Lúcio Lambranho
Reportagem do Congresso em Foco colheu novos indícios de irregularidades, que reforçam as suspeitas contra a gestão do Partido Socialista Brasileiro (PSB) no Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT). Os fatos apurados ocorreram durante a gestão do atual ministro, Sérgio Rezende, e do seu antecessor, o deputado federal Eduardo Campos, que disputa o segundo turno da eleição para o governo de Pernambuco.
Durante a campanha eleitoral, Eduardo Campos foi acusado de envolvimento com a empresa KM Empreendimentos Ltda., atualmente sob investigação da Controladoria Geral da União (CGU), do Tribunal de Contas do Estado (TCE) e da Polícia Federal por suspeita de envolvimento com a máfia das sanguessugas. A empresa produz, além de ambulâncias e veículos especiais, os primeiros ônibus de inclusão digital, principal projeto social do MCT (leia mais sobre o assunto).
O caso foi divulgado pelo deputado Fernando Gabeira (PV-RJ) após a KM ter sido mencionada em depoimento do empresário Luiz Antônio Vedoin, sócio da Planam e principal operador do esquema de fraudes no orçamento federal. Vedoin disse no seu primeiro depoimento à CPI das Sanguessugas, no dia 3 de agosto, que outras empresas faziam reserva de mercado e afirmou que KM detinha a maior parte dos negócios com as prefeituras e órgãos públicos do Nordeste.
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Foi ainda na gestão de Eduardo Campos que o MCT se tornou alvo de grande interesse dos parlamentares especializados em propor emendas ao orçamento federal. De acordo com a ONG Contas Abertas, de 2004 para cá, foram incorporados ao orçamento R$ 99,4 milhões em emendas individuais destinadas à inclusão digital. Com uma bancada que representa 6% do Congresso, o PSB abocanhou 18% delas.
Mas ainda é uma incógnita a participação do partido nas emendas coletivas, apresentadas pelas bancadas estaduais e pelas comissões permanentes da Câmara e do Senado. Com elas, o total de emendas para inclusão digital sobe para R$ 405,5 milhões (leia mais no Contas Abertas).
PublicidadeOs novos casos
No rastro das denúncias sobre a compra de ônibus para inclusão digital, o Congresso em Foco descobriu três novos casos que aumentam as suspeita sobre a gestão do PSB. Os atos envolvem, além do atual ministro Sérgio Rezende e do seu antecessor, Eduardo Campos, o ex-secretário de Ciência e Tecnologia para Inclusão Social do ministério Rodrigo Rollemberg, recém-eleito deputado federal no Distrito Federal pelo PSB.
Rezende nomeou um funcionário acusado de participar de fraudes em licitações depois de ele ter sido responsabilizado por atos irregulares, apontados em sindicância interna do próprio ministério e depois denunciados pelo Ministério Público Federal.
Eduardo Campos, além de ter demonstrado notável generosidade no repasse de recursos para emendas propostas por parlamentares do seu partido, beneficiou a prefeitura de Santana do Livramento (RS), na fronteira com o Uruguai, com quase R$ 2 milhões. O prefeito da cidade, também do PSB, é marido da então chefe de gabinete do ex-ministro Eduardo Campos. Outras seis cidades da região Sul na região de fronteira e com perfil semelhante não receberam nenhum recurso do MCT desde o início da gestão do PSB.
Já Rodrigo Rollemberg aproveitou o acesso que tinha ao mailing dos funcionários do ministério para convidá-los para inauguração do seu comitê eleitoral, em Brasília.
Gabeira disse ao Congresso em Foco que pretende ir a Pernambuco, após as eleições, para continuar a investigar a gestão do PSB no MCT. No dia 22 de agosto, ele entregou à CPI dos Sanguessugas um relatório em que aponta favorecimento político “na liberação de dinheiro para a compra de ônibus da empresa Planam, utilizados no programa de inclusão digital”.
Na oportunidade, o deputado questionou principalmente a aprovação, em um mesmo dia, pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep, empresa pública ligada ao MCT), de três projetos apresentados por parlamentares. O parlamentar e sub-relator da comissão vê nisso um indício de favorecimento porque processos técnicos costumam demorar muito mais tempo para serem aprovados.
A Finep, que tem sede no Rio, pagou às empresas do grupo Planam por meio de três ONGs: Instituto Brasileiro de Cultura e Educação (Ibrae), Instituto de Tecnologia e Desenvolvimento de Qualidade (Intedeq) e Instituto Amor pela Vida. A denúncia de Gabeira incluiu ofícios de 20 deputados, destinados ao então ministro Eduardo Campos, nos quais os parlamentares informam sobre a inclusão no orçamento de emendas de sua autoria para inclusão de digital.
