Celso Lungaretti *
Em Eu, Claudius, imperador, o escritor Robert Graves coloca na boca do seu imperial personagem um primor de embromation: “Faltam-me as palavras, mas nada que eu pudesse dizer igualaria a intensidade dos meus sentimentos a esse respeito”.
Eu poderia dizer o mesmo a respeito do artigo “Luzes, enfim”, do filósofo Vladimir Safatle – mas não como uma saída pela tangente, e sim num exercício de humildade. Quando deparo com um texto que diz exatamente aquilo que eu pretendia dizer e da forma como me preparava para fazê-lo, opto sempre por arquivar meu projeto pessoal e apenas reproduzi-lo, prestando o merecido tributo a seu autor.
Talvez por um pouco de preguiça (ninguém é sexagenário impunemente…), talvez por um certo preciosismo de minha parte: havendo um similar perfeito, nunca me conformaria em produzir algo inferior. Então, se percebo tratar-se de tarefa quase impossível, dou a mão à palmatória: o importante é sempre oferecer o melhor aos leitores, seja ou não da minha lavra.
E o texto do Saflate realmente acende luzes, permitindo-nos vislumbrar uma saída das trevas que se adensam na política brasileira.
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Parafraseando o bordão das monarquias, é hora de nós, esquerdistas que ainda honramos nossos ideais e nossos valores, proclamarmos: O PT está morto, viva o Syriza!
PublicidadePois nunca isso ficou tão evidenciado quanto nas propostas ousadas de Alexis Tsipras, em contraposição à absoluta falta de propostas positivas de Dilma Rousseff. Um quer livrar seu povo da canga que o capitalismo putrefato lhe impôs, a outra dá carta branca a seu ministro neoliberal para maximizar a austeridade e agravar a penúria.
Eis “Luzes, enfim”, na íntegra:
Uma das propostas do partido grego Syriza, que venceu as eleições gregas neste domingo, consiste em religar a luz das casas que tiveram a eletricidade cortada por falta de pagamento. Só entre janeiro e setembro de 2013, 240 mil residências tiveram sua eletricidade cortada. Hoje, 1 milhão estão com a conta de luz atrasada, ou seja, 10% da população da Grécia.
Essa é uma bela metáfora do que pode significar a vitória do primeiro partido de esquerda radical na história a governar um país da Comunidade Europeia.
A dita racionalidade econômica aplicada na crise grega levou boa parte da população de volta à era das trevas, enquanto a banca internacional aplaudia as “reformas” implementadas pelo antigo governo conservador de Antonis Samaras com sua taxa de 25% de desemprego.
Pouco importa se as políticas de “austeridade” e de “responsabilidade fiscal” jogam a população no breu e na fome, desde que as obrigações das dívidas sejam todas corretamente pagas aos bancos internacionais – os mesmos que costumam extorquir seus países quando entram em rota de falência.
Syriza será a primeira expressão, na forma de um governo, de um radical sentimento de recusa a este capitalismo de espoliação e acumulação rentista.
É fruto de um movimento de indignação que apareceu a partir de 2009, que passou pela Primavera Árabe e pelos Occupy.
Trata-se de um partido que não tem nenhuma semelhança com os partidos tradicionais de esquerda. Não é por acaso que o Partido Comunista Grego os odeia.
Sua lógica não é dirigista, nem centralista. Ela é uma frente multipolar composta por múltiplos grupos, de ecologistas a trotskistas, maoístas, nacionalistas e sociais-democratas radicais.
Se há algo na história da esquerda próximo à vitória grega é a experiência chilena de Allende com sua frente de Unidade Popular.
Quarenta anos depois, a história de um socialismo democrático e transformador será jogada novamente. Dessa vez, será aos pés do monte Olimpo.
Representante de uma nova geração política, Syriza tem neste momento a tarefa de sobreviver e ser bem-sucedido contra as tentativas de impedir que o fantasma do descontentamento que assombra a Europa saia de sua forma meramente espectral e ganhe, enfim, corpo político. Um corpo que poderá contaminar outros países e modificar o cenário de inanidade atual.
A favor dos gregos, há o espírito do tempo e o desejo de todos os que cansaram da escuridão, do medo e da miséria, seja miséria econômica, seja miséria de ideias.
* Celso Lungaretti, ex-preso político, é escritor, jornalista e blogueiro.
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