Laurez Cerqueira *
O governo provisório de Michel Temer é analógico, rodando um filme branco e preto de piratas pilhadores, que tentam a qualquer custo restaurar as pontes com o passado mais atrasado do Brasil e reestruturar as bases de poder oligárquico para os negócios com as metrópoles.
Depois do período colonial, as nações centrais mantiveram profundos vínculos econômico-financeiros com as nações periféricas por meio de suas corporações empresariais e, com seus liames políticos, impuseram a arquitetura do Estado e do poder.
Foi assim no Império e na República que resultou do golpe militar do Marechal Deodoro da Fonseca, Floriano Peixoto, Benjamim Constant, logo após a proibição da escravidão pela Lei Áurea.
Os militares não se aliaram aos republicanos abolicionistas, mas aos proprietários das terras, das minas, das empresas e dos bancos que se estabeleciam no país.
As forças armadas e policiais brasileiras, por serem originárias historicamente dos reinados e mantidas por eles, para defenderem o patrimônio da Coroa e dos proprietários das terras e das empresas, têm se comportado, no Brasil, salvo raras exceções, como combatentes de inimigos internos, respaldadas por “Juízes de Pelourinho”, autoridades forjadas na cultura colonial do açoite, da degola, do esquartejamento e salgamento de corpos de líderes populares. Sempre foi assim em Pindorama e a história tem os fatos emoldurados e pendurados na parede da memória.
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Por ter manifestado sentimento nativista e desejo de independência do Brasil, Felipe dos Santos foi amarrado a uma junta de cavalos bravios e arrastado pelas ruas de Vila Rica, em Minas Gerais, até o corpo partir em pedaços. As partes foram salgadas e penduradas nas árvores da entrada da cidade. Tiradentes foi enforcado, esquartejado, as partes do corpo também salgadas e amarradas em postes de Vila Rica. A cabeça ficou exposta no paço da cidade.
Zumbi teve a cabeça cortada, levada ao governador de Pernambuco, Melo de Castro, e exposta no paço da cidade do Recife. Antônio Conselheiro, Lampião e muitos dos seus seguidores também tiveram as cabeças cortadas e expostas em praças públicas. Assim se comportam as forças armadas e policiais do Brasil, em nome da ordem e do progresso ditadas pelos de cima.
A violência policial-militar está entranhada nos corações e mentes das autoridades inimigas da democracia que servem a proprietários e rentistas. Nos períodos recentes das ditaduras civil-militares torturaram com requinte de crueldade, aniquilaram pessoas, fizeram-nas mortas-vivas, tamanha a violência dos facínoras, nos porões dos cárceres.
A presidenta Dilma foi uma das vítimas da tortura. Na sessão da Câmara dos Deputados que a afastou da Presidência da República e deu posse a Michel Temer, o deputado Jair Bolsonaro homenageou o torturador Brilhante Ustra com seu voto a favor do golpe.
A República brasileira é fruto de um golpe militar, manobrado politicamente por gerentes de interesse estrangeiros. Por incrível que pareça, o Brasil não consegue se livrar da sombra do passado, do atraso organizado, e se firmar como uma República democrática, livre e soberana.
O lema dos golpistas da República colonial, inscrito na bandeira brasileira, “Ordem e Progresso”, é o mesmo do golpista Michel Temer e seu governo provisório, que se adianta na tentativa de subtração de direitos conquistados pela população trabalhadora e na entrega a empresas multinacionais, de suas riquezas, como as jazidas de petróleo do pré-sal, a maior joia de Pindorama, de empresas estatais estratégicas para o desenvolvimento, como as do setor elétrico e outros bens públicos.
Os golpes militares que se seguiram na história do Brasil, nos ciclos de vigência do Estado democrático de direito, foram dados por militares em parceria com gerentes de interesses externos, para realinhar o Brasil aos vínculos econômico-financeiros das nações centrais impostos pelas corporações empresariais.
Nos momentos de crise, como o que o mundo atravessa, com efeitos extremamente perversos sobre as economias mais dependentes e vulneráveis, as nações centrais buscam nas nações periféricas compensações de suas perdas.
O afastamento da presidenta Dilma e a imposição de Michel Temer, com um golpe tramado pelo Congresso, setores do Judiciário e da mídia, é resultado de uma sofisticada conspiração que atende a essa finalidade.
Desde os tempos coloniais, as nações periféricas contam com categorias nativas, não proprietárias, de gerentes de interesses estrangeiros que vivem a pregar uma ideologia que só serve a eles e a seus negócios.
São tipos que transitam na política e no mercado, e estão sempre participando de governos, principalmente no comando de áreas estratégicas, com as grandes corporações de mídia à disposição, onde formam a opinião pública e comandam a massa.
Não gostam de pagar impostos. Costumam ser sonegadores contumazes. Se dizem inimigos do Estado, mas sempre contam com a proteção e a salvação dos seus negócios pelo Estado.
Não têm compromisso com a cidadania, com as populações desfavorecidas. O negócio deles é negócio. Bancam golpes, repassam para os trabalhadores os prejuízos decorrentes das crises e defendem com unhas e dentes as margens de lucro de suas empresas.
Para os golpistas de sempre, nada de política externa que proporcione autonomia, independência. Nada de falar grosso com as nações centrais.
Para eles, “Ordem e Progresso” quer dizer: baixem as cabeças, trabalhem, produzam, consumam, não questionem, e deixem os destinos nas mãos deles. Deixem os piratas explorarem Pindorama.
* Jornalista e escritor, é autor de Florestan Fernandes – Vida e Obra; Florestan Fernandes – um mestre radical; e O Outro Lado do Real, este em parceria com Henrique Fontana.
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