Sorteado relator da Operação Lava Jato depois da morte de Teori Zavascki, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin acatou pedido do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, e determinou abertura de inquérito para investigar três dos principais caciques do PMDB nos últimos anos – os senadores Renan Calheiros (PMDB-AL) e Romero Jucá (PMDB-RR), além do ex-presidente da República e do Senado José Sarney (PMDB-AP). Ex-presidente da Transpetro e homem do partido na subsidiária da Petrobras, Sérgio Machado também será investigado.
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Trata-se do primeiro inquérito do petrolão avalizado pelo novo relator. Os peemedebistas citados no pedido de Janot são suspeitos de tentar obstruir as investigações. O principal elemento da denúncia foi a divulgação de áudios, em maio do ano passado, em que os quatro discutem assuntos como os rumos da Lava Jato e o impeachment de Dilma Rousseff – destacaram-se na ocasião as expressões usadas por Jucá, que deixou o Planejamento devido à repercussão do caso: ao comentar o que chamou de amplo acordo nacional, “com o STF, com tudo”, o peemedebista disse que derrubar a presidente seria um trunfo que “estanca a sangria” de políticos alvos da Justiça.
Por meio da petição encaminhada a Fachin, Rodrigo Janot faz anotações sobre o teor dos diálogos e se diz chocado com o que ouviu. “É chocante, nesse sentido, ouvir o senador Romero Jucá admitir, a certa altura, que é crucial ‘cortar as asas’ da Justiça e do Ministério Público, aduzindo [dando a entender] que a solução para isso seria a Assembleia Constituinte que ele e seu grupo político estão planejando para 2018”, escreve o procurador-geral.
Janot também faz menção a outro trecho das conversas, que foram gravadas por Machado sob orientação da força-tarefa da Lava Jato, como procedimento pré-delação premiada. A gravação dos diálogos sinaliza que os peemedebistas caíram na armadilha. No diálogo em questão, Renan Calheiros diz a Sérgio Machado que atuou para impedir a recondução de Janot ao comando do Ministério Público Federal, onde já exerce o segundo mandato, e chega a chamar o procurador-geral de “mau caráter”.
Também sem saber que era alvo de gravação sigilosa, Sarney menciona a necessidade de aproximação do núcleo peemedebista com o então relator da Lava Jato, Teori Zavaschi, morto na queda de um avião no litoral fluminense em 19 de janeiro. Em outra gravação, Renan sugere mudança na legislação para impedir que presos façam delação premiada – esse mecanismo é a base da Lava Jato. Em outro ponto da conversa com Machado, Sarney sugeriu a escalação de dois advogados — Cesar Asfor Rocha, ex-presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), e Eduardo Ferrão — para uma conversa com Teori a fim de evitar uma eventual prisão de Machado.
“’Há elementos concretos de atuação concertada entre parlamentares, com uso institucional desviado, em descompasso com o interesse público e social, nitidamente para favorecimento dos mais diversos integrantes da organização criminosa”, sentencia Janot, na petição acatada por Fachin.
Em depoimentos de sua delação premiada, Sérgio Machado disse ter distribuído R$ 70 milhões em propina para Renan, Sarney e Jucá, entre outros integrantes da cúpula peemedebista nos 12 anos em que esteve à frente da subsidiária da Petrobras. Devido às conversas gravadas e ao teor da colaboração judicial de Mahado, Janot chegou a pedir a prisão dos três peemedebistas – no caso de Sarney, por causa da idade (86 anos), Janot sugeriu o uso de tornozeleira eletrônica. Em 14 de junho do ano passado, o próprio Teori negou o pedido de prisão.
Com a decisão do ministro-relator, Renan Calheiros, que já é réu em uma ação penal no STF, passa a responder a 12 inquéritos no Supremo, nove dos quais referentes à Lava Jato. Já Jucá, líder do governo Temer no Congresso, também coleciona complicações na Justiça, como este site mostrou em 17 de novembro, dia em que foi confirmado no posto: é alvo de oito inquéritos no STF, três deles também no âmbito da Lava Jato. Por sua vez, Sérgio Machado passa a ser investigado em dois inquéritos no petrolão, enquanto Sarney responde a um inquérito, com o que foi autorizado por Fachin hoje (quinta, 9).
Defesas
Confrontados com a denúncia, os políticos negam ter cometido qualquer crime ao tratar de assuntos da política nacional. Já Sérgio Machado se esquiva de dar mais explicações e diz que, por ter firmado acordo de delação premiada, não poderá comentar os desdobramentos desse processo.
“O senador Renan Calheiro reafirma que não fez nenhum ato para dificultar ou embaraçar qualquer investigação, já que é um defensor da independência entre os poderes. O inquérito comprovará os argumentos do senador e, sem dúvida, será arquivado por absoluta inconsistência”, diz nota divulgada à imprensa pelo líder do PMDB no Senado.Jucá foi na mesma linha de Renan para se defender. “Em relação à abertura de inquérito pedida hoje pelo ministro do STF Edson Fachin, o senador Romero Jucá nega que tenha tentado obstruir qualquer operação do Ministério Público e diz que a investigação e a quebra de sigilo do processo irão mostrar a verdade dos fatos”, registra o peemedebista, também por meio de nota.
Confissões
Em uma das conversas com o ex-presidente da Transpetro, Jucá afirma que “caiu a ficha” de líderes do PSDB sobre o potencial de danos que a Operação Lava Jato pode causar em vários partidos. “Todo mundo na bandeja para ser comido”, disse o então ministro do Planejamento, no áudio cuja transcrição foi divulgada pelo jornal Folha de S. Paulo em 23 de maio.
Nesse diálogo, Sérgio Machado, que foi líder do PSDB no Senado antes de se filiar ao PMDB, diz que “o primeiro a ser comido vai ser o Aécio [Neves, senador do PSDB por Minas Gerais]”. E ainda acrescenta: “O Aécio não tem condição, a gente sabe disso, porra. Quem que não sabe? Quem não conhece o esquema do Aécio? Eu, que participei de campanha do PSDB…”.
Machado comenta com Jucá sobre o apoio dado ao PSDB, quando Aécio presidiu a Câmara dos Deputados, entre 2001 e 2002. “O que que a gente fez junto, Romero, naquela eleição, para eleger os deputados, para ele [Aécio] ser presidente da Câmara?”, questiona.
O ex-presidente da Transpetro prossegue afirmando que “situação é grave” porque “eles”, em referência aos membros da força-tarefa da Lava Jato, “querem pegar todo mundo”. Jucá concorda. “Acabar com a classe política para ressurgir, construir uma nova casta, pura”, ironiza o peemedebista.
Sem advogado
Em outro áudio, Sarney promete a Sérgio Machado que o ajudará a evitar que seu inquérito seja transferido para a primeira instância, em Curitiba, onde as investigações sobre o esquema de corrupção na Petrobras são conduzidas pelo juiz federal Sérgio Moro – temido pelos investigados pela relativa rapidez na resolução dos julgamentos e na contundência das condenações. Mas o trabalho seria feito “sem meter advogado no meio”, ressalva o cacique peemedebista.
Na gravação, feita em março, Sarney vislumbra o futuro e manifesta preocupação com uma eventual delação premiada de Machado, o que acabou por se confirmar. “Nós temos é que fazer o nosso negócio e ver como é que está o teu advogado, até onde eles estão falando com ele em delação premiada”, diz o peemedebista. Na sequência, Machado diz que estavam em curso à época rumores de que sairia colaboração judicial, possibilidade suscitada na Procuradoria-Geral da República.