Época
Como Cachoeira conspirou contra Alfredo Nascimento
Políticos acusados de corrupção costumam atribuir as suspeitas a invenções de adversários. Apresentam-se como inabaláveis e acima do que chamam de “ilações fantasiosas” de quem tenta prejudicá-los. Quem quiser ganhar com a fragilidade de um homem público, especialmente em benefício próprio, precisa ter certeza de que ela existe. Esse raciocínio leva organizações criminosas a se empenhar em descobrir casos concretos para passar rasteiras no submundo da política. As investigações da Polícia Federal (PF) sobre a atuação da organização do bicheiro Carlos Augusto de Almeida Ramos, o Carlinhos Cachoeira, mostram que a equipe investigava a carreira de desafetos até identificar um ponto fraco. Com ele nas mãos, chegava o momento de buscar seu objetivo. Foi o que tentaram fazer com o então ministro dos Transportes, o senador Alfredo Nascimento (PR). De acordo com os áudios captados pela PF, Cachoeira e seu sócio, o então diretor da Delta Construções, Cláudio Abreu, planejaram usar uma suspeita de corrupção para derrubá-lo do cargo.
Numa gravação do dia 5 de julho do ano passado, Cachoeira sugeriu a Abreu procurar o superintendente do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) em Goiás, Alfredo Soubihe Neto, para obter histó-rias desabonadoras a respeito de Nascimento. Soubihe Neto é apadrinhado do deputado federal Sandro Mabel (PMDB-GO), a quem Cachoeira queria pedir informações sobre irregularidades na gestão de Nascimento. “Senta com o Alfredo (Soubihe). Fala com ele que precisa tirar o ministro”, diz Cachoeira. “O Sandro é quem sabe. O Sandro pode falar… que tem donativo, entendeu?” Em outra ligação no mesmo dia, Abreu diz a Cachoeira que a queda de Nascimento favoreceria o próprio Sandro Mabel. “O bom seria se valorizasse até pro Sandro ser o ministro. Aí era ótimo”, afirma Cachoeira. Há duas semanas, ÉPOCA revelou que Cachoeira e Abreu tramaram, em maio do ano passado, contra o então diretor-geral do Dnit, Luiz Antonio Pagot. Depois, eles comemoram a decisão do governo de afastar Pagot, acusado de corrupção.
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Pagot e Nascimento acumulavam acusações de irregularidades nos Transportes. Cientes de que Nascimento era visto com desconfiança, Cachoeira e Abreu pretendiam estimular Mabel a delatá-lo. A dupla aproveitava também as disputas internas no PR. Mabel tivera desentendimentos com o presidente de honra do PR, o deputado federal Valdemar Costa Neto (SP). Mabel insistira em se candidatar à presidência da Câmara – contra a vontade de Valdemar, comprometido com o PT. Nascimento era ministro graças à sustentação política de Valdemar. No começo de 2011, Cachoeira enxergou que era hora de “Sandro dar o troco nesse povo”.
Cachoeira e Abreu defendiam os interesses da empreiteira Delta Construções. Apesar dos riscos para os negócios, Cachoeira e Abreu se empenharam em afastar Nascimento. Para Cachoeira, o melhor caminho era Mabel contar o que sabia sobre ligações de Nascimento com o Estaleiro Rio Amazonas (Eram). “O estaleiro chama Eram. Manda o Xavier descobrir qual é o rolo que tem por trás. Era construção de balsas, em Manaus. Não construiu nenhuma e levou o dinheiro”, afirma Cachoeira a Abreu. O Xavier citado na gravação é Clodoaldo Xavier, lobista da Delta e frequentador do Dnit.
