Quanto mais a crise se agrava, mais se fala na necessidade de uma reforma política capaz de erguer um dique à avalanche de corrupção que permeia instituições em todos os níveis, com ramificações no empresariado, nos partidos e nos governos. “A reforma política é a reforma das reformas, é a mãe de todas as reformas, é a única reforma saneadora”, repete-se como um mantra que não aceita contestação. Vem sendo vendida como panaceia absolutas para todos os delitos éticos e morais. Como se a mudança na forma obrasse o milagre de alterar o conteúdo.
O diabo é que os camelôs da panaceia estão falando uma língua, e o distinto público, outra. Porque a reforma política tratada nos parlamentos é apenas a mudança formal das instituições eleitorais. Deveria inclusive ser tratada pelo nome correto – reforma eleitoral -, pois desta é que efetivamente se cuida. E que vai desde sugestões para aperfeiçoar o formato das eleições – proibição de doações eleitorais por empresas, voto direto ou indireto, adoção ou não do voto distrital puro ou misto, voto proporcional, voto em lista etc – até a reforma do próprio sistema político com eventual implantação do parlamentarismo, redução dos poderes do Executivo, adoção do plebiscito revogatório de mandatos e vai por aí.
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A democracia, desde que foi inventada pelos gregos, sempre teve seu funcionamento limitado à forma como é exercida. Não é, em si mesma, um modelo pronto e acabado. Lá mesmo na Grécia, onde nasceu, não havia voto secreto. E como não havia remuneração para os representantes, só os ricos ocupavam os cargos disponíveis. Qualquer semelhança com esta efusiva Ilha de Vera Cruz é mera falta de consciência. Mesmo aberto, o voto não era permitido aos escravos. Aqui, até outro dia, as mulheres e os analfabetos não tinham direito de participar de eleições.
Pode perguntar numa feira que o povão vai responder sem titubear: reforma política boa mesmo é simplesmente a reforma “do jeito de fazer política”. O povão, esse que perambula pelas ruas, que toma uma pinga enquanto fala mal do governo, que faz uma fezinha no bicho e espera a sorte grande, usa uma expressão-síntese disso tudo: que os políticos se reformem e passem a agir com mais vergonha na cara! Ou seja: o povão está se lixando pra toda a barafunda de voto distrital, plebiscito revogatório, voto em lista e lá o que seja. Acha que isso é apenas enrolação, prosa para bovinos dormitarem. Quer menos latinório e mais vergonha na cara na ação política. Simples assim.Porque arranjos político-eleitorais, formas de governo e de funcionamento das instituições existem aos montes. Cada país tem um. Mas o que importa para o povão é bem mais simples: apenas que o dinheiro dos impostos seja bem usado em prol do bem geral, e que os agentes públicos não roubem nem deixem roubar.
Entre um grito de gol e um saracoteio num samba de breque, entre um gole numa marvada pé-de-tonel e uma mordida num torresmo pingando de banha, o povão reformou a frase criada por James Carville, assessor de Bill Clinton, candidato à Casa Branca nos anos 90. Para ajudar a manter o foco, ele mandou grudar nas paredes do QG de campanha dos democratas cartazes com a frase: “É a economia, estúpido!”
PublicidadeAqui nesta ruidosa Pindorama, o povão adoraria que nos gabinetes dos palácios fosse grudado um outro cartaz, bem simples, escrito a mão, com a inscrição: “Não é reforma, estúpido! É política com vergonha na cara!”
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