do igualmente famoso ultranacionalista Vladimir Zhirinovsky, também entrou para a Duma, com 12% dos votos populares, o dobro de 1999. Mas Zhirinovsky e Dmitri Rogozin se desprezam. O primeiro se meteu em duas brigas e saiu na mão por duas vezes durante os debates pré-eleitorais. Zhirinovsky é temido por suas posições extremistas e prega a dominação “vertical” do mundo, em que as potências desenvolvidas do norte exerceriam uma tirania sobre as nações do sul. Como observou o analista político Alexander Verkhovsky, “apenas os nacionalistas tinham uma plataforma política destacada”. Assim, outros partidos de feição nacionalista, como o do Renascimento Russo ou os Verdadeiros Patriotas da Rússia, ganharam representação. O chefe do Partido da Pátria, que condena a ocupação do Iraque pelos Estados Unidos, diz que quer “estados cooperativos” na fronteira com a Rússia. “Não precisamos da Otan. Eles querem lutar contra a Rússia? Nós não queremos briga”, afirma. Sua posição é de contemporização com os EUA, que quer como aliados contra “o Sul”, numa alusão à China. Ele sabe que a Europa não dispõe atualmente de nenhum exército capaz de se equiparar ao americano. O político russo critica, porém, o que chama de americanização de seu país. De fato, como diz, grande número de acadêmicos vai anualmente estudar na América e o embaixador americano tem largo espaço na mídia russa para defender seus pontos de vista. Já o russo defende uma política internacional voltada para a Europa, para onde vai a maior parte das exportações russas, contra apenas 6% que vão para os EUA. Os analistas não vêem razões para acreditar em mudanças radicais na política externa russa. Ao contrário, ativistas dos direitos humanos temem que a ascensão do Partido da Pátria vá ser sentida nas ruas, onde os skinheads e neofascistas, juntamente com russos étnicos – que formam 72% da população do país – estão procurando por bodes expiatórios para seus problemas. O Partido Radical, que defende os chechenos em sua guerra separatista travada contra o governo central da Rússia, criticou Rogozin por ter, numa atitude considerada ousada, convidado Paasilina, diretor do comitê do parlamento europeu, a visitar a região conflagrada e conseqüentemente endossar um referendo para organizar as autoridades moscovitas contra as aspirações das autoridades chechenas. Teme-se inclusive, na Rússia, o que se chamou de uma reedição da “Noite dos Cristais Quebrados”, numa referência aos ataques da população da Alemanha contra comerciantes judeus, durante o regime nazista. Tais “progroms” – dizem – poderiam acontecer na capital russa contra a população de origem chechena. Esta reação é considerada como possível resultado das medidas austeras contra os chechenos que são apoiadas por Rogozin e seu nacionalista Partido da Pátria. Por causa disso, apesar de se opor aos rebeldes chechenos, de religião muçulmana e que fomentam o terror na sua luta separatista, Dmitri Rogozin é temido por muitos que vêem na chegada do nacionalismo russo ao poder uma séria ameaça à democracia regional da Europa do Leste e do mundo.
* Luiz Muricy Cardoso é jornalista e mora em Salvador (BA) Os textos para esta seção devem ser enviados, com no máximo 4.000 caracteres e a identificação do autor (profissão e formação acadêmica), para congressoemfoco@congressoemfoco.com.br |
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