Nas cleptocracias (regadas com as benesses da impunidade) não é comum, mas de vez em quando a casa cai (the house is down).
Como aconteceu no discurso em que anunciou a renúncia, nos últimos dias alguns amigos de Cunha o têm flagrado chorando, sobretudo quando fala com sua mulher e sua filha.
Ambas já estão na jurisdição de Curitiba, para onde caminha inexoravelmente Eduardo Cunha. A primeira já foi incriminada por lavagem de dinheiro – e, se houvesse, o crime seria de luxúria, com alta possibilidade de encarceramento em regime fechado.
Cunha, seguramente, terá o mesmo destino (pela quantidade de delitos e de provas já divulgados).
A corrupção cleptocrata dura muitos anos e, muitas vezes, séculos (a nossa, brasileira, já tem 200 anos e foi precedida de outra, a portuguesa, que durou três séculos).
O corrupto, ao contrário, é passageiro (tem prazo certo para se acabar, tem prazo de validade para se exterminar). Ele é mais passageiro que os corruptores (grandes empresários ou banqueiros), visto que esses têm sucessores (enquanto aqueles normalmente não conseguem passar suas relações promíscuas aos herdeiros).
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Toda grande perda nos faz chorar (tanto quanto as grandes alegrias). O choro das perdas significa dor, derrota e fraqueza. Significa pedido de ajuda e surgiu há 50 mil anos. No caso do Cunha, o choro tem sua razão de ser.
Trocar os passeios grandiloquentemente telúricos da Avenue des Champs-Élysées, com seus cinemas, comidas, casas de shows, lojas requintadas e luxuosas e suas belíssimas árvores de castanheiros-da-índia, pelos corredores dos insossos presídios brasileiros significa sim um grande estrago na qualidade de vida.
Para se ter uma ideia da mudança, colocar os pés dentro da cela de um presídio brasileiro já implica de 30 a 40 anos a menos na expectativa de vida. Isso não é brincadeira.
Quem sai do consumo faustoso, pago com dinheiro alheio, e vai para as profundezas do inferno de Dante tem uma grande prejuízo. Nem sequer os lenços da Louis Vuitton são boas companhias nessas horas.
A renúncia a um cargo público nos países cleptocratas (como é o caso do Brasil) tem maior significado, porque não é apenas o fim do poder, sim, o fim de todas as possibilidades de enriquecimento que um cargo renomado oferece nesses países de corrupção sistêmica.
Não se trata tão-somente do dinheiro líquido vertido em acumulação de patrimônio guardado em contas secretas na Suíça (porque disso os empresários corruptores brasileiros também desfrutam).
Mais: nos países cleptocratas os cargos mais relevantes significam sultânicas mordomias, reconhecimento público (muita gente já tinha Cunha como o próximo presidente da República), bajulações, dezenas de funcionários à disposição, uso de aviões da FAB, mansões equivalentes aos castelos top do Vale de Loire, um orçamento público de bilhões para manobrar, força para coagir ou influenciar, poder de surrupiar e de chantagear e por aí vai.
Quem perde tudo isso da noite para o dia costuma mesmo chorar. E não se trata do choro da boa comunicação, que os políticos sabem fazer (Clinton, por exemplo; Obama, menos assiduamente). Não é isso. O choro é de dor, de derrota, de frustração e de fraqueza.
É o choro da perda do poder num país cleptocrata de corrupção sistêmica que permeia as elites econômicas assim como as oligarquias políticas dominantes. Um choro que pode simbolizar o fim da jesus.com. Com todos os seus carros, os mais requintados do mercado.
O cleptocrata não chora, evidentemente, pela porca escolarização da população, pela falta de hospitais e de remédios, pela esquálida infraestrutura do país, pelo atraso dos salários, pela falta de segurança e de Justiça, pelo transporte indecente etc.
Não há sensibilidade para isso. O lado humano dos cleptocratas raramente nota faltas, ausências, carências, sofrimentos, dores, angústias, fome. Não é o seu mundo.
Às vezes eles choram por falta de tornozeleira. Mas suas lágrimas não chegam a rolar pelas carências da população que padece grandes sofrimentos gerados pelo sistema de governo cleptocrata.
Morto o poder do corruptor (um grande empresário, normalmente) ou do corrompido (um político, por exemplo), fica extinta a possibilidade de roubar (sugar) o dinheiro público. Isso é deveras desesperante.
Muitos dos envolvidos na Lava Jato não aprenderam a fazer outra coisa na vida: só sabem sugar, mamar nos bens públicos. Não têm a mínima ideia do que é capitalismo competitivo, luta pela sobrevivência e meritocracia.
O terrível é que, com o tempo, a corrupção cleptocrata cria uma espécie de cleptodependência (como as drogas).
A renúncia de Cunha à presidência da Câmara significa tudo isso: perda do poder e expulsão do seletíssimo clube da cleptocracia brasileira, composta da pequena elite econômica e da oligarquia política que dominam os rumos do país (sempre pensando nos interesses deles).
No último dia 6, Temer perdeu a primeira votação na Câmara. Seu patrimônio político não pode ruir (porque o econômico não poderá fazer nada rapidamente; está travado, aguardando o impeachment e as eleições de outubro).
A mídia cleptodependente não está explorando a primeira derrota do interino Temer (isso poderia desestabilizá-lo mais ainda). Mas foi isso que precipitou a renúncia de Cunha (a Câmara está completamente desgovernada). E o processo de impeachment não acabou. Deu desespero. A Câmara precisa de novo presidente. E, claro, cassar o mandato de Cunha (eu espero).
A pergunta final, depois de tudo isso, é a seguinte: será que realmente vale a pena ser um corrupto na vida? Será que vale para seus filhos e filhas serem filhos e filhas de um corrupto?
Vale a pena construir uma sociedade com mais de 200 milhões de habitantes, deteriorada e esculhambada porque fundada em pilares tão frágeis como o do extrativismo, parasitismo, corrupção e patrimonialismo?
Eu penso que a vida é muito curta para se viver num país kleptocrata totalmente injusto e cruel. Mas se não queremos sair do Brasil, só nos resta mudá-lo.
Cunha tem muitos motivos para chorar e espero que chore bastante, mas longe das câmeras. Esse pranto público pareceu-me mais lágrimas de crocodilo…