O Eram é um foco de problemas, sobretudo para Nascimento. Em 2010, a então ministra Dilma Rousseff esteve com Nascimento na inauguração do Porto de Humaitá, no Amazonas. A obra, executada pelo Eram, custou R$ 12,8 milhões. Mais de um ano depois, o porto afundou parcialmente, antes de entrar em funcionamento. Até 2006, o Eram fazia pequenos reparos em embarcações no Amazonas. Tornou-se um fenômeno da construção de portos fluviais. A maior parte dos contratos do Eram é com a Companhia Docas do Maranhão (Codomar), ligada ao Ministério dos Transportes e responsável por investimentos milionários em hidrovias. Essa particularidade – uma companhia com sede no Maranhão para administrar todos os portos fluviais do país – é fruto de um acerto de Nascimento e Valdemar com o grupo do PMDB ligado ao senador José Sarney (AP). Na gestão do PR no Ministério dos Transportes, o Eram ganhou 12 contratos com a Codomar. Os compromissos somam quase R$ 100 milhões. O Eram foi favorecido com convênios firmados entre o Dnit e prefeituras do Amazonas. Os sucessivos atrasos na entrega de portos e balsas obrigaram o Eram a assinar aditivos com a Codomar para adiar os serviços. Um dos contratos está na 13a alteração. Alguns desses aditivos foram assinados pela Codomar mesmo após o Dnit ter alertado, em abril de 2011, para a situação irregular do Eram. Pouco antes, o Estado do Amazonas declarara o Eram “inidôneo”. Em 2010, mesmo com os atrasos já caracterizados, o Eram conseguiu dois novos contratos com a Codomar – são mais R$ 16 milhões. O Ministério Público Federal no Amazonas abriu três investigações sobre o Eram em contratos de construção de portos. A empresa não se manifestou.
As demais reportagens da editoria Brasil, da revista Época, não estavam disponíveis na internet até a publicação deste material.
IstoÉ
“Pagot está descontrolado”
Padrinho político do ex-diretor do DNIT Luiz Antonio Pagot, o líder do PR no Senado, Blairo Maggi (MT), passou a semana passada tentando explicar porque seu nome e o dele são citados em diálogo entre o senador Demóstenes Torres e o bicheiro Carlinhos Cachoeira. Da conversa, interceptada pela Polícia Federal, depreende-se que Pagot sabia muito mais do que declarou aos parlamentares na ocasião da crise que derrubou a cúpula do Ministério dos Transportes no ano passado. Vítima ou cúmplice das articulações de Cachoeira, Pagot quer ser chamado a depor na CPMI que investiga o esquema. “Ele está descontrolado, é um fio desencapado”, alerta Blairo, que tem procurado marcar distância do antigo aliado. “Pagot é maior de idade, tem CPF e opinião própria.”
Além de influenciar nos rumos da CPI, o depoimento do ex-diretor pode ser determinante no retornou ou não do PR ao governo. Desde que perdeu os Transportes, o partido, sob comando de Blairo, aliou-se no Senado ao PTB de Gim Argello para reconquistar o espaço perdido. A presidenta Dilma Rousseff prometeu discutir o assunto numa reunião, ainda sem data. “Se o governo disser ‘não queremos vocês’, vamos atuar de forma independente”, avisa.
Auschwitz da ditadura
A atual história política do Brasil é pródiga em exemplos de que os crimes de tortura, assassinato e desaparecimento de corpos que a ditadura militar cometeu acabam em boa parte denunciados por aqueles que fizeram o trabalho sujo – é o porão a implodir o arranha-céu do horror que se construiu com o golpe de 1964 e perdurou até a redemocratização em 1985. Foi assim com os cadáveres de guerrilheiros que se opuseram ao regime de exceção, enterrados em cemitérios clandestinos – os agentes os sepultavam com nomes frios, mas escreviam nos laudos, com letra miúda, os nomes verdadeiros. Foi assim também nos próprios tribunais militares nos quais juízes consignavam que o réu fora torturado, embora não movessem um dedo contra isso. Pôr tudo no papel e fazer valer o que está escrito faz parte da tradição cartorial luso-brasileira. O livro “Memórias de uma Guerra Suja”, que acaba de ser lançado, confirma em um ponto essa regra ao trazer na primeira pessoa o depoimento inédito, surpreendente e estarrecedor do ex-delegado da repressão Cláudio Guerra. Ele revela que houve no Brasil uma espécie de campo de Auschwitz (referência ao mais famoso campo nazista de extermínio e cremação de judeus) onde corpos de guerrilheiros mortos sob tortura em São Paulo e no Rio e Janeiro foram incinerados. Em outro ponto, no entanto, o da tradição de que tudo se escreve, Guerra, 71 anos, quebra a regra: não anotou absolutamente nada e, assim, a denúncia que faz se baseia em sua memória e em sua palavra. “Ele é o mais importante dos agentes da repressão que falaram até agora, e, de fato, tem informação”, disse à ISTOÉ o ex-deputado e um dos mais atuantes advogados de ex-presos políticos Luiz Eduardo Greenhalgh. “E esse também é o momento mais importante para alguém falar porque a Comissão da Verdade está prestes a funcionar.”