Saiba mais sobre os novos casos apurados pelo Congresso em Foco:
Operação Mão-de-Obra
Dois funcionários do MCT foram denunciados pela Procuradoria da República no Distrito Federal (PR-DF) na Operação Mão-de-Obra, realizada em conjunto com a Polícia Federal (PF).
Wagner Vasquez Mello, então coordenador de Logística e Execução, gestor financeiro e pregoeiro do MCT, e Lorena das Graças Lins Silveira, que ocupou o cargo de chefe da Divisão de Licitações e Contratos, foram acusados pelos procuradores Luciano Sampaio Gomes Rolim e José Alfredo de Paula Silva pelos crimes de formação de quadrilha, corrupção ativa e passiva, fraude a licitações.
O curioso é que, três dias após a denúncia ser entregue na Justiça, Wagner foi nomeado, no dia 18 de agosto deste ano, como informou o Diário Oficial da União para a seguinte função:
“Para compor o Grupo de Trabalho com participação da Finep e do CNPq com o propósito de fiscalizar a aplicação de recursos e avaliar a efetividade da execução de projetos apoiados pelo MCT nos programas de trabalho 0465 (Sociedade da Informação), 0471 (Ciência e Tecnologia para Inclusão Social), 1008 (Inclusão Digital) e 1112 (Difusão e Popularização da Ciência), em substituição ao servidor Sérgio Luiz Doscher da Fonseca.”
A PR-DF encaminhou no último dia 25 um ofício ao secretário executivo do MCT e ao ministro questionando essa nomeação de Wagner. “Quais os motivos para nomear um servidor já denunciado por diversos crimes para uma função de confiança com atribuições de fiscalização de aplicação de recursos?”, pergunta o comunicado, que deu prazo de dez dias para o ministério se manifestar.
Antes da acusação dos procuradores, Wagner foi alvo da sindicância interna criada pela portaria MCT 232/2005 e processo de n° 01200.001453/2005-82. A sindicância foi iniciada ainda na gestão do ex-ministro Eduardo Campos, em despacho do dia 6 de junho de 2005. O funcionário de carreira do MCT, segundo o relatório da sindicância, tinha três filhos contratados como funcionários terceirizados.
Um deles, Juan Vasques Mello, teria ido trabalhar na sede da G&P, empresa ganhadora da licitação para prestação de serviços de apoio administrativo no MCT. A saída, segundo concluiu a sindicância, aconteceu logo após a licitação. Juan e os outros dois filhos do servidor estavam entre os contratados da G&P. As informações foram colhidas no depoimento de Paulo Sérgio Bonfim, coordenador-geral da Coordenação Geral de Gestão de Tecnologia da Informação (CGTI).
A sindicância interna também revelou o uso indevido de telefones celulares e veículos do MCT, além de concessão de passagens e de diárias irregulares. Mas, alegando que os acusados não tinham sido ouvidos, um parecer da Consultoria Jurídica do ministério, de fevereiro deste ano, declarou a nulidade da investigação.
Um ato do atual ministro da pasta, Sérgio Rezende, de 15 de maio, acolheu o parecer da Conjur e determinou a criação de uma nova comissão de investigação. A assessoria de imprensa do MCT alega que Wagner é servidor de carreira do MCT e continua trabalhando normalmente. “Vale ressaltar que o servidor em questão está sob investigação e que não há, ainda, nenhuma conclusão sobre as apurações”, diz a assessoria.
“A comissão de sindicância é feita para saber se há fogo. Eles não foram falar com o Wagner. Foi errado. Foi instaurado então um processo administrativo disciplinar que constatou que não havia fogo”, disse a chefe da Assessoria de Comunicação do MCT, Vera Canfran, em entrevista ao Congresso em Foco.
Depois da apuração dos fatos, Vera Canfran saiu na defesa incondicional dos dois funcionários denunciados. A assessoria também desafia a apuração feita até agora pela PR-DF e pela PF. “Ela é uma excelente funcionária, foi chamada para trabalhar no Ibama, e nós a chamamos de volta e ela voltou”, disse, referindo-se a Lorena.
Falou o mesmo de Wagner: “Ele é um excelente funcionário. Estão inclusive tentando tirar ele dessa comissão porque ele fica um dia inteiro nesse trabalho. É um excelente funcionário e está fazendo falta aqui. Estão até vendo a possibilidade de tirá-lo por causa disso. Não pelas acusações, é pela falta dele no setor. Eu tenho certeza absoluta, eu conheci o Wagner aqui, que esta denúncia vai dar trabalho para quem denunciou. Com certeza. Esta é uma opinião minha.”
