Rafaela Céo
Nos últimos 13 meses, pouca gente acompanhou tão atentamente o noticiário da crise política quanto o jornalista Nelson de Sá. À frente da coluna Toda Mídia, da Folha de S. Paulo, ele aborda, de forma crítica e direta, o espaço e o tratamento dados pelos principais veículos da internet, da TV e do rádio aos assuntos do dia. Mensalão, dólar na cueca, malas de dinheiro, valerioduto, Jeane Mary Córner, tudo o que alimentou a crise política serviu de matéria-prima nesse período para a sua coluna, publicada diariamente no caderno Brasil da Folha.
Mesmo com a experiência de quem cobre a mídia há anos, Nelson de Sá ainda demonstra surpresa com o impacto da internet na crise política que sacudiu o governo Lula. Na avaliação dele, apesar de não ter feito grandes revelações, a cobertura online amplificou os escândalos e influenciou diretamente o ritmo nervoso do noticiário das demais mídias.
"A maior parte das grandes revelações foi dada nos jornais e nas revistas. Mas a internet deu vida à cobertura. Falando dos sites, o ponto positivo foi o tempo para dar a notícia, o tempo real. Todo mundo hoje trabalha com o computador ligado. O que houve foi uma crise em tempo real", afirma.
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Uma crise nem sempre bem coberta, segundo o colunista da Folha. Nesta entrevista exclusiva ao Congresso em Foco, Nelson critica uma espécie de miopia da cobertura política feita a partir de Brasília. Fragilidade essa, segundo ele, no noticiário dos ataques que aterrorizaram São Paulo no mês passado. "As coisas que acontecem aqui em São Paulo não correm em torno de Brasília. Mas a corte é muito autocentrada. Aí se chega à conclusão de que a coisa mais importante de toda a crise em São Paulo é uma fita comprada. A política de segurança de São Paulo não pode ser tratada como se fosse parte dos corredores do Congresso. O Congresso é muito menor", critica.
O colunista também dispara contra um dos "fenômenos" que se consolidaram com a crise: os blogs políticos. "No online tudo, de uma hora para outra, se transforma em algo muito impactante, sem ouvir o outro lado, por exemplo. A exigência de ouvir o outro lado simplesmente não existe na blogosfera".
Na avaliação do jornalista, os blogs feitos na capital federal tendem a perder a importância que conquistaram ao longo da crise. "Falando sobre a campanha eleitoral, o que pode vir a acontecer é, talvez, a exclusão do universo da blogosfera como existe hoje. As correntes de e-mail, os sites de partido, e dentro desses sites, alguns blogs específicos, é que vão ter algum sentido", acredita. "Sei que existe em Brasília um fascínio pelos blogs. Mas toda moda passa", completa.
Há 20 anos na Folha, Nelson de Sá foi redator, editorialista, correspondente-bolsista em Nova York, editor-assistente de Brasil e de Mundo, secretário-assistente de Redação, repórter especial, crítico de teatro e editor da Ilustrada. Antes de assumir Toda Mídia, ele assinava a coluna No Ar sobre o jornalismo do rádio e da televisão. Veja a íntegra da entrevista:
Congresso em Foco – A cobertura online amplificou a crise política?
Nelson de Sá – A gente sentiu pela primeira vez agora o impacto da internet na crise de Brasília. Em nenhum outro momento a internet participou tanto da cobertura. Além dos sites jornalísticos, os blogs repercutiram bastante a crise do mensalão. Muitos deles nasceram durante a crise. Mas esse foi um fenômeno especialmente de Brasília. Mas não sei até que ponto os blogs de Brasília e os sites com cobertura muito concentrada na capital conseguirão o mesmo impacto na cobertura de casos como os ataques do PCC, aqui em São Paulo, uma crise fora da corte.
De que forma a cobertura online influenciou as outras mídias?
Houve um impacto muito grande principalmente em relação aos telejornais, rádios e canais de televisão. A blogosfera – como se fala no exterior -, especialmente a de Brasília, não tem o mesmo apego às regras que fazem o jornalismo tradicional agir mais lentamente. No online, tudo, de uma hora para outra, se transforma em algo muito impactante, sem ouvir o outro lado, por exemplo. A exigência de ouvir o outro lado simplesmente não existe na blogosfera.
