Época
O que diz a voz do povo
Pesquisa exclusiva mostra que maioria é a favor das manifestações e que há menos otimismo sobre o futuro do país do que há dois anos
A maioria da população (75%) apoia as manifestações populares que tomaram as ruas nas duas últimas semanas. Mas apenas 6% participaram dos protestos e 35% dos que não foram iriam. Esses são alguns dos resultados de uma pesquisa exclusiva da CNT e do Ibope, feita a pedido de ÉPOCA, que revelou a opinião dos brasileiros sobre os atos, sobre as atuais e futuras condições de vida no Brasil, sobre os políticos e eventos como a Copa do Mundo de 2012.
Apesar de a maior parte dos brasileiros ser a favor dos protestos, 69% se diz satisfeita com sua vida atual e tem expectativas positivas sobre o futuro do país (43%). Há, no entanto, uma deterioração das expectativas. A mesma proporção de brasileiros (43%) está menos otimista com o futuro do que há dois anos. A insatisfação com político também apareceu nos resultados. A presidente, prefeitos, vereadores, deputados e senadores receberam baixas notas de desempenho. Para51% dos que apoiam os protestos, eles trarão poucas mudanças. Mesmo assim, a maioria afirma que não há meio melhor para cobrar melhorias do que ir para as ruas.
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A pesquisa foi feita entre os dias 16 e 20 de junho em todas as regiões do Brasil (capital e interior). Foram 1008 entrevistas em 79 municípios. O intervalo de confiança estimado é de 95% e a margem de erro máxima estimada é de 3 pontos percentuais para mais ou para menos sobre os resultados encontrados no total da amostra.
O sentido da voz rouca das ruas
PublicidadeOs protestos que se sucederam em velocidade e proporções espantosas nas ruas do país deixaram um rastro de perplexidade no público – e dissolveram, como ácido, os lugares-comuns que pautavam, até então, o debate político no Brasil. Jovens apáticos e alienados? Pense duas vezes. Uma classe média de bem com a vida que leva? Nem pensar. A dimensão do que acontece nas ruas do Brasil provoca muitas incertezas, mas não deixa dúvidas de que algo vai muito mal no país. O que exatamente? ÉPOCA convidou analistas para refletir sobre as possíveis respostas a essas e outras incertezas ecoadas nas vozes das ruas. Pode-se especular sobre as causas dos protestos, mas os comentários colhidos deixam claro que o rumo dessa onda – e o futuro do país – está em aberto, à espera da próxima manifestação. E da próxima. E da seguinte…
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A disciplina no uso de armas menos letais
A utilização de armas de baixa letalidade no Brasil não é regulamentada por nenhuma lei, uma circunstância que deixa margem ao uso por vezes inadequado e, nesses casos, de difícil punição. No entanto, uma resolução firmada na terça-feira 18 pelo Conselho de Defesa da Pessoa Humana, vinculado à Secretaria de Direitos Humanos, deu o primeiro passo para começar a mudar o panorama por tantas vezes repetido na repressão a manifestantes nas últimas semanas. O documento recomenda que não devem ser usadas armas de fogo em manifestações e eventos públicos e considera que a utilização de instrumentos como spray de pimenta e balas de borracha só é aceitável quando comprovadamente necessário – para resguardar a segurança do agente policial e de terceiros ou quando há ameaças contra prédios públicos e privados, por exemplo. “Elas devem ser o último recurso”, diz o procurador federal dos Direitos do Cidadão, Aurélio Rios, relator do processo que culminou na resolução. “Não pode haver o uso genérico, banal, abusivo.” A resolução afirma ainda que armas não deverão, sob nenhuma hipótese, ser usadas contra crianças, adolescentes, gestantes, idosos e pessoas com deficiência. A medida não tem força de lei, mas o conselho instalará uma comissão para criar uma legislação sobre o uso das armas menos letais. As ações têm como objetivo estabelecer critérios claros e precisos para o uso dos recursos, dando um freio nos abusos como os observados em vários momentos das manifestações que se espalharam pelo País. “As cenas que vimos revelam um absoluto despreparo da polícia”, acredita Aurélio.
Segundo o procurador, o que norteia a postura das polícias brasileiras são regras internas, inspiradas em normas internacionais obedecidas por outras forças policiais, como a Interpol. Em muitos países, a maioria segue os parâmetros determinados pela Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte). É assim nos Estados Unidos e no Brasil.
