Época
As acusações de desvio de dinheiro contra o senador Lindbergh Farias
Unidos no apoio ao governo federal, PT e PMDB abusam do “fogo amigo” no Rio de Janeiro. ÉPOCA obteve documentos inéditos com denúncias de pagamento de propina a Lindbergh Farias, pré-candidato petista ao governo do Estado, e a empresas de sua família.
O plenário do Congresso Nacional estava lotado no começo da noite do dia 6 de março. Esbarrando em colegas, o senador Lindbergh Farias, do PT do Rio de Janeiro, passou pelo deputado Pedro Paulo (PMDB-RJ) e, dedo em riste, falou alto: “Vou brigar com os grandes. Não tenho medo das máquinas do governo e da prefeitura”. Lindbergh tem motivos para se revoltar contra o PMDB, principal partido aliado do governo Dilma Rousseff e sigla que controla a prefeitura da capital e o governo do Rio. Desde que se lançou pré-candidato a governador do Estado, no final do ano passado, Lindbergh vinha sendo alvo do “fogo amigo” do PMDB – cujo objetivo é fazer do atual vice-governador, Luiz Fernando Pezão, o sucessor de Sérgio Cabral. Agora a briga esquentou, e os golpes verbais deram lugar aos dossiês. Desta vez, os documentos divulgados não são vazios, como costuma acontecer com a maioria dos dossiês que circulam nas campanhas. A partir de material obtido com o PMDB, ÉPOCA fez seu próprio levantamento e obteve uma série de documentos com denúncias contra Lindbergh. Os papéis constam de um inquérito a que Lindbergh responde no Supremo Tribunal Federal, com acusações de corrupção, formação de quadrilha e lavagem de dinheiro – relativas ao período em que foi prefeito de Nova Iguaçu, entre 2005 e 2010.
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A base da investigação são dois depoimentos prestados ao Ministério Público Estadual (MPE) pela ex-chefe de gabinete da Secretaria de Finanças de Nova Iguaçu Elza Elena Barbosa Araújo. ÉPOCA obteve cópias das declarações, prestadas em fevereiro de 2007 e até aqui mantidas sob sigilo. Elza disse que, logo no início do mandato de prefeito, em 2005, Lindbergh montou um esquema de captação de propina entre empresas contratadas pelo município. O valor podia chegar a R$ 500 mil por contrato. O dinheiro sujo, segundo Elza, chegava à sala da secretaria em bolsas e maletas trazidas por empresários. Depois as quantias eram usadas, conforme ela disse, para quitar despesas pessoais de Lindbergh.
PublicidadeSegundo os depoimentos, o esquema ainda bancava as prestações de um apartamento da mãe de Lindbergh, Ana Maria, num edifício em Brasília. Elza relatou que numa das ocasiões, em 11 de julho de 2005, ela saiu da prefeitura com R$ 15 mil em dinheiro para pagar uma das prestações do imóvel. Sobraram R$ 4.380, que Elza disse ter depositado na conta de Lindbergh. Ela também afirmou que a propina abastecia a conta da empresa Bougainville Urbanismo, que pertence a Carlos Frederico Farias, irmão de Lindbergh que mora na Paraíba, terra natal de Lindbergh. A empresa recebeu, ainda conforme a acusação, quatro depósitos que totalizaram R$ 250 mil.
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Fernando Henrique Cardoso: “Há um sentimento mudancista”
Aos 81 anos, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso é uma das cabeças mais privilegiadas do país. As características que o tornaram um dos principais intérpretes do Brasil contemporâneo continuam intactas: arsenal teórico de cientista social, experiência de político e governante, invejável rede de contatos mundo afora e inesgotável curiosidade para perscrutar o que pode vir por aí. FHC foi o escolhido para estrear a série de entrevistas que ÉPOCA começa a fazer, a partir desta semana, com líderes brasileiros. Antenado nos movimentos da política, da economia e da sociedade, no Brasil e no mundo, FHC, ao falar da eleição presidencial, diz que “um sentimento mudancista” começa a ganhar corpo no país, a despeito dos índices de aprovação recordes da presidente Dilma Rousseff. Em meio a críticas à gestão econômica do governo – por tentar reviver o modelo nacional-desenvolvimentista do passado –, FHC afirma que o desafio da oposição nas eleições será dar a esse sentimento um conteúdo e uma mensagem capaz de atingir os eleitores.
