Segundo o MPF, o mentor do esquema de fraudes era o vice-presidente de Renda Fixa da Latam, Fabrizio Dulcetti Neves. Outra peça-chave era o então presidente do Postalis, Alexej Predtechensky, também denunciado por participação nas fraudes (leia mais sobre o esquema abaixo).
O MPF aponta a prática de organização criminosa, gestão fraudulenta, apropriação ilegal de recursos financeiros e indução de investidores a erro. Duas corretoras são apontadas como operadoras do esquema de negociação dos títulos: Latam Investments LLC e Delta Equity Services Corporation, ambas com sede nos Estados Unidos. Ambas compravam títulos no mercado internacional a preços regulares e os revendiam aos fundos ligados ao Postalis, cobrando valores muito acima dos preços reais.
Combinado a outros tipos de fraudes, o esquema culminou no atual rombo de R$ 4,09 bilhões nos fundos de pensão, de acordo com os dados do Plano de Equacionamento do Déficit 2014 aprovado em março deste ano. O desfalque fez com que os servidores dos Correios beneficiários do plano de previdência, assim como aposentados e pensionistas, estejam desde maio bancando uma cobrança extraordinária de 17,92%, desconto que poderá ser aplicado até julho de 2039 no contracheque.
Offshores no exterior
Apontado como mentor do esquema, o ex-voce da Latam Fabrizio Dulcetti Neves, no Brasil, era sócio majoritário da Atlântica Administração de Recursos, companhia com sede em São Paulo que gerenciava dois fundos de investimento do Postalis: o Brasil Sovereign II, constituído em 2006, e o Real Sovereign, posto em funcionamento a partir de 2008. A Latam era, até 2010, a corretora contratada pela Atlântica para executar e liquidar transações no exterior, passando essa incumbência à Delta naquele ano.
PublicidadeFabrizio e seus sócios na Atlântica se valeram de offshores para operar as fraudes. Entre os sócios estão Leandro Ecker, André Barbiere Perpétuo e Cristiano Arndt (este, morto recentemente). O esquema também contou com intermediação da sogra de Fabrizio, Mercedes Monteiro, para ser consolidada. Ela também titularizava offshore envolvida em transações com os títulos adquiridos pelo Postalis.
Ainda segundo o esquema, corretoras norte-americanas compravam títulos no mercado mobiliário, a preços correntes. Em seguida, os ativos eram transferidos a empresas de fachada abertas em paraísos fiscais. Por fim, estas revendiam os títulos com preço sobrevalorizado aos fundos de investimento do Postalis.
Entre 2006 e 2009, diz o MPF, os executivos do Postalis foram contemplados com gratificações que chegaram a US$ 35,5 milhões, com base no valor excedente das transações –montante incompatível, nesta modalidade de operação financeira, com os prêmios que pagos a agentes do mercado financeiro. Autoridades norte-americanas detectaram as manobras, chegando à conclusão de que as operações visavam apenas gerar comissões (churning).
“Restou claro o objetivo fraudulento das negociações realizadas com os ativos de crédito privado no exterior, antes de seu ingresso nas carteiras dos dois fundos de investimento, inexistindo justificativa lógica ou aceitável para os aumentos exorbitantes nos preços de negociação dos títulos. Estes, ademais, redundaram em lucros substanciais a pessoas que justamente tinham o poder de influenciar as decisões de investimento dos fundos”, observou a procuradora da República Karen Louise Jeanette Kahn, autora da denúncia.
Outros denunciados
Karen Louise também denunciou o ex-presidente do Postalis Alexej Predtechensky, sob acusação de não fiscalizar nem impedir as fraudes e de receber parte do dinheiro ilícito. Predtechensky era o titular de uma das offshores envolvidas nas transações, com US$ 3,9 milhões foram depositados na conta da empresa. Outra denunciada é a esposa de Fabrizio Dulcetti, Laura Neves, e o ex-diretor financeiro do Postalis Adilson Florêncio, acusado de omissão sobre movimentação irregular de recursos. Laura, por sua vez, consta da denúncia como proprietária de ao menos uma conta bancária para depósito de operações fraudulentas.
O oitavo denunciado é José Carlos Lopes Xavier de Oliveira, administrador de carteiras da BNY Mellon, companhia que atuou junto à Atlântica para valorizar os ativos artificialmente. Entre 2008 e 2009, José Carlos foi o responsável pelo prejuízo de quase R$ 6 milhões ao Postalis na negociação de papéis emitidos pelo banco alemão Commerzbank. Os títulos, adquiridos pela Atlântica por R$ 6,2 milhões, foram vendidos meses depois por apenas R$ 300 mil.
Dívida externa
Ainda segundo o MPF, outra etapa das fraudes transcorreu entre 2010 e 2011, época em que a Atlântica vendeu toda a cota de títulos da dívida externa brasileira das carteiras para comprar ativos privados superfaturados no mercado de capitais. A negociata contraria regulamento dos fundos atrelados ao Postalis que previa investimento mínimo de 80% dos recursos em papéis dessa dívida da União, causando desfalque cerca de US$ 80 milhões ao fundo de pensão.
Os títulos comprados no esquema criminoso era referentes às dívidas da Argentina e da Venezuela. Nessa transação, a Atlântica bancou US$ 120,4 milhões nos ativos, mas os valores de emissão totalizavam pouco mais de US$ 41,3 milhões. Fabrizio Dulcetti participou de todas as fases dessa operação, revelaram as investigações.
CPI
Os desmandos na gestão do Postalis são denunciados com mais intensidade a cerca de um ano, com desdobramentos em audiências públicas no Senado e na Câmara. Foi nesta Casa que, a partir de agosto do ano passado, sob o comando do DEM, funcionou a CPI dos Fundos de Pensão, com foco nos esquemas de corrupção, além do Postalis, descobertos nos fundos de Caixa Econômica Federal (Funcef), Petrobras (Petros) e Banco do Brasil (Previ).
Em 14 de abril daquele ano, a CPI aprovou um relatório final com pedido de 353 indiciamentos de pessoas e instituições responsáveis, segundo o parecer, por um desfalque de R$ 6,6 bilhões aos quatro fundos de pensão. Desses pedidos de indiciamento, 155 são na esfera civil, 146 na penal, e 52 na área administrativa.