Apesar de vocês
Nos movimentos que ganharam as ruas nos últimos dias, a imensa maioria era de manifestantes pacíficos que empunhavam cartazes com palavras de ordem e pregavam “sem violência”. Mas bandos pequenos, dispostos a promover a quebradeira e o vandalismo por onde passavam, misturaram-se a eles. Na quinta-feira 20, nem o belo Palácio do Itamaraty, em Brasília, uma das obras-primas do arquiteto Oscar Niemeyer, foi poupado. Baderneiros ocuparam as rampas, lançaram objetos contra a fachada de vidro do palácio, fizeram fogueiras, subiram na escultura meteoro, de Bruno Giorgi, e pressionaram para entrar. Quase 30 pessoas ficaram feridas. Cenas de brutalidade de minorias como essa se repetiram por todo o País. A cidade do Rio de Janeiro contabiliza os prejuízos após o protesto que reuniu 100 mil na segunda-feira 17 nas proximidades da Assembleia Legislativa. Um grupelho de mascarados alvejou a construção centenária com pedras e bombas caseiras, deixando um rastro de destruição avaliado em R$ 2 milhões. No dia seguinte, São Paulo foi alvo da ação dos vândalos e ladrões que tentaram depredar a prefeitura, picharam o prédio histórico do Theatro Municipal e saquearam lojas. Nas grandes manifestações pelo Brasil na quinta-feira 20, ônibus, agências bancárias e prédios públicos foram destruídos em várias capitais. Dezenas de pessoas foram atendidas em hospitais. Mais impactantes que as caminhadas ordeiras, as cenas de confrontos, fogo e depredação, sempre no fim de atos com tom pacífico, correram o mundo. Apesar dos arruaceiros, porém, não é essa a imagem que vai ficar dos protestos, mas sim a do repúdio dos manifestantes à minoria violenta. No centro de São Paulo, por exemplo, a ala pacífica chegou a formar um cordão humano para proteger os policiais que guardavam a prefeitura dos vândalos.
As manifestações contra o aumento das tarifas de ônibus e metrô, que começaram diminutas em São Paulo há duas semanas, ganharam impulso e solidariedade de outros municípios após a ação truculenta da polícia paulista. A população da metrópole passou a aceitar conviver com passeatas quase diárias, que complicavam ainda mais o caótico trânsito, em nome de uma bandeira considerada justa. Mas nenhuma cidade brasileira irá aceitar a ação de grupos interessados apenas em instaurar a balbúrdia e espalhar o caos. A sociedade civilizada não permite isso. E incendiar ônibus e quebrar estações de metrô não interessa a quem efetivamente depende do transporte público. Cabe ao Movimento Passe Livre, catalisador das manifestações, ir além da burocrática declaração de que não consegue controlar a multidão e pensar numa estratégia para expurgar essas pessoas dos protestos.
Padrão FIFA
Em outubro de 2007, quando o Brasil foi confirmado como sede da Copa de 2014, o povo comemorou. Talvez não soubesse ao certo as consequências dessa decisão. Passados seis anos, o quadro é outro. As manifestações que tomaram conta do País nos últimos dias não pouparam a Copa do Mundo e a das Confederações. Por todos os lados, cartazes como “Copa é prioridade, Brasil?”, “Queremos escolas padrão Fifa”, “Da Copa eu abro mão, quero dinheiro para a saúde e a educação” deixaram claras duas questões. A primeira é que os custos elevados e muitas vezes superfaturados dos estádios e de outras obras relacionadas ao evento não têm a aprovacão popular. Eles estão descontentes com os R$ 28 bilhões investidos nos torneios (R$ 8,5 bilhões só para os estádios). Esse valor supera o custo das últimas três Copas juntas.
A outra questão diz respeito ao chamado padrão Fifa. Na verdade, o que se revela nas manifestações é uma crítica ao baixo nível dos serviços públicos como educação e saúde. O padrão Fifa – que prevê estádios com instalações impecáveis, banheiros limpos, lugares marcados, monitores treinados, entre outras exigências para o bom atendimento aos espectadores – é visto como uma espécie de selo de qualidade por sua organizacão, segurança e conforto, algo que deveria ser corriqueiro no serviço público.