Lula ordenou ajuda ao Porto Açu de Eike
Partiu de Luiz Inácio Lula da Silva a ordem para que o ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel, ajudasse o empresário Eike Batista a conseguir investimentos para seu Porto do Açu, no Rio. Na sequência, Pimentel e o lobista de Eike, Amaury Pires, incumbiram o embaixador brasileiro em Cingapura, Luis Fernando Serra, da missão de trazer executivos do estaleiro Jurong ao Brasil, para uma conversa sobre o Porto do Açu. O investimento estava prometido ao Espírito Santo.
David Halpern: “Se você quer que alguém faça algo, torne isso fácil”
Um departamento do governo britânico usa técnicas de psicologia e marketing para tentar induzir o cidadão a fazer certas escolhas. David Halpern, doutor em Filosofia e diretor desse departamento, explica qual é o truque. O cidadão britânico mais distraído talvez nem tenha percebido, mas vem recebendo uns “toques” do governo. Em alguns locais, assim que se muda para um casa nova, recebe um panfleto com orientações sobre transporte público na área. Se deve o pagamento de multas, recebe lembretes pelo celular. Se ainda não pagou o Imposto de Renda, mesmo dentro do prazo, recebe uma carta informando que a maioria dos outros contribuintes já cumpriu esse compromisso chato. Esses alertas sutis têm dado alguns bons resultados – há mais britânicos pagando as multas e o Imposto de Renda dentro do prazo.
Os recados foram propostos por um departamento governamental com nome exótico, o Behavioural Insights Team – ou “Equipe de Sacadas Comportamentais”, em teste desde 2010 e tornado oficial em 2012. O diretor do departamento, David Halpern, é doutor em Filosofia pela Universidade de Cambridge. Halpern vem conduzindo a maior experiência prática no mundo de aplicação da psicologia às políticas públicas. O objetivo do governo britânico é induzir o cidadão a fazer o que se considera melhor para o indivíduo e para a coletividade, mas sem restringir escolhas, nem criar novas obrigações, restrições ou punições. Trata-se de dar um empurrãozinho (em inglês, um “nudge”) no indivíduo, rumo a uma certa escolha. Essa é a filosofia do “paternalismo libertário”, bem explicada no livro Nudge – O empurrão para a escolha certa (Editora Campus/Elsevier), de 2008, escrito pelo jurista Cass Sunstein (ex-assessor do presidente americano Barack Obama) e pelo economista Richard Thaler (atualmente, consultor do governo britânico). A receita não é infalível. Ainda está em avaliação se funciona mesmo a sutil sugestão aos britânicos recém-instalados em novas residências, para que usem transporte público em vez de carro. O governo israelense perdeu arrecadação após tentar convencer contribuintes da importância dos impostos. Na Califórnia, algumas famílias passaram a gastar mais energia depois de saber que os vizinhos eram econômicos. Mesmo assim, a Equipe de Sacadas Comportamentais do Reino Unido está sendo observada por formuladores de políticas públicas em diversos países. No ano passado, foi contratada para dar consultoria a um governo provincial da Austrália. Atualmente, Halpern e sua equipe pensam em como aplicar as novas ideias a áreas distintas como saúde pública, consumo de energia e empréstimos a pequenas empresas.