A reportagem tentou entrar em contato diretamente com os dois funcionários denunciados, nos seus telefones no MCT, mas não recebeu nenhum retorno. Wagner e Lorena estão entre as 18 pessoas denunciadas à Justiça no dia 15 de agosto deste ano. A lista inclui servidores públicos de outros ministérios e autarquias federais, além de funcionários da empresa Conservo. De acordo com a denúncia dos procuradores, a licitação foi superfaturada.
A diferença de preços entre a empresa que apresentou o menor valor e a Conservo chega a 439%. Segundo os procuradores, a empresa pagava funcionários dentro dos órgãos que a beneficiavam nos pregões por meio de diversos artifícios ilícitos e, paralelamente, oferecia dinheiro às empresas concorrentes nas licitações para que desistissem de participar dos certames. Dessa forma, o caminho ficava livre para a Conservo.
Os dois funcionários do MCT passaram, conforme os procuradores da força-tarefa que ainda investiga o caso, informações sigilosas a Paulo Duarte, braço direito de Victor João Cúgola, dono da Conservo. O objetivo era favorecer a empresa com informações sobre as concorrências. Duarte negociava, segundo a denúncia, diretamente com os servidores envolvidos no esquema – entre eles, Wagner e Lorena, segundo a conclusão da PR-DF.
Santana do Livramento
Ex-chefe de gabinete do então ministro Eduardo Campos (PSB), Mari Machado (PSB) é esposa do atual prefeito de Santana do Livramento (RS), Wainer Machado (PSB), e candidata derrutada a deputada federal nas últimas eleições. Nada de anormal dentro da lógica política-partidária, mas essa mesma prefeitura foi contemplada com um total de R$ 1.956.550,55, valor dividido em três convênios. Os dois primeiros já foram integralmente pagos no mesmo dia 12 de maio deste ano e também celebrados na mesma data, 1°de julho de 2005.
O primeiro deles é descrito como “apoio à integração às cadeias produtivas de fruticultura e apicultura”, no valor de R$ 364.896,29. O segundo é para implantação de um centro de inclusão digital e de outros quatro pólos no município, no valor de R$ 320.069,73. O outro convênio já foi empenhado, mas não foi pago. Foram dois empenhos, ambos para apoio à cadeia produtiva do leite, um de R$ 1.099.626,54 e outro de R$ 171.957,99.
Segundo o MCT, os dois primeiros convênios citados fazem parte do protocolo de intenções firmado no dia 16 de setembro de 2004 entre o ex-ministro Eduardo Campos e o então prefeito da cidade, Guilherme Bassedas (PP).
“Vale lembrar que Santana do Livramento integra a agenda de compromisso do governo federal no Programa de Desenvolvimento da Faixa de Fronteira. Participam desse programa 22 ministérios, entre eles o MCT, que têm como obrigação organizar, estruturar ou dinamizar arranjos produtivos locais. Os convênios foram priorizados devido a esta agenda de compromissos”, diz a assessoria de comunicação do MCT.
Numa consulta ao Sistema Integrado de Administração do Governo Federal (Siafi), o Congresso em Foco só encontrou dois municípios gaúchos contemplados diretamente com recursos do MCT desde 1996, data de implantação do sistema. Além de Santana do Livramente, houve uma liberação de R$ 50 mil para Quaraí, destinada à implantação de um centro de inclusão digital nos mesmo moldes do de Santana do Livramento.
Em Caxias, cidade-pólo no Rio Grande do Sul e muito mais populosa do que Santana do Livramento, o valor de dois convênios somados para o mesmo objetivo é de R$ 500 mil. Junto com a vizinha uruguaia Rivera, Livramento tem uma população de aproximadamente 200 mil habitantes. Caxias tem 770.865 habitantes.
O Congresso em Foco apurou ainda que outros municípios incluídos nesse mesmo programa não receberam nenhum tostão do MCT. Numa pesquisa no Siafi, verificou-se que cidades na linha de fronteira como Foz do Iguaçu, Barracão e Santa Helena, todas no Paraná, não receberam nenhum convênio na área de arranjos produtivos locais do ministério.
