Ag. Câmara
Às 22h29 de 21 de abril de 1985, Dia de Tiradentes e aniversário de Brasília, o Brasil parava para ouvir, pela TV e pelo rádio, a notícia que provocaria uma das maiores mostras de comoção popular da história do país: a morte do então presidente eleito Tancredo de Almeida Neves (foto), o primeiro civil a chegar ao Palácio do Planalto após 21 anos de ditadura militar.
Era o fim de uma agonia que se estendera pelos 38 dias de internação e pelas sete cirurgias enfrentadas pelo presidente, e o início de um novo período de incertezas. A dramaticidade gerada pela doença e pela morte de Tancredo foi captada, na época, pelo hoje deputado Fernando Gabeira (PV-RJ), jornalista, escritor e um dos símbolos da militância de esquerda durante a ditadura militar.
Gabeira produziu três documentários sobre o assunto para série Vídeo-Cartas, exibida na época pela TV Bandeirantes e cujos vídeos podem ser acessados hoje no principal site de compartilhamento de vídeos, o Youtube.
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Doença e morte
Dias após a internação de Tancredo, em 14 de março, véspera da posse presidencial, Gabeira produziu um programa sobre as doenças dos presidentes (clique aqui). Nele, com bom-humor, o jornalista mostra como a diverticulite (inflamação que se manifesta basicamente no intestino grosso), que abateria o político mineiro, havia entrado, de uma hora para outra, para o vocabulário do brasileiro.
No dia 24 de abril de 1985, Gabeira e equipe retrataram como a histórica cidade de São João del-Rei havia se comovido com o enterro de seu filho mais ilustre no documentário O enterro de Tancredo (acesse aqui). “Achava que aquele era um momento importante. Fui para fazer uma crônica da recepção do corpo pela cidade do presidente”, conta Gabeira ao Congresso em Foco.
As lições do coveiro
A comoção popular com a tragédia de Tancredo renderia ainda outro documentário: A morte (clique aqui). No pequeno vídeo, são realçadas as diferenças culturais entre ocidentais e orientais no modo de encarar o inevitável.
São destacadas, sobretudo, as lições deixadas por Aureliano, o coveiro que, ao enterrar Tancredo, converteu-se, ainda que por quinze minutos, no símbolo das esperanças do país. “Durante 15 minutos, o coveiro manteve o presidente e todo o seu ministério atentos ao seu trabalho. E isso em um país em que há um grande desprezo aos ofícios manuais”, diz Gabeira.
Naquela época, com o país vivendo um período de grande esperança quanto ao futuro – com a eleição, mesma que indireta, do primeiro presidente civil desde 1964 e a redemocratização depois de 21 anos de regime militar – a morte de Tancredo foi um choque para a população, que chegou a temer um retrocesso no processo democrático. Despertou, acima de tudo, um sentimento de orfandade poucas vezes observado no país.
Os temores, contudo, não se concretizaram. O vice-presidente José Sarney, alçado à condição de titular, concluiria o mandato e passaria a faixa presidencial, em 1990, ao seu sucessor, Fernando Collor de Mello, o primeiro presidente eleito do país após o regime militar.
O enterro da política
Passados 22 anos do episódio e do restabelecimento da democracia no país, Gabeira avalia que o processo democrático, em todo o continente, “prometeu mais do que cumpriu”. “Há uma decepção em todos esses países [da América Latina], o que mostra, por exemplo, uma guinada à esquerda em lugares como Venezuela, Bolívia e Equador”, diz.
Segundo o deputado, “há atualmente um desinteresse generalizado pela política, pois ela não consegue mais ser a portadora de certos anseios”. Para o parlamentar, esses anseios estão sendo contemplados por organizações não-governamentais e até pela vida profissional das pessoas. “O grande problema hoje no Brasil é que os grupos políticos não aceitam ser oposição, não há mais o contraditório do jogo político”, explica.
Matéria publicada em 21/04/2007. Última atualização em 25/04/2007.
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