Istoé
Ainda não chegou lá
Já é uma tradição no Brasil. Toda vez que o governo vem a público anunciar medidas populares, que reduzem os custos de produção, facilitam o acesso ao crédito e ampliam o poder de compra dos consumidores, os benefícios demoram a chegar à ponta. Quando finalmente as benesses são repassadas à população, os percentuais não conferem com aqueles prometidos com pompa e circunstância em rede nacional de tevê. A história se repetiu com os pacotes de bondades anunciados pela presidenta Dilma Rousseff. Primeiro, a redução dos juros não foi percebida em sua totalidade. Mesmo o Banco Central tendo cortado a taxa básica (Selic) em 5,25 pontos percentuais nos últimos dois anos, os bancos foram extremamente cautelosos em repassar os cortes às taxas cobradas das empresas e das pessoas físicas. Antes, a própria presidenta teve que comprar uma briga pública contra os spreads (diferença entre o que o banco paga e cobra pelo dinheiro) e forçar a queda real dos juros por meio dos bancos públicos para que, meses depois, o benefício chegasse a todas as linhas de crédito.
Como o principal pilar do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) tem sido o consumo das famílias – que avançou 3,1% no ano passado –, a queda dos preços da cesta básica, anunciada em 8 de março, também tem sido acompanhada pelo governo. Após dizer que retiraria a cobrança de impostos federais (PIS/Cofins) de oito produtos da cesta básica, Dilma afirmou: “Conto com os empresários para que isso signifique uma redução de pelo menos 9,25% no preço das carnes, do café, da manteiga, do óleo de cozinha e de 12,5% na pasta de dentes e nos sabonetes, só para citar alguns exemplos.” A redução efetiva, contudo, não deve passar de 4,5%, segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). Até agora a baixa de preço nas prateleiras não chegou sequer a 3%. Na semana passada, a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) mostrou que, no município de São Paulo, os preços dos produtos desonerados recuaram 2,79% (o equivalente a R$ 2,48) entre a primeira e a segunda semana de março. Mas por que a discrepância? “O governo fez uma promessa sobre algo que não controla”, diz Heron do Carmo, professor de economia da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo. “Os preços desses produtos são influenciados não só pelos tributos diretos, mas por outras etapas de produção, pela negociação entre supermercados e fornecedores e pela relação entre oferta e procura, entre outros fatores.”
O homem que assombra Gurgel
Reconduzido ao Conselho do MP, o professor de Direito Luiz Moreira virou a principal voz dissonante ao procurador-geral. Crítico do excesso e do poder conferido aos procuradores, ele pode atrapalhar os planos de Gurgel de emplacar seu sucessor. Um dos protagonistas do julgamento do mensalão, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, enfrenta um ambiente diverso dentro da própria instituição comandada por ele. A voz dissonante é personificada pelo professor de direito Luiz Moreira. No dia 6 de março, Moreira confirmou sua condição de representante da Câmara dos Deputados no Conselho Nacional do Ministério Público, órgão encarregado de controlar e fiscalizar a atividade do MP. Desde então, Gurgel, cujo mandato termina em agosto, anda inquieto. Embora Moreira pretenda ficar longe da disputa entre os candidatos, dependendo do barulho que ele fizer, Gurgel pode ter seus planos de emplacar o sucessor no comando do MP Federal dificultados. A principal crítica de Moreira refere-se ao excesso de gastos promovidos pela atual gestão. A mais recente acusação é de que o procurador-geral estaria preparando um aumento de 30% em subsídios, com a criação de auxílios-moradia e alimentação de R$ 900 por mês. “Esses benefícios irão aumentar em R$ 5 mil os vencimentos dos membros do Ministério Público, que assim passarão do teto constitucional de R$ 28.059”, critica o conselheiro.
Moreira atua na contracorrente do movimento de políticos, juristas e cidadãos que, a partir das denúncias de corrupção contra o governo Fernando Collor, levou à transformação do Ministério Público num organismo cada vez mais autônomo e poderoso. Para o professor especialista em teoria do estado e filosofia do direito, o crescimento do Ministério Público, acompanhado pela ampliação de poderes acumulados pelo Supremo Tribunal Federal, coloca em questão os fundamentos da Constituição-cidadã de 1988. “A base da nossa Constituição é o voto popular e por isso ela privilegia os representantes eleitos pelo povo. A judicialização leva a uma República aristocrática, que privilegia decisões e concentra poderes entre os integrantes de um poder não eleito, o Judiciário”, afirma Moreira. Como exemplo, ele recorda as intervenções recentes do Supremo no debate sobre royalties do petróleo, questionando decisão do Congresso. “A Constituição define que a deliberação se faça pelo Congresso”, diz. Em outro exemplo, aponta a votação sobre a perda de mandatos dos parlamentares condenados no mensalão, decisão que, na opinião de vários juristas importantes, contraria o que dispõe o artigo 55 da Constituição.
