Mesmo com a mobilização da bancada ruralista, que reúne mais de 200 representantes na Câmara, em plena segunda-feira (27), deputados oposicionistas entraram em obstrução e conseguiram derrubar a votação da Medida Provisória (MP 793/2017), a MP do Funrural, que facilita o pagamento de dívidas de produtores rurais com a Previdência. Ao todo 309 deputados chegaram a registrar presença na Casa, mas parlamentares contrários à matéria, que perde validade amanhã (terça, 28), deixaram de marcar presença em plenário e, assim, inviabilizaram a obtenção do número mínimo de 257 votos para que o texto fosse votado. Ao final, 197 deputados marcaram seu nome no painel eletrônico, para os devidos efeitos regimentais.
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Ao decidir pela obstrução, o deputado deixa de registrar seu nome em plenário, mesmo que esteja na Câmara. O objetivo é fazer valer o número da minoria na Casa e, valendo-se da exigência regimental sobre o quórum mínimo de votações, esvaziar a deliberação plenária, impedindo-a. Com a estratégia, os parlamentares da oposição devem derrubar os efeitos da MP, que entram em vigência na data de publicação e deveria ser confirmada nas duas Casas legislativas até esta terça-feira (28). Além do impasse na Câmara, a matéria ainda teria que ser aprovada no Senado no mesmo dia, o que parece ser improvável nas atuais circunstâncias – a deliberação no afogadilho também foi criticada por deputados, além do próprio propósito da matéria.
“Hoje é o último dia de vigência para que esta medida provisória seja votada. Além de ser votada aqui, ela tem que ser votada, a toque de caixa, no Senado, sem que se discuta nada. Depois, sancionada pelo pesidente da República, sem nenhum tempo para exame. É um absurdo isso! Quem está obstruindo é o governo, que edita dezenas de medidas provisórias. É uma fábrica, uma usina de ideias deste governo que são deletérias ao povo brasileiro”, reclamou em plenário o líder do PT, Carlos Zarattini (SP).
PublicidadeUm dos líderes da bancada ruralista, Valdir Colatto (PMDB-SC) rebateu a argumentação oposicionista a respeito do conteúdo da MP. “Ninguém está pedindo anistia aqui. Estamos pedindo negociação de uma dívida por um erro do Supremo Tribunal Federal, que acabou cobrando dos nossos agricultores o indevido. As cooperativas são compostas de filiados e pequenos produtores, como em Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Paraná e no Brasil inteiro. Esses produtores vão pagar essa conta, porque as cooperativas têm que cobrar do produtor que entregou seu produto e não foi descontado o Funrural. Esta é a verdade”, defendeu o peemedebista.
Fatura
Para opositores da matéria, trata-se de uma das faturas cobradas pela bancada ruralista para salvar o presidente Michel Temer das denúncias da Procuradoria-Geral da República (PGR), algo que aconteceu em duas votações na Câmara. Além da MP 793, acusa a oposição, também constavam do pacote de negociação do governo com a base, além da liberação de emendas e distribuição de cargos, a extinção de uma reserva mineral na Amazônia (Renca), já revertida, e até uma portaria, também suspensa, que afrouxa a fiscalização do trabalho escravo. Ambas as providências beneficiavam os representantes do agronegócio no Congresso. Mas, para os defensores da MP do Funrural, a matéria apenas pretende socorrer produtores rurais em tempos de crise.
O risco em torno da medida foi adiantado por este site na última terça-feira (21). Um dos principais envolvidos na discussão da matéria disse que, mesmo diante da segunda-feira movimentada, a estratégia oposicionista deveria prevalecer. “Nós gostaríamos que tivesse uns 350, 400 deputados. Eu ainda acredito que [o plenário] não votará [a MP]”, disse ao Congresso em Foco o deputado Nilson Leitão (PSDB-MT), que preside a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), reforçando as impressões que já havia manifestado na semana passada.
Durante a sessão, um requerimento para votação nominal sobre retirada de pauta já sinalizava o encerramento da votação. Apresentado pelo deputado Glauber Braga (Psol-RJ), o pedido foi apoiado por Zarattini e pelo líder do DEM, Efraim Filho (PB) – que, apesar de governista, resolveu apoiar o procedimento regimental, que impede votações simbólicas (sem exigência de quórum). Pouco antes das 22h30, o deputado Manato (SD-ES), que presidia a sessão, anunciou a rejeição do requerimento e o início da votação nominal, levando ao encerramento dos trabalhos por falta de quórum.
No painel eletrônico, 50 deputados anunciavam obstrução de votação, inviabilizando a obtenção do número mínimo de presentes para que a MP fosse votada. A votação foi prejudicada pois 188 registraram voto pela manutenção da matéria em pauta, quando seriam necessários 257 votos. Seis deputados votaram pela retirada da pauta e três se abstiveram.
Ao todo, oito medidas provisórias constam da pauta do plenário para esta semana, das quais quatro também com risco de caducar amanhã (terça, 28) não serão discutidas em plenário e, fatalmente, deixarão de produzir efeito legal. Outras três, polêmicas, serão debatidas em outra ocasião, pois ainda contam com alguns dias de tramitação antes de perder validade.
Impacto de R$ 17 bilhões
A medida provisória tenta pôr fim a uma discussão judicial que remonta a 17 anos atrás. Em 2011, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por unanimidade, pela inconstitucionalidade da cobrança da contribuição previdenciária do trabalhador rural, recolhida pelo empregador, no valor correspondente a 2,3% da receita bruta do produtor.
Em março deste ano, porém, o STF voltou atrás e, por seis votos a cinco, considerou constitucional a cobrança prevista na legislação. Em abril, a bancada ruralista negociou o envio da MP ao Congresso, onde ela foi substancialmente alterada pela relatora, deputada Tereza Cristina (sem partido-MS). Nos termos do texto agora levado à pauta, o impacto da matéria é de R$ 17 bilhões para os cofres públicos, de acordo com estimativa da Receita Federal.
Durante a sessão de votação, Tereza Cristina também manifestou ao Congresso em Foco temor com a possibilidade de a MP não ser aprovada. “Se não houver tempo para a Câmara e o Senado aprovarem, teremos de negociar uma outra medida com o governo, porque as consequências são graves. Na verdade, estamos falando de uma dívida que os produtores consideravam que já não tinham mais”, lamentou Tereza, que pertence a uma família de ruralistas no Mato Grosso do Sul.
“Agora, ela se tornou uma dívida impagável, em razão de multas e correções. Se [os produtores] tiverem mesmo de pagar, isso vai representar quebra de empresas, desemprego e inflação de alimentos, até porque acho a estimativa da Receita conservadora. Creio que o total dessa dívida é muito maior”, acrescentou a deputada.
“Refis do agronegócio”
A medida provisória desperta grande interesse dos parlamentares e chegou a receber 745 emendas quando da tramitação na comissão especial. Com o programa de refinanciamento rural, chamado de “Refis do agronegócio”, o governo estimava uma renúncia de R$ 5,44 bilhões até 2020. Desse total, R$ 1,87 bilhão apenas no próximo ano.
* Colaboraram Sylvio Costa e Isabella Macedo
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