O mesmo foi possível confirmar em municípios de fronteira de Santa Catarina. Dionísio Cerqueira, Itapiranga e Bandeirante também não receberam apoio nessa área do MCT. A cidade de Quaraí (RS), que faz divisa com a cidade uruguaia de Artigas e também foi incluída no projeto do governo federal, foi outra que não recebeu projetos nessa área, mas apenas os R$ 50 mil para um projeto de inclusão digital já citados anteriormente.
Uso eleitoral
Enquanto apurava esta reportagem, o Congresso em Foco recebeu e-mail de um servidor de carreira lotado no MCT. Disparado no dia 5 de julho deste ano por um ex-assessor do então secretário de Inclusão Social, o deputado federal eleito Rodrigo Rollemberg (PSB-DF), a mensagem era um convite para a inauguração do comitê de campanha de Rollemberg na capital federal. Ela foi endereçada a todos os servidores do ministério, usuários da rede interna, chamada de RCT.
A transcrição da mensagem e o cabeçalho é a seguinte, incluindo os erros de digitação:
“Mensagem original
De: Rodrigo Roll
Enviada em: quarta-feira, 5 de julho de 2006 16:10
Para: Todos Usuários da RCT
Assunto: Convite
Danilo,
Não pode sair de maneira nenhuma alguma referência ao MCT.
Estou falnado isso porque tô vendo que é um mail com extensão do mct.
Muito cuidado.
Bita.”
Fábio Gusmão, o Bita, falecido pouco depois da data de envio da mensagem, era assessor de Rodrigo Rollemberg no MCT. Danilo é Danilo Mello, um funcionário terceirizado que ainda trabalha no setor de informática do ministério. Ou seja, Bita reencaminhou para todos os servidores do ministério a mensagem de Rodrigo. Em anexo, o convite para a inauguração do comitê.
“Tem que perguntar essas coisas para as pessoas que mandaram essa mensagem. Eu não tenho nenhuma responsabilidade sobre isso”, reagiu Rollemberg no primeiro momento em que foi questionado sobre o assunto, quando ainda concorria à vaga de deputado. A assessoria de imprensa do deputado eleito respondeu ao Congresso em Foco por meio de texto no qual diz não haver “qualquer teor” que o comprometa (leia a íntegra).
A assessoria de imprensa do MCT também alega que não houve uso da máquina, já que o e-mail foi disparado de um e-mail pessoal do candidato Rollemberg. Leia a íntegra da manifestação do ministério a esse respeito:
“Danilo Barbosa Melo trabalha desde o dia 2 de maio de 2003 na empresa G&P, que presta serviço ao Ministério da Ciência e Tecnologia na área de informática, sempre sob a coordenação do sr. Paulo Sérgio Bonfim – coordenador-geral de Gestão de Tecnologia e Informação (CGTI) do MCT. Portanto, a afirmação de que ele seria indicado pelo ex-secretário de Inclusão Social Rodrigo Rollemberg não procede, como também não procede a informação de que ele é lotado na referida secretaria. Fábio Gusmão é o Bita, falecido há três meses e ex-assessor do então secretário Rodrigo Rollemberg. Fábio era militante do PSB e Danilo é militante do PSB.
Como pode ser observado, a mensagem abaixo é proveniente do e-mail pessoal do Rodrigo Rollemberg, que deixou a secretaria no tempo requerido pelo TSE para concorrer ao cargo de deputado federal. Portanto, está claro que não houve uso da máquina. Está claro, também, que a mensagem deveria ter sido enviada apenas para o sr. Danilo, mas que por erro foi enviada para uma lista aberta com o nome dos usuários do MCT. Essa lista, agora, permanece fechada e a mensagem foi bloqueada assim que foi detectada pela CGTI. Não foram todos os usuários que receberam.”
Fernando Amaral, especialista em direito eleitoral e integrante do Instituto de Direito Político e Eleitoral (IDPE), acredita que o caso merece uma investigação mais aprofundada por parte do Ministério Público Eleitoral, já que existem indícios de benefício ao candidato. “Está caracterizado que o acesso à lista de usuários do ministério só foi conseguida porque as pessoas envolvidas na troca do e-mails eram funcionários na época ou licenciados para a campanha”, explica Amaral.
O especialista adverte que a lei eleitoral ainda é muito vaga com relação ao uso de mensagens eletrônicas e listas de e-mails. Mas de qualquer maneira, diz Amaral, o artigo 73 da lei 9.504/97 proíbe esse tipo de conduta. “É preciso uma apuração para saber se o equívoco alegado aconteceu outras vezes. E saber se o candidato em questão autorizou o envio dessa mensagem ou de outras semelhantes, já que foi enviado a partir do seu e-mail pessoal”, diz.
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