A nova cruzada de Marta Suplicy
Nascida numa família riquíssima do Rio de Janeiro, dona de castelos e de linhagem nobre, a ministra da Cultura, Marta Suplicy, possui uma ascendência junto às camadas mais pobres do eleitorado de fazer inveja a seu próprio partido, o PT. Militante tardia, que entrou na atividade política quando era mãe de três filhos crescidos, Marta escreveu a própria história acumulando brigas, polêmicas e encampando causas que pareciam fora de lugar, mas que, na verdade, se encontravam à frente do seu tempo. Foi à tevê defender a liberdade feminina, quando o País ainda não estava inteiramente habituado ao divórcio. Assumiu a bandeira dos direitos homossexuais, quando o assunto não entrava nas conversas de família. Agora, a mais nova cruzada de Marta envolve a aprovação do Vale Cultura pelo Congresso, que prevê benefício de R$ 50 para trabalhadores que ganham até cinco salários mínimos. Ela herdou a proposta quando assumiu a pasta e fez dela sua bandeira.
A ideia é um projeto original do ex-ministro Juca Ferreira, que chegou a rascunhá-lo ainda em 2009, mas foi forçado a desistir no meio do caminho. Faltava apoio político interno e sobrava pancadaria externa, num volume tão grande que Ana de Holanda, sua sucessora, nem se animou a comprar a briga. O que parecia um jogo perdido vai se transformar em realidade a partir de julho, quando os beneficiários do programa poderão receber dinheiro para comprar ingressos de espetáculos, cinemas, museus e adquirir livros, revistas e CDs.
O pecado capital da inveja
Ao promover encontros com potenciais adversários em 2014 e ameaçar deixar a legenda caso não atendam ao seu desejo de assumir o PSDB, Serra tenta mais uma vez tumultuar o próprio partido e colocar interesses pessoais acima dos coletivos. Ao comentar sobre o temperamento do tucano José Serra, o então presidente da República Fernando Henrique Cardoso cunhou a seguinte definição: “O problema do Serra é o diabinho existente dentro dele.” Nos últimos dias, o diabinho que habita em Serra se manifestou na forma de um dos sete pecados capitais: a inveja. Com poucas perspectivas políticas, após a derrota à prefeitura da capital paulista, e enciumado com a consolidação eleitoral de outro nome no PSDB que não o dele, o ex-governador de São Paulo voltou à cena para, mais uma vez, tentar fazer prevalecer suas vontades – para não dizer delírios. Não se tratou de algo inédito – Serra é useiro e vezeiro em colocar os interesses pessoais acima dos coletivos –, mas, desta vez, a ousadia alcançou seu ápice.