Quais são as características dessa blogosfera?
Como é muito individual, o blog publica a visão do indivíduo que está fazendo aquilo (o editor), que não tem que dar o outro lado. Aqui no Brasil, os blogs são aceitos como parte do jornalismo tradicional e, na verdade, eles são uma manifestação da própria cultura de Brasília, mais do que realmente uma manifestação do mundo da internet. O caso do PCC foi muito claro disso. A cobertura da blogosfera de Brasília tratou como o fato mais importante de toda a história a ação de dois advogados (acusados de terem comprado um depoimento reservado da CPI do Tráfico de Armas). As pessoas precisam vir para São Paulo para entender o que é. Não tem o menor cabimento. As coisas que acontecem aqui em São Paulo não correm em torno de Brasília. Mas a corte é muito autocentrada. Aí se chega à conclusão de que a coisa mais importante de toda a crise em São Paulo é uma fita comprada. A política de segurança de São Paulo não pode ser tratada como se fosse parte dos corredores do Congresso. O Congresso é muito menor.
Qual a sua avaliação da cobertura da crise política pelos sites de notícias?
Os sites tiveram um trabalho mais diferenciado, mas eles foram muito influenciados por esse grande impacto da blogosfera, durante esse um ano de crise do mensalão. Os sites estão começando a acordar.
E como a participação dos leitores de sites e blogs influenciou a cobertura e o próprio processo político?
A participação dos leitores é parte essencial da própria internet. Mas atento para o fato de que o mundo que está para acontecer é mais importante do que esse que passou. E falando sobre a campanha eleitoral, o que pode vir a acontecer é, talvez, a exclusão do universo da blogosfera como existe hoje. As correntes de e-mail, os sites de partido, e dentro desses sites, alguns blogs específicos, é que vão ter algum sentido.
A cobertura da internet influenciou os desdobramentos da crise política?
Da mesma maneira que a TV Câmara, a Globo News e a Band News tiveram seu impacto, como também os sites e os blogs de Brasília. Até alguns anos atrás, a gente não tinha Globo News, nem Band News. Há quinze anos aqui no Brasil, a gente não sabia nem o que era a CNN. A gente não tinha CBN. Há vários mecanismos que vão entrando sucessivamente na cobertura e instrumentos diferentes. O blog é um deles. Sei que existe em Brasília um fascínio pelos blogs. Mas toda moda passa.
Quais foram os pecados da cobertura online da crise?
A internet é o grande pecado, e estou falando dos sites e blogs. O grande pecado é o desregramento.
E os pontos positivos?
A maior parte das grandes revelações foi dada nos jornais e revistas. Mas a internet deu vida à cobertura. Falando dos sites, o ponto positivo foi o tempo para dar a notícia, o tempo real. Todo mundo hoje trabalha com o computador ligado. Os jornalistas, parlamentares, engenheiros, funcionários públicos, todos trabalham com o computador ligado praticamente o tempo todo. O que houve foi uma crise em tempo real. Além das transmissões intermináveis dos canais de notícia e das rádios, também houve a internet em tempo real. E cada um com seu impacto. O impacto da televisão é mais emocional, por conta da imagem. O rádio se aproxima da televisão, sem tanta força emocional. A internet é mais persistente, no sentido de que o que foi falado está disponível por mais tempo.
A cobertura da crise amadureceu o trabalho feito na internet?
A crise amadureceu a corte brasiliense. É uma coisa centrada em Brasília e transferida para o resto. Não acho que se possa falar do amadurecimento e do mesmo impacto para a cobertura da eleição de São Paulo, Rio ou Minas. A internet é muito ampla. Não faz sentido se concentrar no trabalho de alguns blogs de Brasília para imaginar que isso reflita o desenvolvimento da internet como um todo. Numa eleição nacional – com eleições nos estados para governador – a tendência é que Brasília tenha que aprender a ter um pouco de humildade.