Nesta entrevista ao Congresso em Foco (leia íntegra abaixo), o deputado diz considerar “muito estranho” a postura de partidos que, mesmo após Cunha e familiares terem sido apontados como beneficiários finais de contas bancárias secretas na Suíça, ainda defendem a permanência do peemedebista na presidência da Casa. “Se existe um caso em que há documentos, em que há provas claras que ensejam a abertura de um processo por quebra de decoro, este caso é o do deputado Eduardo Cunha. Não há nada mais claro hoje, no Brasil, em relação a alguém que tenha mandato”, declara.
Após 16 anos filiado ao PT, Molon deixou o partido quando avaliou que não conseguiria estabelecer uma nova forma de conquistar a tão sonhada governabilidade, em sua opinião ancorada “na soberania popular”. Para o deputado, a legenda está contaminada por vícios de uma política “superada”. “Não estou conseguindo perceber no PT esse desejo de virar essas páginas para avançar em direção ao seu futuro. O PT ainda é refém do seu passado”, arremata.
Leia a entrevista completa:
Congresso em Foco: Como será a atuação da Rede?
Alessandro Molon: Nós estamos muito animados com a possibilidade de construir uma alternativa política para o Brasil. A gente percebe uma grande demanda da sociedade brasileira por um partido progressista, comprometido com a justiça social, com o fortalecimento da democracia brasileira, com o desenvolvimento sustentável, acho que é uma grande demanda do Brasil por isso. A Rede pretende ser essa alternativa, ocupar esse espaço. Então é um motivo de grande animo para gente essa possibilidade, é uma aposta que estamos fazendo na construção dessa alternativa com a sociedade brasileira. Eu estou muito animado por fazer parte disso e por estar contribuindo para isso neste começo de caminhada.
Por que a Rede?
Ela é o resultado de um acúmulo de lutas em várias frentes, especificamente na luta pela sustentabilidade, e isso para nós é uma construção. A Rede não está pronta, nós estamos construindo a Rede. O próprio nome é de uma ideia de uma rede que vai sendo tecida, em que cada um é um ponto, um nó que junta e que soma. Essa é a concepção da gente. Muita gente me que pergunta: “Por quais feitos da Rede vocês decidiram essa mudança?” Nós estamos decidindo essa mudança por uma crença na Rede. E também porque temos um grande respeito pelas histórias, pela trajetória e pelas lutas da Marina Silva. Ela é a grande liderança da Rede, uma pessoa muito comprometida com a justiça social, com a democracia brasileira e com a sustentabilidade.
Marina apoiou Aécio Neves no segundo turno, em 2014. Na ocasião, o senhor estava no PT. A possibilidade de que ela volte a apoiar, agora em 2018, um candidato contrário às bandeiras petistas históricas lhe causaria constrangimento?
Eu tenho convicção que nas próximas eleições a Marina Silva vai estar no segundo turno. Então esse não será um dilema para a Rede nas próximas eleições, porque a Rede vai para o segundo turno e no meu entendimento há uma grande possibilidade de vitória em 2018. Justamente porque o Brasil começou a perceber que é preciso dar um passo além. Não é possível mais permanecer com um país tão dividido. Acho que estamos enfrentando um momento muito difícil no Brasil no ponto de vista do diálogo político, da construção de pontes. A gente está vendo muitas rupturas, muita intolerância, muito ódio no cenário político brasileiro. A Rede pode e deve ser esse espaço de encontro, de diálogo e de construção de consensos. A Marina representa muito isso, a capacidade de dialogar com todas as forças políticas brasileiras, aproveitar o que elas têm de melhor e convocar o Brasil para essa união que a gente precisa para superar as dificuldades que o país está enfrentando.
Os parlamentares que migraram para a Rede vêm de diversos partidos. Na Câmara, o senhor vem do PT, mas há uma deputada que era do PPS, dois que eram do PCdoB, um do Pros e, no Senado, um egresso do Psol. Diante de tanta pluralidade, a Rede pode ser considerada ideologicamente consolidada?
