O procurador-geral da República, Antonio Fernando Souza, e os procuradores que atuam no caso Gtech – que envolve a polêmica renovação de contrato, no valor de R$ 650 milhões, entre a multinacional de processamento de loterias e a Caixa Econômica Federal (CEF) – terão de dar explicações sobre o andamento das investigações ao Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) ainda este mês.
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Saint’Clair atendeu a um pedido de providências aprovado no último dia 7 de março, na 5ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, movido pelo subprocurador da República, Moacir Guimarães Morais Filho.
O subprocurador questiona o andamento das investigações lembrando que há um ano e quatro meses a CPI dos Bingos pediu o indiciamento de 34 pessoas, da própria Gtech e de duas outras empresas envolvidas com o caso. Mas, até o momento, apenas 22 foram indiciadas em ações anteriores aos trabalhos da comissão de inquérito do Senado.
Fusão aprovada
Moacir Guimarães também acredita que o MPF deveria ter contestado a fusão da Gtech, no Brasil, com a editora Planeta De Agostini. Esse questionamento também será feito pelo CNMP ao procurador-geral da República.
A fusão foi aprovada pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), órgão vinculado ao Ministério da Justiça que tem como principal atribuição zelar pela livre concorrência, em julho de 2006.
Procurada pela reportagem, as assessorias da PGR e da Procuradoria da República no DF preferiram não se manifestar sobre o assunto.
A editora Planeta de Agostini distribui no Brasil obras colecionáveis em bancas de jornais e é braço editorial do grupo italiano De Agostini, também dono da Lottomatica S.P.A, a maior corporação do setor de loterias.
No final de
Por causa do tamanho dos negócios envolvidos, a fusão teve de ser aprovada pelo governo brasileiro. No seu ano fiscal terminado em 26 fevereiro de
A diretora de marketing da editora Planeta De Agostini, Cristina Silva, informou a este site que até agora a empresa, pelo menos no Brasil, não foi comunicada sobre a fusão com a Gtech. “Nossa operação é completamente independente da Gtech. Não há nenhuma atividade comercial com essa empresa no Brasil”, diz a diretora da editora.
A reportagem procurou o representante da Gtech no Brasil, o advogado José Meirelles, que atua
“Antes de analisar as condutas precisamos saber se o tema está relacionado com a atividade fim dos procuradores, como a análise correta das provas colhidas até agora sobre o caso”, disse Saint’Clair ao Congresso em Foco.
O Conselho Nacional do Ministério Público também determinou que o MPF apresente, em 15 dias, cópias das ações e dos documentos reunidos sobre o suposto tráfico de influência para a renovação do contrato entre a Caixa a Gtech. A renovação ocorreu no quarto mês do primeiro mandato do presidente Lula.
Provas made in USA
Como este site publicou com exclusividade no dia 2 de dezembro do ano passado (leia mais) – matéria que serviu de base para o pedido de providência do subprocurador Moacir Guimarães – a procuradora Lívia Tinoco Nascimento, da Procuradoria da República no Distrito Federal (PR-DF), já reuniu dados que comprovariam o pagamento de propinas no Brasil, pela Gtech, em troca da renovação do contrato por mais 25 meses, em abril de 2003.
Os documentos em poder da procuradora seriam os mesmos que a CPI dos Bingos pediu às autoridades norte-americanas, mas que não foram repassados aos senadores antes da aprovação do relatório final, em junho de 2006.
A entrega desse material à procuradora federal e à Polícia Federal foi acertado, no final de 2005, em reuniões entre representantes do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI), órgão do Ministério da Justiça, e a Securities Exchange Comission, SEC, autarquia que fiscaliza o mercado de ações norte-americano (é o equivalente à Comissão de Valores Mobiliários – CVM – brasileira).
Uma das provas seria a mesma que integrantes da CPI do Senado conseguiram informalmente: a comprovação de que os contatos da Gtech no Brasil para renovar o contrato com a Caixa teriam ocorrido ainda no governo Fernando Henrique Cardoso. É o que diz trecho do relatório da CPI onde são citados dois e-mails:
“E-mail emitido em 27 de agosto de 2002 pelo Sr. Marcos Tadeu Andrade para o Sr. Antônio Carlos Lino da Rocha comprova que desde aquela época a Gtech já negociava com Waldomiro Diniz por intermédio de Carlos Augusto Ramos. Outro e-mail, emitido em 09 de dezembro de 2002, por Marcelo Rovai para Ann Snell, ratifica o entendimento firmado no relatório parcial de que a Gtech endureceu as negociações com a equipe anterior da CEF porque sabia que teria melhores condições de negociação no governo atual”.