Há quase quatro décadas familiares e organizações de direitos humanos trabalham para descobrir os corpos, por exemplo, de David Capistrano da Costa, dirigente do Partido Comunista Brasileiro (PCB), e Ana Rosa Kucinski Silva, militante da Ação Libertadora Nacional (ALN). É o ex-delegado quem agora afirma: “Não adianta procurar, eles foram incinerados.” Por quem? Pelo próprio depoente. O mesmo fim, segundo o livro de autoria dos jornalistas Marcelo Netto e Rogério Medeiros, tiveram, entre outros, os cadáveres de Wilson Silva, João Massena Mello, José Roman e Joaquim Cerveira. O forno do Auschwitz da ditadura, de acordo com Guerra, funcionou a partir de 1973 na usina de açúcar Cambahyba, com a anuência de seu ex-proprietário, o então vice-governador do Rio de Janeiro Heli Ribeiro. Localizava-se em Campos dos Goytacazes.
Aerodilma
Dois anos depois de suspender as negociações para a compra de um novo avião para a Presidência da República, a Força Aérea Brasileira (FAB) retomou os estudos de viabilidade técnica e financeira para a aquisição da aeronave. O mais provável é que seja adquirido o Air Bus 330 MRTT (Multi Role Tanker Transport) para uso da presidenta Dilma Rousseff. O modelo da empresa europeia Eads é avaliado em mais de R$ 400 milhões e faz parte da categoria superluxo. Era o sonho de consumo do ex-presidente Lula, que agora pode ser adquirido pela sucessora e afilhada política. O luxuoso avião conta com uma área VIP presidencial com direito a copa, suíte e chuveiro no banheiro, além de um espaço amplo para abrigar a comitiva que acompanha a presidenta. Segundo uma fonte da FAB, a Aeronáutica ainda está na fase inicial do processo de compra e nenhuma proposta foi concluída para ser apresentada ao Palácio do Planalto. Mesmo assim, os planos seguem a todo vapor. Apesar da preferência pelo modelo europeu, a Aeronáutica também pediu orçamento para a Boeing e a Israel Aerospace Industries (IAI). A expectativa é de que, se a decisão sobre a compra sair ainda este ano, o novo avião presidencial comece a servir à Presidência no fim de 2014.
A aquisição do Aerodilma, no entanto, tem entraves políticos. Desde que assumiu o comando do País, a presidenta anunciou uma sequência de cortes de gastos e comprou brigas sérias com a base aliada pelo arrocho das contas públicas. Chegou até a perder votações no Congresso em retaliação dos políticos ao contingenciamento de emendas parlamentares. Por isso, o consenso é de que agora o cenário é pouco favorável para uma compra envolvendo quase meio bilhão de reais justamente para a aquisição de uma aeronave presidencial. Além disso, o Planalto precisaria contar com créditos extraordinários aprovados pelo próprio Congresso para bancar a despesa. Por isso, o assunto ainda não chegou ao gabinete da própria Dilma. O que deve acontecer somente depois que a FAB analisar todos os modelos disponíveis e seus orçamentos.
Deputado motosserra
O deputado Paulo Piau (PMDB-MG) é um político bem ao estilo mineiro. Afável no trato, e com um discurso que raramente despertava polêmicas, o peemedebista surpreendeu até os mais próximos como relator do novo Código Florestal. Ele radicalizou e seu texto incorporou na íntegra os desejos dos ruralistas. Bateu de frente, porém, com as modernas tendências ambientalistas e, com isso, tem ocupado horas de trabalho da presidenta Dilma Rousseff, que está analisando vetos para fechar as brechas que possibilitam o desmatamento e a morte das florestas brasileiras. Seu relatório, no entanto, claramente a favor do agronegócio, está na mira de um grupo de parlamentares que tenta levar adiante a guerra contra sua indicação. Mesmo depois do fim da votação pela Câmara, algumas correntes acreditam que ainda é possível impugnar o seu trabalho como relator do Código Florestal, e, em consequência, o polêmico resultado.
Esta semana, o PSol, com o apoio do PV, vai apresentar um recurso à Comissão de Constituição e Justiça alegando que as relações de Paulo Piau com gigantes do agronegócio deveriam tê-lo impedido de relatar o projeto. Afinal, quase 43% dos custos de sua campanha em 2010 foram bancados por empresas do setor, que deram a ele exatos R$ 991.725,65. A relação do deputado de Patos de Minas com os financiadores não é apenas mais um exemplo do jogo de interesses que ronda há anos as discussões sobre a nova legislação ambiental. Sua indicação feriu ostensivamente um artigo do Código de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara, que foi deliberadamente ignorado pelos políticos. O inciso VIII do artigo 5º da norma interna considera quebra de decoro “relatar matéria submetida à apreciação da Câmara dos Deputados, de interesse específico de pessoa física ou jurídica que tenha contribuído para o financiamento de sua campanha eleitoral”.