Eu acredito que sim. Nós todos lemos e analisamos o manifesto da Rede. Os enunciados das ideias e chaves-mestra da Rede. Isso nos une. Os parlamentares que vieram para Rede vieram trazendo o que eles têm de melhor, seus sonhos, seus ideais de construir uma nova forma de fazer política no Brasil. Isso nos une também. Superar os vícios do sistema político, virar a página de um parlamento que não tem conseguido honrar com as expectativas da sociedade brasileira, a forma de garantir governabilidade que não é a que o Brasil quer. Então acredito que nós vamos conseguir construir essa unidade ideológica em cima dos valores que estão presentes no manifesto, em cima desse desejo de uma nova forma de fazer política e em torno também dessa figura emblemática que é a Marina Silva.
Essa governabilidade a que o senhor se refere é o chamado “toma-lá-da-cá” exposto com a reforma ministerial e as atuais negociações entre Planalto e Legislativo?
Essa forma de governabilidade que está superada é a que vem marcando o Brasil nos últimos 30, 40 anos. Ela não é recente. Ela já é uma forma antiga e já vencida de garantir governabilidade, é o mais do mesmo. Eu acho que o que o Brasil espera e quer é uma governabilidade ancorada nos sonhos, nos desejos e nos pleitos da sociedade brasileira. Uma governabilidade ancorada na soberania popular. Não em interesses menores, da troca, que o Brasil não suporta mais, que sangra os cofres públicos. Justamente porque essa forma vencida é dominada por esses vícios de pensar os espaços de poder como espaços que podem ser usados para beneficiar alguns poucos grupos e não o povo brasileiro. A população não quer mais isso.
O senhor não via mais caminhos para construir essa nova forma de governabilidade dentro do PT?
Em primeiro lugar, eu olho para essa história recente do Brasil e para a minha história do PT também e tenho muito orgulho de tudo que eu fiz dentro do PT e através do PT. Nesses 13 anos de vida pública, eu procurei oferecer para o país e honrar o PT com o meu trabalho. No meu entendimento, o PT está enfrentando uma dificuldade de virar algumas páginas da sua história. O PT está refém do seu passado e de erros cometidos por alguns dos seus. O PT não está conseguindo fazer uma autocrítica de que esses erros não podem ser repetidos, que é preciso tomar as medidas x, y e z para que esses erros não voltem a ser cometidos. Eu lutei tudo que eu pude para que isso fosse feito, levei propostas ao 5º Congresso do PT em Salvador. Propostas essas apoiadas por 35 dos 63 deputados do PT, portanto, por mais da metade da bancada e nenhuma delas foi aprovada no congresso. Portanto, eu não estou conseguindo perceber no PT esse desejo de virar essas páginas para avançar em direção ao seu futuro. O PT ainda é refém do seu passado. Eu digo isso com tristeza, porque eu considero o PT um partido muito importante para a democracia brasileira. Eu espero que isso mude, porque seria importante para o partido, para a militância e para o Brasil. Agora, como não percebo isso no horizonte próximo, pelo menos, eu decidi tentar construir essa alternativa na Rede. Vou me dedicar de corpo e alma para transformar a Rede na melhor alternativa política do Brasil.
Quando o senhor olha toda a bancada do PT, com pessoas de forte significado na militância do partido, sente como se tivesse abandonado o barco?
Ao contrário. Eu acho que muita gente no PT entende que é preciso construir outras alternativas com o povo brasileiro, alternativas que representem a possibilidade de levar sonhos e ideias adiante, sonhos que estão presentes em muitas pessoas do PT. A militância do PT tem muitas qualidades, muita gente boa e aguerrida, que sonha por um Brasil melhor e continua lutando por isso. Eu respeito quem entende dessa forma. Eu entendo que não tem uma única forma de ver esse cenário, essa é a minha forma de ver esse cenário. Mas eu respeito quem vê diferente. Eu acho que o mais importante são os sonhos e ideias, que sejam levados adiante. As siglas partidárias são mediações, são meios. Não são fins. Toda vez que a gente transforma meio em fim, comete um erro grave, porque absolutiza algo que é relativo, algo que é absolutamente passageiro. Assim são os partidos, são meios. As bandeiras que são importantes. Eu tenho certeza que todo mundo que tem essa clareza, que tem apego e amor aos sonhos e não às siglas, sabe que o mais importante é que a gente consiga garantir que esses sonhos sigam avante, que sejam realizados. Não importa por quem seja. Eu vejo esse olhar de grandeza em muita gente que permanece no PT e entende a minha opção. Assim como eu respeito quem permanece lá, acreditando que ainda devem travar o combate lá dentro. Uma visão válida e respeitável.