Ecos da CPI dos Bingos
Apesar do pedido da CPI, não foram denunciados ainda pelo MPF à Justiça, entre outros, o ex-presidente da Caixa Jorge Mattoso (2003-2006), três ex-assessores do ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci – Ademirson Ariovaldo da Silva, Wladimir Poletto e Rogério Buratti –, o ex-sub-chefe de Assuntos Parlamentares da Casa Civil Waldomiro Diniz e o empresário de jogos Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira.
Andrade e Lino da Rocha, citados no trecho do relatório da CPI, eram os principais executivos da Gtech no Brasil e os responsáveis diretos pela negociação com a Caixa no Brasil. Waldomiro e Carlinhos Cachoeira são personagens mais conhecidos do público brasileiro, por terem protagonizado o primeiro grande escândalo do governo Lula.
É extenso o rol dos crimes atribuídos aos denunciados pela CPI dos Bingos: formação de quadrilha, corrupção passiva, prevaricação, improbidade administrativa e crime contra o procedimento licitatório.
Entre os 22 indiciados pelo Ministério Público, estão ex-presidentes e ex-diretores da Caixa Econômica nomeados durante o governo Fernando Henrique Cardoso que já respondiam a ações na Justiça Federal em Brasília.
O relator da CPI dos Bingos, senador Garibaldi Alves Filho (PMDB-RN), afirma que os elementos levantados pela comissão de inquérito são “mais que suficientes” para que o Ministério Público proponha o indiciamento dos responsáveis pela renovação do contrato da Gtech ocorrida em 2003.
“Além disso, temos conhecimento de documentos complementares obtidos pelo MP junto a autoridades norte-americanas que são ainda mais comprometedores. Espero que o MP e a PF concluam as investigações o mais rápido possível para aplacar o sentimento de impunidade”, pede o senador potiguar.
O presidente da CPI, senador Efraim Morais (DEM-PB), também diz que as provas levantadas na comissão parlamentar de inquérito não podem ser perdidas com o tempo. “Não posso determinar prazos à Justiça Federal, mas se o integrante do Ministério Público está pedindo providências vamos se associar a ele”, afirma Morais.
Guerra jurídica
Esta não é a primeira vez que o subprocurador da República questiona as ações do governo e do próprio MPF no caso. Em depoimento à CPI dos Bingos no dia 27 de abril de 2006, Moacir Guimarães apresentou mais indícios de que houve tráfico de influência para a renovação do contrato de prestação de serviços para a exploração de loterias entre a (CEF) e a Gtech, em abril de 2003.
“Esperamos que os documentos dos Estados Unidos apareçam para fundamentar as denúncias não produzidas até agora. O procurador-geral também tem que explicar no CNMP por que o caso permanece na primeira instância, pois ele já poderia ter questionado os diretores da Caixa e da Advocacia-Geral da União (AGU)”, afirma o subprocurador Moacir Guimarães.
No final de 2002, Moacir Guimarães foi nomeado para atuar numa ação no Superior Tribunal de Justiça (STJ) que proibia a Caixa de realizar pregões eletrônicos para substituir a Gtech no processamento de loterias.
No dia 5 de dezembro de 2002, o subprocurador apresentou um parecer demonstrando que a continuidade do monopólio do contrato com a Gtech “significava um grande prejuízo para a CEF e para a União, motivo pelo qual o pregão seria a forma mais econômica de fracionar a licitação desse serviço.”
O então presidente do STJ, conforme narra o relatório final da CPI dos Bingos, ministro Nilson Naves, em decisão monocrática, não atendeu ao pedido. O subprocurador esperava que a União entrasse com recurso de agravo da decisão do presidente para o Plenário da Corte Especial, o que acabou não ocorrendo.
O subprocurador-geral afirmou aos senadores ter estranhado o fato de não ter sido sequer procurado por advogados da União ou da CEF. O agravo, medida jurídica que deveria contestar a decisão do ministro do STJ, poderia ter colocado o caso em julgamento logo em seguida. “Mas pela omissão da AGU e da CEF, o julgamento do mérito só acabou ocorrendo em 18 de agosto de 2004, um ano e meio depois”, narra o relatório da CPI a partir das informações prestadas pelos subprocurador da República.
“O Sr. Moacir Guimarães Morais Filho deixa claro em seu depoimento que acredita ter havido influência externa para que ocorresse a omissão da Advocacia da União e da CEF”, completa o relatório da CPI. Pelo ofício n.º 006/2006-MGMF no dia 1º de fevereiro de 2006, Moacir pedia providências do procurador-Geral da República sobre os fatos ocorridos na ação que tramitou no STJ.
Segundo o subprocurador, a resposta do procurador-geral, Antônio Fernando Souza, pedia apenas que ele nomeasse quais seriam as pessoas envolvidas com as denúncias. De lá pra cá, nenhuma nova informação teria sido apresentada sobre o caso.
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