Sylvio Costa |
Ele não tem provas a oferecer senão o seu testemunho. Sua biografia cobre de suspeita cada um de seus gestos ou palavras. É movido por um propósito claro: lançado na fogueira de acusações malcheirosas, aceita a incineração a céu aberto desde que leve junto outros assaltantes da fé coletiva. Réu, quer passar por vítima. Assumido praticante de maus hábitos políticos, cobra ética e moralidade. Tem mais. Ferido pelas reportagens que o apontaram como comandante da corrupção nos Correios e no IRB, ousa distribuir sopapos entre alguns dos mais influentes veículos da imprensa brasileira. Naturalmente, recebe o troco. Por tudo isso, Roberto Jefferson é um alvo relativamente fácil de se desqualificar. Pra piorar, além de não apresentar provas, frustrou quem esperava novas revelações do seu depoimento no Conselho de Ética da Câmara. Sinais que explicariam o fechamento otimista do mercado financeiro ontem (terça, 14). Publicidade
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Sinais desencontrados. O depoimento foi impecável. Se não trouxe denúncias novas, Jefferson apresentou detalhes que deram maior consistência ao caso do mensalão. Pela segurança, tranqüilidade, firmeza nas afirmações, demonstrou mais que excelentes dons de oratória e capacidade de comunicação. Deixou a certeza de que não é apenas um ator em ação. Que conheceu por dentro a engrenagem de favores e negócios ilícitos alimentada pelo governo Lula para manter a fidelidade dos partidos aliados no Congresso. Mostrou que viu, estava lá, conviveu com os métodos que agora denuncia. PublicidadeNo enfrentamento com dois deputados que aponta como beneficiários do mensalão, ocorrido aliás após o fechamento do mercado, levou nitidamente a melhor. Foi bastante convincente ao sustentar a acusação, como gosta de dizer, “olho no olho”. Showman, Jefferson salpica sua história com gotas de ópera, gestos marcantes, ironia precisa e palavras que trazem à tona um vocabulário político peculiar. Na narrativa de um dos encontros com o tesoureiro do PT para tratar do financiamento dos candidatos do PTB nas eleições municipais de 2004, a expressão “desencravar unha” ganhou novo sentido. "Atendi Delúbio na minha casa”, relatou. “Delúbio disse que queria desencravar uma unha". “Repasse” seria a grana entregue aos líderes do PL e do PP para distribuição às suas respectivas bancadas. O próprio “mensalão” é um achado. E há as frases de efeito e as manifestações verbais de grande intimidade com os esquemas que descreve. "Eu disse que o escândalo ia pipocar. Eu só destampei o caldeirão". "Não vi mensalão nem no governo do escorraçado (Collor)". “Será que estou falando num convento de virgens? Só eu sabia do mensalão?" "Não sou melhor que ninguém. Sou igual". Bobagem imaginar que o governo passou pelo pior e a conta da crise foi, vamos dizer, “repassada” ao Congresso e seus deputados. Se Delúbio, que pode depor em breve no Conselho de Ética, repetir a performance da entrevista coletiva da semana passada, PT e governo não ficarão nada bem. Sem que falar que a CPI dos Correios, que também deverá investigar o mensalão, sequer começou a funcionar e já aparecem novas testemunhas – como a deputada Raquel Teixeira (PSDB-GO) e Fernanda Karina Ramos Somaggio, ex-secretária da agência de publicidade SMP&B. Pelas possibilidades de investigação que abriu, o saldo do seu depoimento, portanto, é mais encrenca para o governo. Ao contrário do que concluíram apressadamente alguns, o show está longe de terminar. O espetáculo pode ser mais triste se o presidente Lula se mantiver na situação atual. Incapaz de afastar do PT, no mínimo mantendo-os longe enquanto os fatos não são esclarecidos, os dirigentes acusados de comandar o mensalão: o presidente Genoino, Delúbio e Sílvio Pereira. Convivendo no Palácio do Planalto com um ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, profundamente desgastado. E trazendo preocupação pela sua insistência em avisar ao mundo que não está nem aí para o balaio-de-gatos em que está metido. Ignorar um problema, como se sabe, pode ser a maneira mais fácil de agravá-lo.
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