Um Brizola no trabalho
Anomeação do deputado Brizola Neto (PDT-RJ) para o comando do Ministério do Trabalho, confirmada na última semana pela presidenta Dilma Rousseff, manteve a toada das recentes indicações de ministros. Alheia às pressões inerentes ao jogo político, Dilma mais uma vez fez prevalecer sua vontade e deixou claro aos partidos aliados que todos terão espaço no governo, desde que os nomes apresentados nutram de sua simpatia. Mas uma peculiaridade envolveu a nomeação de Brizola Neto. A escolha se deveu, acima de tudo, às raízes familiares do novo ministro. No discurso, Neto é um autêntico Brizola. Lembra o avô, o caudilho Leonel Brizola e carrega consigo a história de seu tio-avô, o ex-presidente João Goulart. Defende a modernização das relações do trabalho, como a flexibilização da CLT, a união das centrais sindicais e a redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais. “Ele reforça em meu governo o reconhecimento no trabalhismo no Brasil. Brizola Neto ocupará o ministério que Getúlio Vargas criou com visão de estadista e Jango comandou com visão social”, afirmou a presidenta durante cerimônia de posse. “Minha linhagem de brasileiros ilustres passa por Vargas, João Goulart e Brizola”, reforçou Neto logo que foi empossado. Os temas, no entanto, defendidos com unhas e dentes pelo novo ministro não são unanimidade no PDT nem no governo. Por isso, ele já assume em meio à polêmica. “Havia três candidatos em um partido que é de tamanho médio, então a tendência é de ter um puxando para um lado e outro, para o outro”, disse Paulinho da Força (PDT-SP), um dos mandachuvas do partido, lembrando que a escolha de Brizola Neto não foi unânime no PDT.
O esquema Cachoeira e o governo Serra
Os desdobramentos da Operação Monte Carlo, que investiga as relações do bicheiro Carlinhos Cachoeira com governos estaduais e municipais, chegaram ao principal bunker da oposição: o Estado de São Paulo. Em Brasília, parlamentares que compõem a “CPI do Cachoeira” já tiveram acesso a conversas telefônicas gravadas com autorização judicial entre junho do ano passado e janeiro deste ano. Elas apontam que a construtora Delta, braço operacional e financeiro do grupo do contraventor, foi favorecida nas gestões de José Serra (PSDB) e de seu afilhado político Gilberto Kassab (PSD) na prefeitura e também quando o tucano ocupou o governo do Estado. Em 31 de janeiro deste ano, por exemplo, Carlinhos Cachoeira telefona para Cláudio Abreu, o representante da empreiteira na região Centro-Oeste, atualmente preso sob a acusação de fraudar licitações e superfaturar obras. Na ligação (leia quadro na pág. 43), o bicheiro pergunta se Abreu teria conversado com Fernando Cavendish, oficialmente o dono da construtora, sobre “o negócio do Kassab”. Em seguida, diz a Abreu que o prefeito de São Paulo “triplicou o contrato”. Essa conversa, segundo membros da CPI e do Ministério Público de São Paulo, é um dos indícios de que a organização de Cachoeira também teria atuado com os tucanos e seus aliados em São Paulo. “Os depoimentos de Cachoeira e Abreu serão fundamentais para que se descubra o alcance das relações entre a empreiteira e políticos”, diz o relator da CPI, deputado Odair Cunha (PT-MG).
A Delta começou a prestar serviços à capital paulista em 2005, quando Serra assumiu o comando do município. Inicialmente, os contratos somavam R$ 11 milhões. A partir de 2006, quando Serra deixou a prefeitura e venceu as eleições para governador, os negócios da empreiteira com o município se multiplicaram, em muitos casos sem licitação. Em 2010, ano em que o tucano disputou a Presidência, os repasses chegaram a R$ 36,4 milhões. Entre 2008 e 2011, os pagamentos da prefeitura para a Delta ultrapassaram R$ 167 milhões. O que chama mais a atenção da CPI e do Ministério Público de São Paulo, porém, é o fato de a Delta ter vencido em outubro do ano passado uma concorrência para limpeza urbana no valor de R$ 1,1 bilhão. O MP abriu um inquérito para apurar se houve fraude na licitação. Há suspeitas de uso de documentos falsos e de edital dirigido.
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