Cidades-sede da Copa das Confederações têm assistido a sucessivos embates entre milhares de manifestantes e a polícia nas redondezas dos estádios nos dias de jogo. “É um grito pela Justiça de todos que foram expulsos das suas casas para a construção de novas obras para o torneio, somado ao sentimento de revolta pelo mau uso do dinheiro público”, explica Pedro Fassoni Arruda, professor de ciências políticas da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo. Diante dos gastos astronômicos e das inúmeras necessidades do País, muitos questionam o retorno efetivo que os eventos trarão.
A julgar pelos primeiros números disponíveis, os críticos parecem ter razão. A abertura da Copa das Confederações em Brasília, no sábado 15, deu prejuízo ao governo do Distrito Federal. Foi gasto o dobro do valor que o evento trouxe à cidade. Segundo a Secretaria de Turismo do DF, a abertura do Mundial injetou na economia local R$ 22 milhões com a movimentação da rede hoteleira, restaurantes e comércio, mas custou quase R$ 42 milhões aos cofres públicos.
O retrato da covardia
Na noite da quinta-feira 13, a tropa de choque da Polícia Militar não se intimidou diante das câmeras que filmavam e fotografavam o quinto grande protesto em São Paulo. Apesar da profusão de imagens e histórias de violação que emergiram naquela noite, uma cena conseguiu reunir, sozinha, o sentimento de assombro e vulnerabilidade diante da truculência da PM: é a que mostra a estudante universitária Gabriela Lacerda, 24 anos, e seu namorado, Raul Longhini, 20 anos, sendo covardemente agredidos por um policial em um bar da avenida Paulista, que horas antes havia sido palco de enfrentamento entre policiais e manifestantes. A imagem foi estampada na capa da última edição de ISTOÉ, exatamente por simbolizar tudo o que o brasileiro não quer: a volta da repressão.
A estudante universitária de rádio e tevê que nasceu em Macapá, no Amapá, e se mudou para São Paulo há três anos tenta, agora, transformar seu drama em justiça. “Temos uma chance de dar uma lição no Estado, de mostrar que ele tem de nos respeitar, assim como nós a ele. Não vou deixar assim”, diz. No dia seguinte à agressão, ela e Raul registraram boletim de ocorrência e receberam orientações dos advogados que prestam assistência jurídica ao Movimento Passe Livre. “Eu processarei o Estado porque as agressões também aconteceram contra muitas outras pessoas que não têm as provas necessárias para identificar seus agressores. E eu tenho.” O policial que aparece nas imagens agredindo o casal não teve o nome revelado pela corporação e não portava a identificação obrigatória no uniforme. Questionada, a Polícia Militar limitou-se a afirmar que as denúncias de abuso serão apuradas pela Corregedoria. Nada disseram sobre o fato de o policial não estar identificado, prática que só é usada em combate ao crime organizado, para preservar o agente do Estado. Não há motivos para essa ação quando a missão é acompanhar legítimos movimentos sociais.
A nova visão do Planalto
Ninguém sabe como as marchas iniciadas pela revogação do aumento da passagem de ônibus vão terminar, mas é certo que o governo Dilma Rousseff não poderá funcionar como antes. Na manhã da sexta-feira 21, uma reunião entre Dilma Rousseff e o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e demais autoridades ligadas a áreas de segurança, inclusive da Copa do Mundo, ocorreu num ambiente de dúvida e impasses. A proposta mais natural, nessa situação, seria um pronunciamento ao País – mas a presidenta gostaria de ter uma noção clara sobre o estado de coisas antes de se manifestar perante todos os brasileiros, gesto que pode produzir um efeito decisivo sobre o País e sobre seu governo.
Em qualquer caso, os tempos são outros. O programa de gestão pelo piloto automático, num governo de altos índices de aprovação e aliados cada vez mais numerosos para somar tempo na tevê e enfrentar uma campanha presidencial sem sustos, se desfez na medida em que a mobilização crescia nas ruas e o grito das multidões se transformava num urro de cidadania e raiva. Sem receber sequer um alerta dos serviços de informação sobre eventuais riscos de um vexame na inauguração do estádio Mané Garrincha, Dilma enfrentou uma vaia gigantesca, que não permitiu que suas palavras fossem ouvidas pela plateia.
