Eduardo Militão
Movimentar dinheiro vivo país afora é hábito da Gautama, empresa com faturamento de R$ 100 milhões anuais e obras em vários cantos do país, envolvida no escândalo da Operação Navalha. Acusada pela Polícia Federal de comandar a máfia das obras, a empreiteira enviou pelo menos R$ 440 mil em espécie para Brasília – valor que serviu para pagar propinas, de acordo com as investigações policiais.
O habitual transporte de grandes valores fora do sistema bancário é considerado “anormal” pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), órgão de combate à lavagem de dinheiro. “Não há nenhuma restrição, mas que não é normal, não é”, disse o presidente do Coaf, Antônio Gustavo Rodrigues, ao Congresso em Foco.
Atualmente, lembra ele, os bancos dispõem de meios eletrônicos para envio de grandes valores, como os DOCs e as TEDs, documentos de crédito e transferências eletrônicas disponíveis, respectivamente.
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Procurado pela reportagem, o advogado da Gautama diz que não há nada de anormal no transporte de dinheiro vivo e que o transporte dos recursos em malotes é uma opção logística da empresa, já que suas obras ficam em “lugares ermos” do país.
Mas, de acordo com o presidente do Coaf, o órgão já havia detectado uma movimentação financeira atípica da ordem de R$ 170 milhões de 45 pessoas acusadas de envolvimento com a máfia das obras públicas apenas entre 2004 e 2006.
Essas informações, reunidas em cinco relatórios, auxiliaram a PF a identificar as contas bancárias dos suspeitos e a Justiça a decretar o bloqueio dos recursos nelas depositados.
Gustavo Rodrigues ressalva, no entanto, que a simples movimentação atípica não significa que houve lavagem de dinheiro. Por isso, o Coaf encaminhou os dados à PF para que a apuração pudesse ser feita. O órgão, vinculado ao Ministério da Fazenda, continua trabalhando na pesquisa de novos nomes de pessoas envolvidas na Operação Navalha.
Propina
Em 21 de março deste ano, a empresa mandou R$ 440 mil para Brasília, segundo depoimento do gerente financeiro da empresa, Gil Jacó de Carvalho Santos, à ministra do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Eliana Calmon. De acordo com o inquérito policial, R$ 240 mil eram para o governador do Maranhão, Jackson Lago (PDT), e R$ 200 mil para o prefeito de Sinop (MT), Jair Pessine (PSDB).
O dinheiro foi transportado pelo gerente administrativo, Florêncio Vieira, a bordo de um avião de carreira, que partiu de Salvador. À ministra Eliana Calmon, ele disse fazer os saques com cheque da empresa como “adiantamento de obra” e “sem nota fiscal”, para depois deixá-los no escritório de destino.
Essa não foi a única vez que a Gautama transportou grandes valores em espécie. Segundo Gil, a empresa fazia pagamentos em cash a alguns dos fornecedores das obras. A transação atendia pelo curioso nome de TDO, “transferência de dinheiro para a obra”, contou o tesoureiro da empreiteira. Era o próprio dono da empresa, Zuleido Soares Veras, que coordenava esse tipo de operação. Mesmo acostumado a transportar o dinheiro, Florêncio disse, em seu depoimento, não saber o que era TDO.
Confrontado com escutas telefônicas feitas quando a Gautama negociava a adutora do Rio São Francisco, em Sergipe, no ano passado, Gil admitiu ao STJ ter enviado para uma obra R$ 100 mil, por meio de Florêncio. O recurso, declarou, foi transportado de carro no início de agosto. Para a Polícia Federal, o dinheiro tinha destino certo. Juntamente com outros R$ 300 mil, (que Gil não sabe se foram entregues em espécie), foi parar nas mãos de João Alves Neto, filho do ex-governador do estado, João Alves Filho (DEM), de acordo com o inquérito.
Em 30 de agosto do ano passado, Gil mandou R$ 600 mil para uma obra por meio de Humberto Rios de Oliveira, assistente financeiro da empresa. O dinheiro foi levado de Salvador até Aracaju de carro. Humberto chegou a ser parado numa batida policial, mas foi liberado depois. Mais uma vez, o dinheiro foi parar nas mãos de João Alves Neto, segundo a PF. Em depoimento ao STJ, Humberto disse que “parece” que repassou os valores a um funcionário da Gautama chamado Ricardo Magalhães.
Em 27 de fevereiro deste ano, o assistente financeiro entregou pacotes – numa via pública –, ao conselheiro do Tribunal de Contas de Sergipe Flávio Conceição de Oliveira Neto, segundo a PF. De acordo com o depoimento de Humberto à Justiça, foram “três ou quatro envelopes“ deixados dentro do porta-malas do carro de Flávio Conceição. Para a PF, era dinheiro de propina.
Humberto disse ao STJ que, para fazer os diversos traslados com dinheiro, eram sacados entre R$ 30 mil e R$ 60 mil duas ou três vezes por mês. Ele afirmou que nunca foi alertado sobre o perigo de transportar esses valores.
Lugares ermos
O advogado da Gautama, Luiz Fernando Pacheco, disse que a movimentação freqüente de grandes valores em espécie é normal e atende às peculiaridades da empresa. De acordo com ele, a empreiteira tem obras pelo Brasil em “lugares ermos” e “distantes das cidades”, onde não há sistema bancário.
Questionado pela reportagem se Brasília, um dos destinos dos valores, seria um local “ermo”, Pacheco disse que a movimentação se fazia necessária porque o dinheiro não ficava na capital federal. De acordo com ele, as cidades próximas dos locais onde eram realizadas as obras da Gautama não estavam “preparadas” para dispor de grandes quantias de forma imediata. “Isso é tão óbvio”, afirmou.
Para o representante da Gautama, não se sustenta a acusação da PF de que o dinheiro era para o pagamento de propina. “É uma polícia preconceituosa. Desafio a PF a mostrar uma prova sequer de corrupção e fraude em licitações.”
Pacheco também negou que a metodologia de transporte de valores da empreiteira seja insegura. “É uma questão de logística. Não tenho notícia de nenhum roubo. A empresa age da forma que bem entende”, disse. O advogado da empreiteira acrescentou que a Gautama está à disposição do Coaf para qualquer apuração de movimentações que forem consideradas atípicas.
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