Escolhido vice-presidente da comissão mista que debateria a Medida Provisória 808/2017, que poderia alterar 17 artigos da reforma trabalhista sancionada em julho do ano passado (veja a íntegra), o deputado Pedro Fernandes (PTB-MA) tem a responsabilidade de levar adiante, interinamente, os trabalhos do colegiado. Mas, como este site tem mostrado nas últimas semanas, o mais provável é que governistas não façam qualquer esforço para aprovar a matéria antes de 23 de abril, quando o texto perde validade. Além de não ser de interesse do governo Temer, a MP tem o desafio de ser aprovado em tempo recorde, na Câmara e no Senado, nos próximos 20 dias, ao passo em que uma disputa entre senadores e deputados deve sepultar qualquer chance de aprovação.
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“Para mim, a gente estava andando para trás com a MP. Claro que, se fosse aprovada pela comissão, [o conjunto da Câmara] votaria no plenário. Mas, não sendo, voltamos ao texto anterior, que é o que defendemos”, afirmou o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), na manhã desta segunda-feira (2). Responsável pela pauta de votações, o deputado vislumbra sem cerimônias o futuro da proposição – ele que se opôs à publicação de uma medida para alterar a legislação trabalhista desde que sua edição foi anunciada por Temer, em 2017 (veja abaixo o que poderia mudar com a sanção da MP).
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Maia já encaminhou ofício, em 19 de março, advertindo que a comissão mista tem como prazo até esta terça-feira (3) para discutir e aprovar relatório para a MP 808. Do contrário, não mais pautará a matéria para votação em plenário – logo, nada feito, uma vez que sequer há sessão marcada para esta semana. “A impressão é que a MP vai cair. Se caducar [perder a validade], caducou”, acrescentou o deputado, para quem a eventual derrubada da medida provisória restabelece a segurança jurídica em torno da legislação em vigor.
O pano de fundo desse impasse, para além da disputa de poder, começou a ser estendido no ano passado, com o acordo malfadado entre Temer e centrais sindicais para a reativação do imposto sindical obrigatório, eliminado com a reforma. Diversas foram as emendas nesse sentido, entre as 967 apresentadas à MP nas últimas semanas. Mas, como o Congresso em Foco mostrou em 13 de março, a acusação de boicote ao texto feita pela oposição contra os membros da base aliada agora parece se confirmar.
Sem comando
A tese de boicote encobre uma disputa de bastidor. Caberia ao Partido Progressista indicar o presidente da comissão, o que chegou a ser feito em um primeiro momento. Mas o colegiado, que ficou acéfalo com a saída do senador Gladson Cameli (PP-AC) da presidência, sequer tem composição definida por líderes partidários. E, como se não bastasse, congressistas de diferentes partidos não aceitam como relator o deputado tucano Rogério Marinho (RN), que relatou a reforma trabalhista de Temer e comprou briga com centrais sindicais ao patrocinar o fim do imposto obrigatório.
O próprio presidente interino da comissão mista lembra trecho do regimento interno segundo o qual, em caso de renúncia do presidente, deverá ser observado prazo de cinco dias para que nova eleição seja convocada, em sessão conduzida pelo vice. Mas, para isso, o PP deveria ter indicado o nome para vaga, o que ainda não aconteceu – e, segundo lideranças do Congresso, nem deve ocorrer. Já se passaram 20 dias desde Gladson Cameli deixou o comando do colegiado.
“Se [o PP] indicar, eu convoco a eleição”, disse o deputado Pedro Fernandes ao Congresso em Foco, em seguida deixando clara sua desconfiança em que a matéria prospere. Para o petebista, que prometeu discutir o assunto nesta terça-feira (3), na liderança do PTB, o mais provável é que a MP, parada no Congresso desde novembro, perca mesmo a validade. “Eu acho que caminha para isso.” Curiosamente, Pedro chegou a ser cogitado para chefiar o Ministério do Trabalho, mas Temer desistiu de sua indicação no começo de janeiro.
Nos termos do regimento, é atribuição do presidente do colegiado escolher o relator. Líder do PP no Senado, Benedito de Lira (AL) chegou a manifestar interesse no cargo de comando, mas se dobrou à insistência de Gladson Cameli – que, tendo abandonado a tarefa sem explicar a razão, pode ter cedido à pressão de deputados do PP contra a matéria.
Líder da Força Sindical, o deputado Paulo Pereira da Silva (SD-SP) já havia reafirmado à reportagem que estava em plena força-tarefa contra a nomeação do tucano Rogério Marinho para a relatoria. Em reação, como se cogitou em determinada fase das discussões sobre a comissão, tucanos retirariam todos os seus membros e, assim, colocariam em risco o próprio funcionamento do colegiado.
Também surgiram rumores de que o próprio presidente do Senado, Eunício Oliveira (MDB-CE), opôs-se à escolha de Rogério Marinho para relatar a matéria, embora o senador não tenha se envolvido diretamente na composição do colegiado. Para completar, alguns partidos da base sequer estariam empenhados em apresentar seus representantes para compor o colegiado misto.