No dia seguinte, a presidenta perguntava, durante uma reunião inicialmente convocada para debater a viagem de uma comitiva brasileira à Rússia, a opinião de ministros e assessores mais próximos sobre os rumos que a situação política poderia tomar. Ouviu palpites, ora triviais, ora perplexos. O vice-presidente Michel Temer assegurou que o Congresso não criaria dificuldades para aprovar um pacote de medidas que pudessem melhorar o transporte público. Convidado em nome de sua “experiência,” o senador José Sarney (PMDB-AP) recomendou “diálogo.” Na semana mais difícil de seu governo, a presidente cancelou uma viagem a Salvador, na sexta-feira passada, pelo receio de enfrentar protestos. Também desistiu de uma viagem ao Japão, no início desta semana, pelo receio de estar ausente quando sua presença pudesse tornar-se particularmente necessária. Num governo frequentemente acusado de submeter a política às estratégias publicitárias, Dilma resolveu fugir de teorias conspiratórias, semelhantes àquelas que deram um ar patético a tantos governantes – ditadores ou não – que já enfrentaram manifestações de caráter semelhante na Ásia e no Oriente Médio. Num discurso pronunciado na terça-feira 4, Dilma colocou as coisas em seu devido lugar. Lembrando o gigantesco protesto da véspera, que dera uma dimensão nacional às manifestações, ela disse, em tom de reconhecimento, que “o Brasil hoje acordou mais forte.” Falou também que era “bom ver tantos jovens e adultos, o neto, o pai, o avô, juntos com a bandeira do Brasil”. Procurando unir seu destino ao dos manifestantes, disse que “as vozes das ruas querem mais. Mais cidadania, mais educação, mais transporte, mais oportunidades. Meu governo também quer mais.” Quando a presidenta discursou, um twitter chamado “Fora Dilma” atingia o pico, ficando entre os dez mais vistos do dia. Reproduzido ao longo do dia pela internet, o discurso atingiu um padrão superior a 250 mil acessos, patamar que o Planalto comemorou.
O grande líder
De todas as transformações desencadeadas pela internet nos últimos anos, talvez a mais extraordinária de todas esteja em curso neste exato momento. Se é verdade que todo grande movimento popular é resultado da força magnética de um líder, agora é possível afirmar que a onda de protestos se deve ao poder irresistível de um novo tipo de liderança. Os gritos de guerra não surgem mais em assembleias. As bandeiras não se submetem ao escrutínio de encontros às escuras de jovens revolucionários. As ações deixaram de ser planejadas em aparelhos partidários. Na segunda década do século 21, os movimentos populares nascem, amadurecem e avançam de forma avassaladora no universo quase ilimitado das redes sociais. Os protagonistas da indignação atendem pelo nome de Facebook, Twitter, Tumblr, WhatsApp e YouTube, os canais de comunicação mais usados pelos manifestantes para plantar suas ideias, arregimentar seguidores e agendar passeatas e ondas de revolta que paralisaram o Brasil, especialmente na semana passada. A hashtag (símbolo equivalente ao jogo da velha e que é usado para agregar conteúdo na internet) #VemPraRua se tornou febre nacional. Na noite da quinta-feira 20, depois de uma convocação massiva nas redes sociais, as ruas brasileiras receberam, em diversas cidades, mais de um milhão de manifestantes. “Diante de um movimento horizontal, sem cara nem líder, a internet passa a ser o principal meio de divulgação, porque é rápida, relativamente barata e produz bom retorno”, diz Maria do Socorro Braga, professora do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo. “Ela dá uma dinâmica à democracia que os partidos não conseguem oferecer.” O mesmo já havia acontecido, nos últimos dois anos, durante a Primavera Árabe, o Ocupe Wall Street e as revoltas de Londres. “A internet é a soma de opiniões privadas sem a união de uma temática pública”, afirma o sociólogo Fábio Gomes.