Na tarde da sexta-feira 15, Serra recebeu em sua residência na capital paulista o presidente nacional do PSB e governador de Pernambuco, Eduardo Campos. O encontro durou quase quatro horas – das 16h às 19h30 – e só foi habilmente revelado uma semana depois. Como já é notório, Campos trabalha nos bastidores para se viabilizar como candidato ao Planalto em 2014. Caso oficialize sua candidatura, certamente estará numa trincheira oposta ao do partido de Serra, o PSDB. “A candidatura de Eduardo Campos é boa para a política e para o Brasil”, comentou Serra ao longo da semana. A recepção de Serra a Campos, no momento em que o senador tucano Aécio Neves (MG) começa a pavimentar sua candidatura, não faria o menor sentido não fossem as ameaças entabuladas por Serra nos dias que sucederiam ao encontro. No sábado 16, Serra fez chegar, por meio de aliados, um recado à cúpula da sigla: não aceitaria a ascensão do senador Aécio Neves à presidência do PSDB. “Eu é que devo assumir o PSDB. Aécio é um coronel”, acusou. Foi ainda mais longe ao ameaçar estar no palanque oposto em 2014 como candidato de outra sigla, o PPS, ou quem sabe até ao lado de Eduardo Campos (PSB), aquele com quem se reunira um dia antes em sua residência, caso tivesse a sua pretensão de ocupar o comando da legenda negada. Ao fim da semana, o jogo de cena de Serra ficou evidente. No meio político, a conclusão foi de que Campos acabou sendo usado pelo ex-governador de São Paulo em sua tentativa de ganhar musculatura política na disputa interna do PSDB. A articulação, porém, não gerou o efeito acalentado por Serra. No ninho tucano a convicção, agora, é de que, se Serra já detinha poucos aliados, seus movimentos recentes o isolaram ainda mais. “Essa estratégia desagregadora do Serra de fazer valer seus interesses já cansou até aqueles que sempre foram fiéis a ele”, desabafou à ISTOÉ um dirigente tucano.
Aborto: está na hora de o Brasil encarar esse tema
Em decisão inédita, o Conselho Federal de Medicina defende o aborto até três meses de gestação e reacende o debate de uma questão que perturba a sociedade. Abortar, no Brasil, é um crime previsto no Código Penal Brasileiro, datado de 1940 e em processo de reforma. O ato só é permitido em casos de gestação resultante de estupro, gestação de anencéfalos e quando há risco de vida da mãe. Na semana passada, o Conselho Federal de Medicina (CFM) deu um passo histórico para que o País avance nas discussões sobre o tema. Em decisão inédita, a entidade, que representa 400 mil médicos, anunciou na quinta-feira 21 que enviará à comissão especial do Senado que analisa as reformas no Código Penal um parecer no qual sugere a ampliação da lista de situações em que o aborto é permitido. O CFM defende que o procedimento também possa ser feito sem nenhuma penalização até a 12ª semana de gestação por vontade da mulher, se o feto tiver anomalias genéticas que inviabilizem a vida fora do útero, quando houver risco à saúde da gestante ou se a gravidez tiver sido produto do emprego não consentido de técnicas de reprodução assistida (se ela não concordou com o uso de óvulos ou espermatozoides doados, por exemplo).
A posição da entidade foi aprovada por presidentes dos 27 conselhos regionais de medicina e pela maioria dos conselheiros federais. “Defendemos o caminho da autonomia da mulher. Precisávamos dizer ao Senado a nossa posição”, disse o médico Roberto D’Ávila, presidente da entidade. O parecer endossa o conteúdo de um anteprojeto de texto para o novo Código Penal preparado por especialistas e advogados e encaminhado ao Senado no ano passado. A entidade, porém, avançou em pelo menos dois pontos: na sugestão do anteprojeto, a mulher teria permissão de abortar até a 12a semana de gestação apenas se apresentasse um laudo atestando falta de condições psicológicas para ter um filho. No parecer do CFM, a gestante pode interromper a gravidez até a 12a semana sem precisar de justificativa. O conselho também entende que o procedimento deve ser liberado sempre que a gravidez trouxer riscos à saúde da mulher, e não mais somente à sua vida. “Por exemplo, nos casos em que a gestação pode agravar seriamente doenças cardíacas, diabetes ou hipertensão”, explica o médico Cristião Rosas, da Federação Brasileira de Ginecologia e coordenador do Global Doctors for Choice – rede mundial de médicos que defende o acesso da mulher aos cuidados com a saúde reprodutiva.
