Há pouco mais de um ano, muitos fotografaram o muro construído às pressas, em Brasília, na Esplanada dos Ministérios. Muitos escreveram sobre ele e alguns o chamaram de “muro da vergonha”.
Ricardo Stuckert, fotografou o muro e o pouso de uma coruja (veja a foto abaixo) sobre o mesmo. Na foto, Stuckert capta na sua “Roliflex” uma coruja de asas abertas, corpo e pernas alongadas, preparando-se para o pouso.
Todos os muros são da vergonha, sejam os que caíram, os que existem e os que se propõem a construir. Mesmo os muros que as pessoas constroem para “proteger suas casas e terrenos” não deixam de ser da vergonha. Poderíamos viver sem muros.
Stuckert fotografou o muro e escreveu (14/04/2016): “Como brasiliense que sou, jamais imaginei ver algo assim na minha amada cidade. O que aconteceu? Aonde vamos parar? Até quando vamos permitir a divisão de um país?” (…) “Quem for à Esplanada terá que escolher um lado. Uma vez escolhido, não pode passar para o outro lado. Se tiver um amigo ou parente do lado oposto, problema seu. Não se atreva a ir para o outro lado. Não existe possibilidade de diálogo. Existe sim um muro para nos lembrar que ainda temos um longo caminho para percorrer no respeito ao próximo e a liberdade de expressão de cada um.”
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Não só este, mas todos os muros dividem famílias, amigos, parentes, povos e ideologia, se não a do povo, as dos poderosos. Foi assim com o de Berlim, é com o de Israel separando o povo palestino é o do México na fronteira com os Estados Unidos e foi assim com o muro construído às pressas em Brasília.
Tenho certeza de que Stuckert, ao escrever “que ainda temos um longo caminho para percorrer no respeito ao próximo e a liberdade de expressão de cada um”, não imaginava que a distância a partir daquele muro e daquele dia aumentaria com o passar do tempo.
Muitas pessoas enxergam na coruja o símbolo da sabedoria, da inteligência e do bom augúrio. Outras a veem como o símbolo do azar, da escuridão espiritual, trevas e bruxaria. No medievo, as corujas eram consideradas bruxas disfarçadas.
São simbologias e os significados simbólicos dependem da cultura de cada povo.
A foto do muro, feita de dia, com a coruja chegando para o pouso, é uma foto artística. O muro tem um significado, já a coruja sobre ele cada qual interpreta de acordo com sua cultura ou espiritualidade.
Uns podem interpretar como mau agouro. Outros, o inverso. Já prefiro dizer que mau agourento foi o muro e a sua necessidade. Nesse caso, cabe até uma pergunta: havia necessidade daquele muro? Não há a possibilidade do convívio civilizatório entre os que pensam diferente?
O muro foi construído às pressas para separar os que se opunham ao golpe de Estado dos que pregavam e apoiavam o golpe, em grande parte, como se constata hoje, fascista.
Construído às vésperas da sessão mais vergonhosa que já ocorreu na história do parlamento brasileiro, tanto que o respeitado escritor e analista político da TV portuguesa Miguel Sousa Tavares classificou-a como “uma assembleia geral de bandidos comandada por um bandido chamado Eduardo Cunha fazendo a destituição de uma presidente sem qualquer base jurídica nem constitucional, mas, sobretudo, com uma falta de dignidade que eu diria que é de arrepiar; uma bandalheira”.
Aquela sessão mostrou ao Brasil e ao mundo a burrice, a indigência, o preconceito e a violência fascista (Bolsonaro) parlamentar brasileira.
O muro foi resultado do que se construía antes, mentira, ódio, violência e intolerância. Ele não conteve isso. De lá para cá, piorou e hoje ele pode ser considerado como o símbolo disto e mais, da injustiça e do crescimento do fascismo e da violência no nosso país.
O muro construído em Brasília foi um muro físico e temporário. Resultado de outro muro, o que muitos construíram dentro de si. Esse é invisível e o pior dos muros. O mais difícil de ser derrubado.
A coruja é notívaga, e como os gregos consideravam a noite o momento propício para o pensamento filosófico, ela era vista como símbolo da busca pelo conhecimento.
Que a coruja fotografada seja o bom augúrio, o do conhecimento que derrube todos os muros, os visíveis e os invisíveis.
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