Pedro Cardoso da Costa *
No festival de corrupção generalizada que vem se descortinando há uns dois anos no Brasil, a principal lei de incentivo à cultura não escapou dos ataques. Chegou-se ao ponto de ser preso um cidadão sob a acusação de ter bancado as despesas de seu casamento luxuoso com o dinheiro da lei.
Os procedimentos para desviar o dinheiro financiado por essa lei não se diferenciam dos outros, mas a duração do achaque consegue impressionar, mesmo para uma população que convive com a corrupção em todas as áreas e, praticamente, em todos os governos.
Segundo o noticiário, já em 1992 começaram os desvios. Dependendo do mês, começaram a meter a mão na grana da cultura antes de um ano da aprovação da lei, ocorrida em dezembro de 1991. Se começaram a desviar antes de um ano, há uma probabilidade grande de que o planejamento tenha começado durante a elaboração do projeto de lei.
Um ano é muito pouco para se perceberem, por acaso, eventuais “lacunas” existentes numa lei que permitisse as falcatruas.
Responsabilizar as chamadas lacunas da lei se tornou uma astúcia utilizada por grupos da mídia para isentar os verdadeiros responsáveis, que são os corruptos e os agentes públicos negligentes ou que têm envolvimento direto nos golpes. Não existe corrupção “de acordo” ou “conforme” a lei. Talvez por isso, se utilize tanto a expressão “desvio” de verba.
Essa omissão na fiscalização não é por falta de órgãos. Além das polícias investigativas, do Ministério Público e da Controladoria-Geral da União, existem os vários tribunais de contas e as unidades de controle interno em cada órgão ou instituição da administração pública. Falta só o olho que vê, como diz Chico Cesar, na música Benazir. E por que não se vê é o cerco a ser feito urgentemente.
Antes de tentar mudar a Lei Rouanet, como dissemina o discurso oficial, é preciso consolidar o entendimento de que nenhuma lei é capaz de evitar a corrupção. Essa eficácia incumbe às ações prévias de controle, que precisam do apoio de fato dos superiores e de punição rigorosa quando são julgadas.
Quando uma lei é criada num ano, no seguinte começa a ser fraudada e a fiscalização só chega duas décadas e meia depois, como ocorreu com a Lei Rouanet; fica claro e evidente que ninguém quis controlar nada. Muita gente que propõe soluções agora, mesmo que não tenha se beneficiado desses desvios, só está contra agora porque vieram à tona pela imprensa e em razão da onda de limpeza oriunda da Operação Lava-Jato. E sobre esses abusos não se viu nenhuma manifestação de um artista famoso.
Nenhum desvio de dinheiro é aceitável, mas quando a corrupção chega a patrocinar casamento com dinheiro público é porque já descamba para a desfaçatez e o escárnio. Isso ocorre por omissão ou corrupção de pessoas e não por lacunas de normas legais.
* Pedro Cardoso da Costa é bacharel de Direito em São Paulo.
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