Eles não sabem para onde ir
Os protestos dos últimos dias provocaram um efeito tão notável quanto imprevisível: eliminaram as diferenças entre os líderes políticos do País. Governadores, prefeitos, ministros, senadores e deputados de partidos diversos e inclinações ideológicas opostas, todos eles foram empurrados para a vala comum do desprezo exibido com orgulho nas ruas pelos manifestantes. Atordoados, os políticos desandaram a falar bobagens – e revelaram como estão despreparados para lidar com os ventos que sopram nestes novos tempos. O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, do PSDB, declarou na quinta-feira 13 que não negociaria a redução do preço das passagens e que não estava disposto a dialogar com os integrantes do Movimento Passe Livre (MPL), definido por ele como “pequeno e muito violento”. Vinte e quatro horas depois, como que para justificar a brutalidade da polícia que agredira manifestantes, Alckmin disse, sobre os manifestos, que se tratava de “atos de vandalismo”. Foram necessários apenas alguns dias para o governador mudar de ideia e afirmar que, sim, estava disposto a dialogar. Mais: ele até elogiou o movimento, contrariando tudo o que falou antes. No dia 19, a virada definitiva: “Vamos revogar o reajuste”, rendeu-se Alckmin. “Queremos tranquilidade para que a cidade funcione.” Em tempo: vale lembrar que foram as ações da polícia de Alckmin na violenta quinta-feira 13 que serviram de combustível para alimentar o clima dos protestos por todo o País. O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, foi outro a esquecer rapidamente de suas convicções. Na quarta-feira 19, Haddad disse que a revogação do aumento seria um ato populista. No mesmo dia, apenas algumas horas depois, o prefeito foi às câmeras anunciar a revogação do reajuste. O esforço para convencer Haddad a recuar foi mais complicado do que os petistas imaginavam. Aos argumentos de Lula e Dilma, o prefeito respondia com explicações técnicas. Explicou que possuía um cronograma de entradas e saídas de recursos que não poderia alternar, sob o risco de comprometer outros investimentos, inclusive a construção de corredores de ônibus. Em outra investida, Rui Falcão, presidente do PT, e Paulo Teixeira, secretário-geral do partido, foram falar com o prefeito. Não tiveram melhores resultados. Eles chegaram a conversar sobre a possibilidade de diminuir o desembolso pesado que a prefeitura deve fazer para pagar suas dívidas com o governo federal, mas Haddad não se mostrou convencido diante das alternativas colocadas. Na tarde de terça-feira, a situação caminhava para um impasse que deixava lideranças históricas do PT em estado de perplexidade absoluta. Numa reunião com sindicalistas no Instituto Lula, o ex-presidente não escondia o desconforto depois de ouvir a notícia de que entidades sindicais se preparavam para aderir ao movimento, inclusive aquelas que, em tempos passados, eram chamadas de pelegas. No fim da tarde, veio uma boa notícia. Após uma conversa por telefone com Dilma, o prefeito Eduardo Paes, do Rio de Janeiro, se disse convencido de que deveria revogar o aumento. A própria Dilma deu a notícia a Haddad. Pouco depois, o prefeito e o governador Geraldo Alckmin anunciaram a revogação.
Falou, tá falado
Junho de 2013 já fez história. É provável que, daqui a algumas décadas, brasileiros que tomaram as ruas do País no final do outono deste ano se reúnam num café, num boteco ou mais possivelmente na timeline de uma rede social para recordarem, cheios de orgulho, “daquele junho de 2013”. Quando se formaram multidões que, de um modo contraditório, pareciam gigantescas afirmações de individualidades. Com seus rostos únicos, bandeiras variadas, gritos independentes e gestos singulares. A completa expressão do novo. Daquilo que ninguém ousou prever e do futuro que ninguém assegurou adivinhar. Esses brasileiros se sentirão como a geração de 1968, que ainda cultiva as lembranças das heroicas passeatas contra a ditadura, como os manifestantes de 1984, que se emocionam com as imagens dos comícios das Diretas-já, e como os caras-pintadas de 1992, que decretaram o fim de um governo corrupto. Não se pode subestimar o que já aconteceu nem convém ignorar o que ainda possa vir. Nas duas últimas semanas, com suas diferentes tribos e interesses assumidamente difusos, jovens emergiram das redes sociais, conseguiram levar mais de um milhão de pessoas às ruas, deixaram a classe política atordoada e fizeram com que prefeitos de 13 capitais e 65 cidades anunciassem a redução das tarifas de transporte público. A voz das ruas, que parecia anestesiada, se impôs. A opinião pública revelou sua força. Mesmo sem uma grande causa aglutinadora, fez reverberar por todos os cantos do País uma insatisfação latente que o poder institucionalizado desconhecia. Pelo menos 480 cidades participaram dos protestos. Os manifestantes transformaram as principais avenidas brasileiras em verdadeiros bulevares da liberdade de expressão. A nação acordou e, com o recuo dos governantes, descobriu que, sim, é possível provocar mudanças. Foi um daqueles momentos emblemáticos em que o povo mostra que as instâncias do poder constituído, de algum modo, descolaram-se de suas aspirações. “Trata-se da mais expressiva, surpreendente e rápida vitória popular de nossa história”, diz Rubens Figueiredo, diretor do Centro de Pesquisas e Análises de Comunicação (Cepac). Ele explica: “Expressiva por forçar a rendição dos titulares do Estado mais importante do País e de uma das maiores cidades do mundo. Surpreendente porque nem o mais atento analista seria capaz de prever o que aconteceu. E rápida, pois, em poucos dias, a coisa se resolveu”.