Pedra cantada
“Eu tinha certeza que isso ia acontecer”, resignou-se o senador Paulo Paim (PT-RS), dizendo ao Congresso em Foco que o governo Temer sequer cumpriu a palavra empenhada junto à própria base de sustentação. Ele se refere ao fato de que, em 28 de junho, durante reunião da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, o líder do governo, senador Romero Jucá (MDB-RR), levou ao colegiado uma carta em que o presidente prometeu vetar pontos polêmicos da reforma, ou ao menos editar uma MP.
Mas Temer sancionou, sem vetos, o texto aprovado em plenário pelos senadores dias depois das promessas na CCJ. E, para tentar acalmar os ânimos no Congresso, dizia que estava a caminho a medida provisória para resolver as pendências. No entanto, devido a restrições na legislação, a MP só pôde ser editada em novembro, depois do prazo de três meses para que as novas normas trabalhistas entrassem em vigência. Em uma das imagens que marcaram aquele momento, a senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) passou a exibir, em discursos no plenário, placas mostrando a quantidade de dias que haviam transcorrido desde a promessa governista.
“O governo faltou com a verdade. Ludibriou, enganou a sua própria base quando disse que ia vetar alguns artigos, ou até mesmo alterar [a reforma trabalhista] via medida provisória. Eu não poderia esperar outra de um governo como esse, que não tem compromisso nenhum com o povo brasileiro”, acrescentou Paim, para quem resta à oposição e demais parlamentares contrários à reforma aprovar o Estatuto do Trabalho, do qual é relator na Comissão de Assuntos Sociais.
“Nós recuperamos [no relatório] todos os direitos que foram retirados dos trabalhadores”, concluiu Paim.
Mas, a depender do nomes como Maia, qualquer alteração deve ser rejeitada pela maioria governista no Congresso. O deputado diz acreditar que a MP 808 não fará falta e a perda de sua validade não representa ameaça ao direitos dos trabalhadores. “Muito pelo contrário. Já temos uma boa legislação em relação ao que tínhamos no passado”, completou o presidente da Câmara.
O QUE PODERIA MUDAR COM A MEDIDA PROVISÓRIA:
1 – Gestante e lactante em ambiente insalubre
O texto sancionado por Temer prevê que a trabalhadora gestante deverá ser afastada automaticamente, durante toda a gestação, apenas das atividades consideradas insalubres em grau máximo. Para atividades insalubres de graus médio ou mínimo, a trabalhadora só será afastada a pedido médico. Mas, com a MP, fica proibida a execução de atividades por mulheres gestante/lactante em ambiente com qualquer grau de insalubridade, mesmo diante de atestado médico.
2 – Trabalho intermitente
A MP pode regular os contratos do chamado trabalho intermitente, aquele no qual a prestação de serviços não é contínua, embora com subordinação. A lei permite a alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses, independentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador. Agora, a medida sugere, por exemplo, um prazo de carência para demissão do trabalhador, que depois poderia ser recontratado. A MP também sugere que a remuneração por hora ou dia de trabalho nesse tipo de contrato seja equivalente, de maneira proporcional, com o salário mínimo.
3 – Acordo individual para a jornada 12 por 36
A medida provisória permite que sindicatos negociem com empregadores os temos da chamada jornada 12 por 36, aquela em que o empregado trabalha 12 horas seguidas e descansa as 36 horas seguintes. A lei em vigência prevê que tais acordos sejam feitos pelo trabalhador individualmente, diretamente com os patrões, o que poderia tornar a relação trabalhista desigual.
4 – Contribuição previdenciária
O governo propõe a criação de uma espécie de recolhimento complementar proporcional aos meses em que o empregado receber remuneração inferior ao salário mínimo.
5 – Dano moral
O valor da condenação imposta ao empregador por dano moral e ofensa à honra (assédios moral ou sexual, por exemplo) deve deixar de ser calculado de acordo com o salário do empregado ofendido. A questão, que consta da lei em vigor desde sábado (11), havia sido vista como uma forma de discriminação ao fixar punições segundo o nível remuneratório dos trabalhadores, no contexto em que quase metade dos brasileiros sobrevive com até um salário mínimo. O pagamento de indenização por dano moral pode chegar a 50 vezes o teto do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), que é de R$ 5.531,31.
6 – Autônomos
A medida provisória prevê a negociação de regra para a situação dos trabalhadores autônomos. Esse ponto da matéria pretende proibir a cláusula de exclusividade, em que estaria configurado o vínculo empregatício e, consequentemente, a obrigação de observância (por parte dos empregadores) dos compromissos trabalhistas dele decorrentes.
7 – Representação em local de trabalho
A MP assegura que as comissões de representantes dos trabalhadores, permitidas em empresas com 200 empregados ou mais, não substituirá o papel dos sindicatos. Assim, os grupos sindicais terão que participar, obrigatoriamente, das negociações coletivas in loco.
8 – Prêmio
O texto da medida também permite que sejam pagos em duas parcelas alguns prêmios concedidos ao trabalhador. Produtividade, assiduidade e méritos congêneres são os critérios considerados na premiação.
9 – Gorjetas
A MP 808 determina ainda que as gorjetas não sejam consideradas no cálculo de receita própria dos empregadores, reservando-se aos empregados. Normas coletivas de trabalho nortearão o rateio dos valores.
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