A Rede entregou, junto com o Psol, um pedido de cassação ao Conselho de Ética da Casa. O senhor acha que o parecer vai ser pela cassação? Como vocês pretendem agir em relação a Eduardo Cunha?
Com a mesma firmeza que a levou a ser um dos dois únicos partidos que assinaram a representação. Portanto, o partido que tem a coragem de assinar uma representação dessa vai levar essa luta até onde for necessário, até que seja vencida. Quem imagina que é possível parar esse processo não está entendendo o que está acontecendo no Brasil. A sociedade brasileira não aceita mais isso. Se o Parlamento tentar engavetar essa representação e impedir que a justiça seja feita, vai ver a sociedade brasileira se levantar contra o Parlamento. Vai ser muito ruim, porque a credibilidade do Congresso Nacional já é muito baixa, basta pegar qualquer pesquisa de opinião. Ela vai se tornar ainda pior se tentarem engavetar isso aqui, seja por parte de quem for. Espero que não se tente engavetar, porque se isso for tentado vai ser pior para o Congresso Nacional. A representação tem que avançar, a sociedade brasileira espera isso da Câmara, dos deputados.
E como o senhor avalia a relação do governo com Eduardo Cunha?
Eu diria que o deputado Eduardo Cunha faz acenos ora para oposição, ora para o governo, preocupado única e exclusivamente em quem pode poderia salvá-lo. Eu percebo que tanto um lado quanto o outro também fazem a mesma reflexão: se é possível um acordo com ele para conseguir o que desejam. Se isso significar um acordo do governo com o deputado Eduardo Cunha afeta gravemente a imagem do governo. Da mesma forma que a oposição, toda vez que se nega a ter uma postura clara em relação à responsabilização do deputado Eduardo Cunha desmoraliza o seu discurso de luta contra a corrupção e ética na política. Essa é uma bandeira que os partidos de oposição que defendem Eduardo Cunha não podem mais levantar. Se existe um caso que há documentos, que há provas claras que ensejam a abertura de um processo por quebra de decoro, este caso é o do deputado Eduardo Cunha. Não há nada mais claro hoje no Brasil em relação a alguém que tenha mandato. No entanto, esses partidos têm dito que precisa aguardam mais provas. Quais outras além de conta em nome do deputado e seus familiares, estando como beneficiários, que teria pago despesas pessoais? Que mais do que isso se espera pra que se tenha uma posição clara? Não há nada além disso a ser trazido à tona. Portanto, é muito estranho que esses partidos insistam em proteger o deputado Eduardo Cunha e ainda ousem falar de corrupção e ética na política.
O senhor acha que Dilma termina o mandato? É grande a chance de impeachment?
Honestamente, eu não acredito que haja qualquer chance de o pedido de impeachment prosperar. Eu vejo com preocupação esse momento em que o Brasil gira em torno desse tema, enquanto a crise econômica se agrava e o Brasil não consegue pensar em implementar mudanças para superar. Acho que a população brasileira merece uma atenção e responsabilidade maior. Eu estou vendo uma série de votações sendo feitas que colocam em último lugar o povo brasileiro. Gente que vota contra ou a favor de matérias única e exclusivamente pensando em prejudicar a economia para derrubar o governo, ou mudar de assunto para passar logo para o próximo tema, sem se preocupar se isso é bom ou ruim para a população. Essa responsabilidade está faltando para a Câmara dos Deputados, em especial.
O ex-ministro José Dirceu foi um dos protagonistas da luta contra a ditadura ditadura militar. Ele era tido como uma pessoa de ética e moral ilibada e, de repente, ficou no centro do mensalão e da Operação Lava Jato. Tendo esse caso como exemplo, o senhor acredita que o poder corrompe ou só revela quem já estava corrompido?
No geral, o poder acaba dando a oportunidade para que desejos, vícios ou limitações das pessoas se revelem. Embora eu não descarte que ocorra o inverso, que alguém chegue com boas intenções e acabe se perdendo. Mas acho que, em regra, a corrupção é anterior ao próprio exercício do poder. Normalmente a corrupção começa nos planos, nos projetos. Antes dos atos de corrupção, as ideias vão se corrompendo.