Paraíso ameaçado
Deputados da bancada ruralista tentam aprovar a construção de uma estrada no meio de uma reserva de Mata Atlântica e abrem a temporada de caça aos Parques Nacionais. O que no início era uma contenda regional se transformou em mais uma bandeira da bancada ruralista no Congresso e agora ameaça um Patrimônio Natural da Humanidade. Trata-se da chamada Estrada do Colono, um caminho que ligava as cidades de Serranópolis do Iguaçu e Capanema, no sudoeste do Paraná. Aberta no começo do século XX, a passagem cortava o Parque Nacional do Iguaçu, criado em 1939. O trecho, que era uma trilha, se transformou em estrada de terra nos anos 50 e quase foi asfaltado três décadas depois. Foi então que a administração do parque percebeu que a movimentação de veículos e pessoas poderia ser nociva para animais e plantas. Começava então um jogo de fecha e abre entre as autoridades. A estrada foi oficialmente fechada pelo governo federal em 2001. Isso não impediu várias ações na Justiça para reabrir a passagem. Neste ano, a disputa chegou à Câmara dos Deputados.
Um projeto de lei do deputado federal Assis do Couto (PT/PR), presidente da Frente Parlamentar da Agricultura Familiar e membro da bancada ruralista, prevê a reabertura do trecho. “Aquele é um caminho ancestral e foi usado inclusive pela Coluna Prestes. E, além disso, o que queremos fazer é uma estrada ecológica. Queremos estabelecer uma ligação entre as pessoas e o meio ambiente”, diz o autor do projeto. Ambientalistas e a administração do parque não pensam da mesma maneira. “Aquela área não tem atrativos turísticos, é só uma região de mata extremamente isolada. Não se trata de uma estrada-parque, mas uma estrada no parque”, diz o diretor de políticas públicas da organização SOS Mata Atlântica, Mário Mantovani. A escritora e ex-conselheira da entidade Teresa Urban acompanha a polêmica há anos e se preocupa com o futuro de outros parques nacionais. “A criação do termo estrada-parque, como prevê o projeto, é uma mudança na legislação que regulamenta todas as unidades de conservação do País. Com isso, não há um risco iminente só para Iguaçu, mas para todos os parques nacionais”, defende.
996 mortos
Esse é o número de pessoas que perderam a vida por causa das chuvas na região serrana nos últimos cinco anos. Ao fornecer luz, água e asfalto em áreas de risco, as autoridades dão falsa sensação de segurança. José de Oliveira Rocha, o seu Zezinho, jardineiro de 59 anos, parece um clone invertido de Fabiano, o retirante nordestino do romance “Vidas Secas”, de Graciliano Ramos. Enquanto o personagem fictício tenta sobreviver à seca, seu Zezinho luta contra o excesso d’água que insiste em inundar as casas nas quais ele mora, na região serrana do Rio de Janeiro. “Em 1988, minha casa era novinha, eu mesmo construí, mas veio um deslizamento de terra e destruiu tudo. Chorei de alegria porque não morri. De lá para cá, mudei três vezes para fugir das desgraças”, afirmou, desta vez chorando de tristeza por ter perdido sete vizinhos na tragédia. Bastaria aos governantes, de todas as esferas, conversar com o seu Zezinho para entender que a desgraça que acomete Petrópolis, onde ele mora e cujos deslizamentos mataram 33 pessoas na semana passada, não é um episódio deste ano. É de todos. Nos últimos cinco anos, quase mil pessoas perderam a vida na região serrana do Rio em deslizamentos causados pela chuva. O enredo é o mesmo, mudam apenas os nomes dos mortos e os dos que sobrevivem para chorar as perdas.
Desta vez, o pior aconteceu no bairro Independência, o mais populoso da cidade imperial, atingida por forte chuva seguida de desabamentos de encosta, na madrugada da segunda-feira 18. Três dos sete vizinhos mortos são a filha e dois netos do pedreiro Jamil Luminato, 53 anos, outra testemunha do descaso que se repete. Em 1981, ele estampou a capa do “Jornal do Brasil” carregando um bebê morto, no mesmo bairro. Trinta e dois anos depois, Luminato enterrou a filha de 30 anos e dois netos, de 2 e 4 anos, vítimas de deslizamentos, no mesmo lugar. A existência de moradias em áreas de risco é o grande problema a ser enfrentado. E o poder público tem muita responsabilidade pela situação atual. “Os políticos, de modo geral, acabam estimulando a ocupação irregular”, admite, meio constrangido, o presidente da Câmara de Vereadores de Petrópolis, Paulo Igor. “Quando se colocam água, luz e pavimentação em uma área, passa-se a impressão para o morador de que ele está seguro.”
