Congresso em Foco – O senhor foi muito claro há pouco ao dizer no plenário que a CPI perde tempo e precisa se concentrar nas relações do Cachoeira com políticos e da Delta com os governos. Qual seria o primeiro passo que a CPI deveria dar nessa direção?
Pedro Taques – Suspender o sigilo dos documentos. Ter técnicos da Receita Federal, do Banco Central, da Controladoria Geral da União para analisar os documentos. O que Carlinhos Cachoeira, o senador Demóstenes ou outros possam falar não vai mudar o que já está nos documentos. Então, eu prefiro analisar os documentos. Depoimento é importante? É, mas a prova documental é muito mais forte que uma prova testemunhal.
O senhor passou parte do fim de semana analisando os inquéritos. O que o senhor leu já lhe permite firmar algumas convicções quanto ao alcance do esquema de Carlinhos Cachoeira?
Infelizmente, eu não posso revelar agora porque estou juntando documentos e estou fazendo a comprovação de fatos. Mas o que se demonstra é que nós temos uma organização criminosa que já está no terceiro nível. O primeiro nível se pratica a atividades ilícitas, como jogo do bicho e máquinas caça-níqueis. Num segundo momento, você chega às fraudes em licitação. Isso é ilícito, mas é um crime – entre aspas – “socialmente aceitável”. São pessoas que moram no mesmo prédio em que você mora, os filhos estudam no mesmo local. E, num terceiro momento, você passa à atividade ilícita onde se lava o dinheiro. Por exemplo: laboratórios de remédios. Na Itália e nos Estados Unidos, isso se denomina o terceiro nível da criminalidade. E aqui você vê isso. Você vê todos os requisitos, os pressupostos, de uma organização criminosa. Ou seja, há hierarquia acentuada entre os membros, há divisão piramidal, há divisão em forma empresarial, você vê o sigilo, o código, o segredo. É o que se denomina de organização criminosa nos termos do Tratado de Palermo, que é uma resolução da ONU que trata disso.
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Quando o senhor diz ser preciso investigar as relações do Cachoeira com políticos, com governadores, onde é que os políticos se relacionam com o bicheiro nessa organização?
Lembra o segundo nível? Fraude em licitação. Eu quero saber onde foi parar o dinheiro, porque existe uma relação umbilical com a Delta. O procurador-geral [Roberto Gurgel] chegou a chamar [Cachoeira] de sócio oculto da Delta. A Delta participa de processos licitatórios, tem R$ 5 bilhões do PAC. A Delta apresentava um preço para afastar os outros concorrentes, o que se denomina no mercado de mergulhar no preço, e trabalhava com os aditivos de mudança de escopo. Isso precisa ser investigado. Aí é que está o dinheiro, amigo. Jogos de azar, máquinas caça-níquel, bicho… isso dá dinheiro, mas não dá dinheiro como R$ 5 bilhões em dez anos, né?
Pelo que o senhor identificou, quantos e quais são os governos estaduais que merecem uma investigação?
Eu não vou ser leviano de citar, porque, por exemplo, aquela lista divulgada [com o nome de 82 pessoas citadas nas conversas grampeadas pela Polícia Federal na Operação Monte Carlo, incluindo até a presidente Dilma Rousseff] é uma irresponsabilidade. O fato de você ser citado em uma comunicação telefônica não quer dizer que você faça parte de uma organização criminosa. Então, eu trabalho de forma objetiva, com documentos. Se vocês acompanharem as minhas perguntas na CPI, são todas nesse sentido.
Mas, objetivamente, o governo de Goiás, por exemplo, merece uma investigação profunda?
Governo de Goiás, governo do Rio, governo daqui do Distrito Federal… Precisa avançar nas investigações e nos contratos no governo de Mato Grosso.
Tocantins?
Tocantins.
Paraná?
Aí não vou ficar chutando. Eu sou muito objetivo. Diferentemente de políticos aí que sabem de bomba atômica a fabricação de celular, eu não sei de tudo. Eu preciso estudar.
Na conversa com outros parlamentares, eles estão compartilhando muitas informações, estão lendo muito o inquérito?
Sim, com alguns parlamentares. Com alguns parlamentares, sim. Estou analisando documentos. Tenho dois assessores que estão me ajudando nisso, porque não é possível você sozinho fazer tudo.
O senhor considera que nessa fase da CPI é improdutivo realizar depoimentos? Não seria necessário dar um intervalo maior para análise de documentos?
Não, não. Acho que tem que se realizar os depoimentos. Só que eu não me louvo 100% nos depoimentos. A testemunha é a prostituta das provas, já dizem. A prova testemunhal não é a mais forte que existe. Os depoimentos devem existir, mas eu quero trabalhar documentalmente.
O senhor disse no plenário que o Ministério Público não é objeto central da investigação, apesar das críticas que existem quanto à demora no encaminhamento das investigações feitas pela PF. O senhor acha que está perfeitamente esclarecida a atitude que o procurador-geral tomou?
