Morar na SQS 308, na década de 1960, em Brasília, era algo próximo a viver no paraíso das crianças. A quadra era linda, arborizada, com inúmeras áreas de lazer para nós. Eram muitas as brincadeiras de criança, mas, sobre todas elas, reinava absoluto o futebol. Tínhamos um campo de terra entre a Escola Classe e o Bloco 5 (atual Bloco I). Podíamos também jogar na quadra cimentada da Escola Parque, ao lado do Bloco 7 (atual Bloco C), onde minha família morava.
Bastava pular uma cerca que normalmente não era vigiada. Mas, bom mesmo, era jogar nos diversos gramados entre os blocos – e aí entravam em cena os mais terríveis seres que eu conhecia aos 5, 6 anos de idade: os Graminhas.
Eles chegavam aos montes, dentro de Kombis, para nos impedir de jogar bola na grama – era proibido. Com uniformes policiais, verdes e beges, saíam correndo atrás das crianças para confiscar as bolas. Grande parte saía em disparada – eu, inclusive -, mas alguns faziam os Graminhas de bobinhos, e a coisa não dava lá muito certo. Volta e meia um deles perdia a paciência. Se não me engano, usavam cassetetes!
Eles eram agentes do poder público, dos quais se pode dizer que simbolizavam dois aspectos muito interessantes daquele tempo: o primeiro, a repressão do regime, o império da ordem na ótica militar. Em segundo lugar, a vida comunitária de uma cidade organizada e bem cuidada, que acabara de surgir.
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Brasília era cidade modelo, com belas áreas verdes, trânsito organizado, serviços públicos de qualidade. E, para quem tinha muito, não sobrava; para quem tinha pouco, não faltava.
Os Graminhas me davam pesadelo, pois eu era muito pequeno e um tanto medroso. Para aqueles que eram um pouco mais velhos e debochados, aquela repressão se transformava em diversão. Para uns e outros, com certeza, aquelas são lembranças boas de uma cidade que não sabemos onde foi parar.
Depois de publicar esse texto pela primeira vez – um pouco diferente, e se encerrando no parágrafo anterior – os comentários saudosos, melancólicos e desesperançados fizeram-me ter um sonho.
Reuniram-se na Esplanada dos Ministérios todos os Graminhas e todas as crianças. Fez-se um exército enorme. As crianças, ajudadas pelos Graminhas, vestiram-se com aqueles uniformes beges e verdes – sem os cassetetes. As Kombis foram chegando às centenas e todos entramos nelas, juntos. Partimos em direção ao Palácio do Buriti e à Câmara Legislativa.
Ao chegarmos lá, colocamos para fora aqueles que hoje destroem os nossos gramados. Juntos, Graminhas e crianças, restabelecemos a beleza, a segurança, e a organização de Brasília. E, porque não deixamos mais que o dinheiro público fosse desviado para alguns poucos, estes pararam de enriquecer ainda mais, enquanto os mais pobres voltaram a ter acesso à saúde e educação de qualidade.
Vamos nos unir, Graminhas e sempre crianças da capital da esperança! Coloquemos para fora, no mês de outubro, os usurpadores de nossos gramados. Vamos nos unir, Graminhas e crianças, crianças de ontem e de hoje, da capital da esperança! Coloquemos para fora, no mês de outubro, os usurpadores de nossos gramados.
Henrique,
o texto sobre os graminhas realmente me levou a uma época que não existe mais. Nos anos 1970, no meu caso, de uma Brasilia pacata, com espacos vazios, arborizados, com poucos carros na rua, uma capital absurdamente planejada e cinematográfica. Com a garotada solta nas ruas, jogando “peladas” sobre os canteiros gramados, um olho na bola e outro nas kombis que passavam devagarinho, margeando as superquadras. Saudade daqueles tempos!