O drama dos brasileiros presos na Bolívia
Esquecidos pelo governo, os torcedores corintianos são torturados na prisão em Oruro e sofrem com a chantagem de bolivianos, que querem dinheiro para libertá-los. Na Inglaterra do século XVIII, uma forma de tortura assombrava os prisioneiros. Quando nevava ou chovia forte, eles eram obrigados a passar as madrugadas ao relento, distantes uns dos outros para evitar que se aquecessem, e completamente nus. Na Bolívia do século XXI, seis brasileiros foram arrancados, durante a noite, de suas celas na Penitenciária de San Pedro, em Oruro, levados ao pátio aberto e forçados a tirar a roupa. Ficaram assim durante 30 minutos e a uma temperatura próxima de zero grau. Nos gulags, os campos de confinamento de presos políticos erguidos na União Soviética de meados do século passado, os detentos rebeldes eram trancafiados em um quarto escuro, sem janela e banheiro, e ali ficavam vários dias em meio a fezes e restos de alimentos. Na Bolívia do século XXI, alguns brasileiros foram levados para um cárcere – o “calabouço”, como os guardas chamam esse lugar – sem acesso a luz natural e desprovido de vaso sanitário, e lá permaneceram até que alguém achasse que o castigo era suficiente.
Tudo isso é grave, tudo isso é bárbaro, mas a afronta que remete a um passado sombrio é ainda mais repulsiva diante da quase certeza de inocência dos brasileiros. Eles são os 12 corintianos detidos sob a suspeita de participação na morte de Kevin Beltrán Espada, o adolescente boliviano de 14 anos que foi atingido, há pouco mais de um mês, por um sinalizador quando via uma partida de futebol. Provas inequívocas, porém, revelam que as suspeitas não têm cabimento. A polícia boliviana já possui elementos suficientes para confirmar a ausência de culpa da maioria dos corintianos presos em Oruro. Se é assim, por que eles continuam detidos? Por que estão sendo torturados? Por que foram abandonados pela diplomacia brasileira? Por que o Brasil virou as costas para eles?
Na cama com Kennedy
Aos 69 anos, Mimi Alford, que na juventude foi estagiária na Casa Branca, conta nos moldes de literatura erótica a sua relação com o ex-presidente dos EUA. Mimi Alford é uma senhora americana de 69 anos e sete netos. Acaba de lançar o seu primeiro livro no qual se lê em um de seus trechos: “Notei que ele se aproximava cada vez mais. Podia sentir a sua respiração no meu pescoço (…)
Ele estava bem na minha frente (…) colocou suas mãos nos meus ombros e me guiou em direção à beira da cama. Lentamente, desabotoou a parte de cima de meu vestido (…) ele pressentiu que era a minha primeira vez (…).” A escrita segue por esse caminho, e dá para o leitor imaginar por onde vai e para onde vai. Há, no entanto, uma dobra no lençol da história que põe a nu o motivo do sucesso que o livro vem fazendo junto ao público e à crítica de todos os EUA. Mimi não é uma autora que descobriu, somente agora, septuagenária, o seu talento para a ficção erótica, nem se trata de uma velhinha assanhada. Ela é o arquivo, em primeira pessoa, daquilo que até recentemente era o mais enterrado segredo de alcova do ex-presidente americano John Kennedy, assassinado em 1963 aos 46 anos. Durante 18 meses ela foi amante do presidente, e na maioria das vezes ele se relacionou sexualmente com ela, durante o dia, sob os lençóis que na noite anterior dividira com a então primeira-dama Jackie Kennedy. Detalhe da obra: “o presidente nunca beijou na boca”.
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