Não, não. Precisa ser esclarecida. Ele diz que é uma estratégia dele. Nós temos que respeitar isso, mas eu penso que alguns pontos precisam ser esclarecidos. De que maneira isso foi feito. Ele é o dono da ação penal. Está no artigo 129, inciso 1 da Constituição. Agora, aí você transformá-lo em investigado e trazê-lo para a CPI é ofender a Constituição e a lei. Ninguém está acima da lei, mas existe lei para ser obedecida. É a mesma coisa que você falar que o jornalista está acima da lei porque tem o direito ao sigilo da fonte. Não! Num Estado democrático de direito, nós obedecemos à lei, que é nosso limite. Ninguém está acima da lei, nem o procurador-geral da República, nem os ministros do Supremo. Agora, existem prerrogativas que são estabelecidas para que nós possamos viver bem em sociedade. Para que você tenha uma sociedade mais justa, você precisa que a imprensa tenha sigilo da fonte. Isso significa que o jornalista está acima da lei? Não. Para que você tenha uma sociedade mais justa, você precisa que o procurador-geral tenha prerrogativas. Essas prerrogativas fazem com que ele esteja acima da lei? Não. Para que um parlamentar possa exercer a sua atribuição, ele possui prerrogativas. Eu não posso abrir mão de minhas prerrogativas, porque elas não me pertencem, pertencem ao cargo. Então, se são prerrogativas constitucionais e legais, não significa que nós estejamos acima da lei. Isso faz parte do jogo democrático, né?
Nos depoimentos dos delegados da Polícia Federal à CPI, o senhor acredita que se avançou o que poderia ter avançado?
Sim, eles trouxeram fatos. Nós não tivemos tempo ainda para ler todos os documentos. Aí você vai pegando o que eles falam e vai pegando os documentos. Você precisa comprovar fatos. O que é provar? Provar é demonstrar a existência ou inexistência de um fato. Qual fato? Deu o dinheiro? Como você vai provar? Com documento. Qual documento? Conta bancária: o dinheiro foi daqui pra lá. Você vai provar com interceptação telefônica: o cidadão fala que depositou dinheiro. Você vai provar com testemunha: ela fala que levou dinheiro. Existem vários meios de prova. Eu confio mais no meio de prova documental.
O delegado Mateus disse que fez mais de 200 mil grampos, mas a CPI não tem essa quantidade toda de grampos.
A minha assessoria está analisando as interceptações que aí existem. Eu confesso que não ouvi todas ainda, é quase humanamente impossível ouvi todas nesse período.
Ele disse também que vai fazer uma reaudição dos áudios…
Lógico. Concordo inteiramente. Isso tem que ser feito mesmo porque, muitas vezes, passa alguma coisa.
O senhor acredita que há mais diálogos que sequer foram colacionados?
Vocês têm que entender o seguinte. É o meu primeiro mandato de senador, meu primeiro mandato político. Eu venho de um lugar em que você não fica com achismo. Então quando vocês fazem a pergunta, você acredita, eu não consigo ter esse tipo de raciocínio. Eu sou uma pessoa prática e objetiva. Aí é muito assim mãe Dinah, eu não gosto de trabalhar com adivinhação. Eu não acredito, eu tenho que analisar os documentos. É que eu tenho esse histórico de ser assim.
O senhor acha que já caberia algum tipo de questionamento àqueles outros parlamentares, além do senador Demóstenes, envolvidos?
Eu acredito que sim.
Já é hora de fazer isso?
Eu entendo que sim. Nós não falamos dos deputados até agora. E é uma CPI mista, não é uma CPI só do Senado. Você viu por acaso alguém falar de deputado?
Eles estão meio esquecidos, né?
Estão bem esquecidos. Nós temos que trazer à baila, né?
E como se faz isso?
Requerimentos…
Para depoimentos, para apresentar explicações?
Depoimentos, explicações. Ah, sim, eu fiz requerimento? Você já analisou os requerimentos. Tem requerimento para todo gosto. Eu não vou fazer requerimento só para aparecer na imprensa. Eu não trabalho dessa forma. Tem 30 requerimentos para a mesma pessoa. Eu vou fazer outro requerimento? Eu não vou fazer isso.
E por que o senhor acha que não está acontecendo isso?
Eu acho que o plano de trabalho da CPI ficou razoavelmente bem feito, mas nós jogamos os requerimentos para o dia 17. Só então é que eles serão deferidos ou indeferidos. Eu acho que houve uma falha nisso.
E o Ministério Público, nessa história aí, o senhor acha que é muito mais um aliado nas investigações do que um alvo?
Eu não usaria esse adjetivo. Eu diria que o Ministério Público tem que cumprir a função constitucional dele.
Inclusive auxiliando a CPI.
Lógico. Como em todas as CPIs.
Temos de investigar deputados, diz senador da CPI
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