Nunca fui frequentador de estádios. Dá para contar nos dedos o número de vezes que fui ver algum jogo dos times da “elite” nacional. Vi de perto somente uma vez a seleção brasileira, foi aqui em Curitiba no antigo Pinheirão. Fui nem tanto para ver a seleção jogar, mas para protestar. O Brasil jogava contra o Chile e fui com faixas para protestar contra a ditadura de Pinochet. Não fomos para vaiar a seleção chilena, mas sim numa tentativa de que as nossas faixas de protestos contra a ditadura e o ditador fossem vistas e lidas no Chile. Por isso, nos postamos atrás do gol defendido pelo goleiro chileno. Achamos que o Brasil atacaria mais e a possibilidade da faixa ser lida seria maior.
Já fui ao estádio para protestar, nunca para proferir os palavrões que foram ditos à presidenta Dilma. No mínimo, o que fizeram foi falta de educação.
Frequentei, sim, muitos campos de futebol amador, como jogador e/ou como torcedor. Vi, tanto dentro como fora de campo, várias brigas e algumas delas por alguém ter chamado o outro de “filha da puta”. Xingamento intolerável pelos rincões deste Brasil afora. Essa curta frase era sem dúvida a razão para o primeiro tapa.
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Na abertura da Copa do Mundo, no Itaquerão, a nossa presidenta Dilma foi xingada com frases e palavras que se fossem ditas ao redor dos campos de futebol amador seriam razão para um entrevero. Ela foi xingada e muitos de nós nos sentimos xingados. Eu fui um. Ela, como muitos, engoliu a seco e agora estamos, como é do nosso costume, de cara limpa, protestando como sempre fizemos, educadamente, contra aqueles que construíram o ódio para a coisa chegar aonde chegou.
Ninguém tem o número de discursos feitos contra o PT, a Dilma, a Copa do Mundo e o Brasil. Ocorreram discursos no Congresso Nacional, nas assembleias legislativas e acredito que em muitas câmaras de vereadores. Construíram-se longos editoriais nos jornais, revistas semanais e TVs. Construíram-se artigos e matérias mentirosas e caluniosas na maioria desses órgãos. Por mais de ano, construíram o ódio contra o PT, contra Dilma, Lula, a Copa e o Brasil. O que ocorreu no Itaquerão é resultado dessa construção.
Em 1970, tínhamos uma ditadura militar no Brasil. Os ditadores perseguiam, prendiam, exilavam e matavam e, no entanto, a mídia, a mesma que agora constrói o ódio contra a democracia, apoiava a ditadura e a seleção. Estimularam e nas ruas todos cantavam: “Noventa milhões em ação/Pra frente, Brasil/Do meu coração./ Todos juntos vamos/ Pra frente, Brasil/ Salve a Seleção”.
PublicidadeEsse “hino” da Copa passou a ser cantado nas rádios, TVs e nas ruas. O Brasil virou uma imensa torcida.
Abro um parêntese: esse período da (ditadura) Copa de 1970 está muito bem retratado no filme Pra frente, Brasil, com Reginaldo Faria e direção e roteiro de Roberto Farias. Aconselho às novas gerações e a quem não viu que o assistam, para verem o que a elite branca do nosso país fazia. No passado, usavam a Copa para mascarar ou defender uma ditadura. Agora, usam a democracia para demonstrar saudades ou quem sabe pedir de volta a ditadura.
Nós, que estávamos em liberdade, fomos todos para a rua. Cada jogo era uma festa. Cada vitória, a festa entrava noite adentro. Os que estavam na cadeia por lutar contra a ditadura e pela democracia torciam com igual fervor. Como escreveu a presidenta Dilma: “Em 1970, eu estava na cadeia. Naquela época, havia segmentos que diziam: ‘Se você torcer pelo Brasil, você estará fortalecendo a ditadura’. Isso era uma sandice. Para mim, esse dilema nunca existiu”.
De acordo com o Houaiss, sandice é 1) qualidade ou caráter de quem age ou fala como um tolo ou como um simplório; 2) ato, dito ou afirmação que traduz ignorância ou falta de inteligência; disparate, tolice, necedade, parvoíce; 3) dito, pensamento ou ação a que falta lógica, nexo, ou está fora da realidade; contrassenso, loucura; e 3.1) debilidade mental associada à idade; senilidade.
A sandice estava na área VIP do Itaquerão.
Também estou preparado para ler as sandices que porventura venham a ser escritas aqui neste espaço.
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