Carta Capital
Parem de subestimar o povo
Ninguém controla a rua. As tentativas até agora fracassadas de manipular os protestos
O PT ficou para trás
O Brasil vive um momento de desencontros e esperanças, nem todas bem-postas. Primeiríssima entre estas a da mídia nativa, chega a sustentar que as atuais manifestações de rua se assemelham àquelas pelo impeachment de Fernando Collor. Má informação e delírio são alguns dos atributos do jornalismo pátrio. Quando a Globo mobilizou uma juventude carnavalizada para solicitar a condenação do presidente corrupto, o próprio já havia sido atingido fatalmente pelas provas das ligações entre o Planalto e a Casa da Dinda, levantadas pela IstoÉ. Seu destino estava selado com ou sem passeatas. No mais, é do conhecimento até do mundo mineral que imaginar a derrubada de Dilma Rousseff naufraga no ridículo.
Impávida, a mídia nativa, depois de recomendar repressão enérgica contra os baderneiros, percebeu a possibilidade de enganar os incautos ao sabor da sua vocação e tradição, e agora afirma com a devida veemência o caráter antigovernista das manifestações. Mira-se logo nas próximas eleições. Difícil mesmo, se não impossível por enquanto, distinguir o que move os manifestantes. Certa apenas a demanda da periferia no país da casa-grande e da senzala. Aludo à maioria dos brasileiros que usam ônibus e desconhecem um certo Estado do Bem-Estar Social, para sofrer as consequências de sistemas de saúde, educação, transporte coletivo de péssima qualidade. Sem contar o saneamento básico.
No mais, há espaço nas ruas para as motivações mais diversas, desde o prazer da festa até a expectativa de quem aspira a alguma mudança sem saber como se daria e com qual profundidade. Desde quem se aproveita da confusão para quebrar vidraças e invadir lojas até os netos e bisnetos dos burguesotes das marchas da família, com Deus e pela liberdade, que invocavam o golpe em 1964. Todos juntos, como torcidas uniformizadas, mas ao acaso, sem liderança. Abrem-se situações expostas a qualquer desfecho e mais uma certeza é a de que ninguém consegue controlar as ruas.
Muito além dos centavos
Dilma precisa avançar e criar nova agenda inspirada, inclusive, em certas reivindicações de um movimento social confuso e errático.
O veto ao aumento das passagens nos transportes urbanos, estopim do movimento que se alastrou de São Paulo para outros pontos do País, foi atendido. Esse sucesso inicial pode ter impacto na mobilização e deixá-lo, por outro lado, numa encruzilhada. Avançamos ou nos retiramos?
Mas quem pensará isso se não há líderes?
A presidenta Dilma, diante da força numérica da mobilização, também está diante de fatos novos e precisa, por isso, criar e conduzir outra agenda de governo. Para tanto pode avançar apoiada em sinalizações difusas de manifestantes confusos e erráticos. Foram eles, de qualquer forma, que botaram o bloco na rua e exibem cartazes como esse que resvala no mau gosto: “Enfia os 20 centavos no SUS”. Esse outro não é menos sugestivo: “Queremos educação padrão Fifa”.
Quem nega que Ensino e Saúde são pautas prioritárias no Brasil? Há preocupação intensa, bem visível, em ligar as análises das marchas realizadas nas principais capitais brasileiras com as vaias à presidenta Dilma Rousseff na abertura da Copa das Confederações, em Brasília. Nesse cenário, ganhou força a divulgação de pesquisas indicando queda expressiva na aprovação do governo.
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