“O Palácio do Planalto cancelou a licitação no valor de R$ 1,75 milhão para compra de lanches e refeições para o avião do presidente Michel Temer. A lista de compra da Presidência recebeu inúmeras críticas dos brasileiros, pois incluía guloseimas como sorvetes da marca norte-americana Häagen-Dazs, cremes de avelã fabricados pela Nutella e 1,5 tonelada de torta de chocolate.
O pregão estava previsto para acontecer no dia 2 de janeiro. O contrato abasteceria o avião presidencial durante 12 meses. O preço estimado por cada café da manhã no AeroTemer variava entre R$ 59,90 e R$ 96,43. Para almoço e jantar, porém, o preço de cada refeição poderia variar de R$ 75,96 a R$ 128,63″. (https://congressoemfoco.uol.com.br)
O assunto mereceu (e merece) bastante atenção. Em tempos de retração nas contas públicas, e mesmo em momentos de bonança fiscal, é preciso manter uma severa vigilância sobre regalias custeados pelos contribuintes. Um dos objetivos históricos da República consistiu justamente em eliminar privilégios da realeza. Assim como os sorvetes, cremes e tortas, outras “vantagens” precisam de atenção por parte da sociedade civil. Entram nesse campo, os veículos de representação, os lanches em tribunais, os auxílios-moradias, as seguranças pessoal e domiciliar, etc, etc, etc.
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Também precisam de um olhar criterioso, e de ação política correspondente, os inúmeros mecanismos socioeconômicos que se apresentam como bilionários privilégios institucionalizados de parcelas minoritárias da sociedade (o famoso 1%) em detrimento da grande maioria (os 99% restantes). Esses instrumentos transformam o Brasil (nona economia do mundo em 2015) num dos campeões de desigualdade social com todas as terríveis consequências decorrentes. Podemos ilustrar essa afirmação com os seguintes exemplos: a) taxas de juros estratosféricas; b) inúmeros benefícios fiscais para determinados setores econômicos; c) “bolsa-empresário” do BNDES; d) sistema tributário profundamente regressivo; e) sonegação fiscal em níveis alarmantes; f) estrutura fundiária concentradora e atrasada; g) especulação imobiliária urbana elitista e h) sistema da dívida pública.
Destaco um dos mais desconhecidos instrumentos de privilégios socioeconômicos no Brasil atual, salvo para especialistas e estudiosos do assunto. Vou chamá-lo, aproveitando o episódio dos sorvetes presidenciais, de “Häagen-Dazs dos Bancos – Sabor Baunilha (ou Vanilla)”. Não é segredo para ninguém que os bancos nadam em fartura. Essas empresas financeiras lucram bilhões de reais faça chuva ou faça sol, em tempos de crescimento econômico ou em tempos de crise. Existe um conjunto de razões socioeconômicas para esses expressivos resultados (são os vários sabores bancários de Häagen-Danz). Uma delas, nos últimos anos, ganhou especial importância e destaque. São as “operações compromissadas” (o Häagen-Danz bancário sabor baunilha/vanilla).
PublicidadeEm linguagem simples e direta, as operações compromissadas são “compras” de dinheiro dos bancos, realizadas pelo Banco Central, em troca de títulos da dívida pública com cláusula de revenda. Elas reduzem a liquidez (quantidade de moeda em circulação) e são fundamentais para a manutenção da taxa de juros em patamares altíssimos. Esses juros enormes são pagos pelo Banco Central aos bancos no momento de retomada dos títulos.
Ademais, o volume de operações desse tipo cresceu tanto nos últimos anos que foi responsável por parte significativa do aumento do endividamento público. No Brasil, os condutores da política econômica converteram, na prática, um mero e relativamente modesto instrumento de política monetária, realizado pelo mundo afora, em um grandioso mecanismo de transferência de riqueza do conjunto da sociedade para setores já altamente privilegiados do todo-poderoso mercado financeiro.
Em esclarecedor texto, Maria Clara do Prado afirma: “Voltando às operações compromissadas, parece claro que o sistema financeiro tem no BC uma fonte segura de remuneração atrativa, com risco zero. Isso, obviamente, tende a crescer em épocas e crise e de desconfiança. Não à toa, observa-se nos últimos anos um aumento significativo das operações compromissadas do BC não apenas em termos absolutos, mas também como proporção do estoque da dívida pública interna federal. (…) Operações compromissadas são normais em qualquer parte do mundo onde haja um banco central em operação, mas não é normal a magnitude que ganharam no Brasil.
Alguns analistas acham que os números estão mostrando que parte da dívida brasileira está sendo financiada através daquelas operações e essa seria, possivelmente, uma forma de “mascarar” o perfil médio do prazo de vencimento da dívida do Tesouro Nacional./Ao invés de lançar LFTs (títulos que acompanham a taxa do “overnight”) no volume requerido pelo mercado, o Tesouro deixaria para o BC, através das operações compromissadas, a tarefa de atender a demanda de papéis de curto prazo. O mecanismo, portanto, estaria servindo não apenas a objetivos monetários de regulação da liquidez, mas também à administração da dívida pública” (http://www.cincomunicacao.com.br/operacoes-compromissadas-x-divida-publica).
Vejamos alguns impressionantes números acerca das “operações compromissadas” realizadas pelo Banco Central do Brasil (http://www.bcb.gov.br):
Portanto, não é verdadeira a motivação oficial da PEC 241/2016, depois PEC 55/2016 e, agora, EC 95/2016 (“crescimento acelerado da despesa pública primária”). Primeiro, porque não aconteceu ao longo dos últimos 15 anos, pelo menos, nenhum descontrole capital dessas contas (foram observados seguidos superavits e deficits administráveis nos últimos dois anos). Segundo, porque o endividamento público crescente possui razões financeiras bem claras, entre outras: a) as “operações compromissadas”, como visto; b) os juros altíssimos; c) a contabilização de juros como amortização; d) a formação de reservas internacionais e e) as operações de “swap cambial”.
Ademais, a atual forma de realização das “operações compromissadas” afrontam a Lei de Responsabilidade Fiscal quanto essa: a) veda a emissão de títulos pelo Banco Central e b) não admite a utilização do Banco Central como instância de administração da dívida pública.
Deve ser ressaltado, com base nos números apresentados, um dado sintomático e revelador. Em oito meses (de dezembro de 2015 a agosto de 2016, abarcando os governos Dilma e Temer), as “operações compromissadas” produziram um “rombo” de R$ 200 bilhões no estoque da dívida pública brasileira. Curiosamente, o déficit primário para 2016 (majoritariamente com gastos sociais diretos e indiretos, desconsideradas as despesas financeiras) será de R$ 170,5 bilhões (Lei n. 13.291, de 25 de maio de 2016).
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