Gregório Samsonite talvez integrasse algum dos poderosos gabinetes de Brasília. Tinha um futuro promissor como “herdeiro da gigante do setor de bolsas, malas e maletas”. Mas, um belo dia, “Greg” acordou transformado em um “horrível sanduíche”. No lugar dos cotovelos, picles. A certa altura desse enredo louco, surge um tal Nestor “celebrando o fim da mamata”.
Gregório é o intrigante personagem da canção “E agora, Gregório?”, da banda brasiliense Móveis Coloniais de Acaju, a trupe encarregada de tornar também musical a 7ª edição do Prêmio Congresso em Foco, a ser realizada em Brasília na próxima quinta-feira (8). O evento, que vai premiar os melhores parlamentares do ano, na avaliação de jornalistas e dos internautas, é aguardado com expectativa: só durante a festa serão conhecidos os primeiros colocados em cada uma das 11 categorias e os nomes incluídos na votação da internet.
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Formada em 1998, a banda já é nacionalmente famosa pelo som peculiar e a instigante bagunça musical dos seus dez instrumentistas a se divertir nos palcos – a “feijoada búlgara”, na concepção dos próprios músicos. Mas que ninguém se engane. Nesse caso, algazarra e raciocínio afiado andam de mãos dadas.
Curta o ritmo dos Móveis Coloniais de Acaju
Tudo sobre o Prêmio Congresso em Foco
“O caso de Gregório não foi isolado /Era sanduba de BAM BAM para todo lado / Se é bom pra você, imagine pra mim / Ver o seu deputado devorado com alface e gergelim”, brada o vocalista André González, em letra sem muita conexão com o formalismo dos gabinetes – a não ser que o imaginário do autor contradiga a tese. Imagine o estimado leitor um ska com pegada “art rock” encerrado com a menção ao tal “seu Nestor e os incríveis previdenciários”…
A banda é composta por bacharéis, mestres e até doutores formados na Universidade de Brasília (UnB), onde tudo começou – os biólogos, comunicólogos, economistas etc. conciliavam livros e apostilas com guitarras, flautas e bateria. O primeiro álbum veio em 2005, com três mil cópias, sete anos depois da criação da banda acostumada à atmosfera mambembe e alternativa dos festivais universitários. Para 2013, DVD no forno com clipes gravados em dez cidades do Distrito Federal. Um deles na Esplanada dos Ministérios, outro na Feira da Ceilândia. Extrema pluralidade.
O público da banda, segundo seus próprios integrantes, é antenado, plugado às melhores possibilidades da internet. Mas, a exemplo da própria formação do grupo, é marcado pela pluralidade. Assim como múltiplo é o próprio conjunto da sociedade brasiliense. E a representação popular no Parlamento. “A gente não segmenta o nosso público. Estamos abertos para quem quiser conhecer o nosso trabalho. A gente toca pelo Brasil afora em grandes festas, abrindo ou acompanhando grandes artistas, ou em casas noturnas. A gente foca nosso trabalho na diversidade, é esse um pouco também o nosso discurso. É a cara da cidade isso”, avalia o saxofonista Esdras Nogueira, em entrevista ao Congresso em Foco, dizendo-se entusiasmado com o show inédito no mundo da política.
Tempos de ficha limpa
Falando em nome da banda, Esdras diz que, além da oportunidade diferente de “fazer uma festa junto com os políticos”, também será interessante transformar a ocasião em ensejo para recado às autoridades – qualquer tipo de recado que promova entendimento, destaca o músico. “Tem alguns pontos na nossa carreira em que temos um envolvimento político muito forte, com relação à própria música, à democratização da informação. Toda a abordagem é válida, toda aproximação é bem-vinda. É o diálogo que faz as coisas andarem”, observou.
Esdras exalta o momento ainda insipiente no país em que, notadamente depois da Lei da Ficha Limpa, políticos começam a ir a julgamento sem ter plena confiança na impunidade que até pouco tempo era a regra. “A política brasileira tem altos e baixos. Acho muito bom, agora, que a gente esteja julgando, levando aos tribunais pessoas que antes eram intocáveis, acima de qualquer julgamento – acho que é por isso, até, que elas estão lá [nas esferas de poder]”, festejou, para em seguida frisar que, afinal de contas, “é a gente que as coloca lá”.
Para o músico, o Brasil passa a crescer como nação ao valorizar o poder Judiciário – e, nesse processo, multiplicar informações a respeito por meio de veículos de comunicação eficazes como a internet. “A gente está mexendo com mais gente, descentralizando a informação. Surgem visões de diversas partes do Brasil, redes de comunicação de vários lugares e com diferentes abordagens. Isso faz com que os políticos tenham de se engajar, mostrar serviço”, acrescenta o saxofonista, lembrando que os holofotes sobre a atividade política estão cada vez mais eficazes no Brasil. “Eles não têm mais como esconder muita coisa.”
Boa política
Esdras faz um paralelo entre a fase de aprimoramento dos mecanismos de comunicação em curso no país e o próprio Prêmio Congresso em Foco. Para ele, ao valorizar os agentes da boa política, o site não só contribui para difundi-la como para incentivar novos atores da vida pública a fazê-lo. E, nesse sentido, diz, a banda se soma à empreitada. “No caso, é o povo que estará homenageando os bons políticos”, enfatizou. “A gente apoia, tanto é que estamos participando do evento.”
O músico ressaltou a importância da não generalização da classe política, um dos principais objetivos do prêmio. A “politicagem à moda antiga” precisa ficar no passado, disse Esdras, caprichando na linguagem descolada que caracteriza uma nova geração de brasilienses. “Tem uma galera que merece [premiações] mesmo. E a gente tem que levantar a bola desse povo para eles ganharem voz. A gente tem de bater palmas mesmo para as pessoas que estão fazendo um trabalho certo, representando o povo. Que não estão usando nosso dinheiro para fazer ‘pizza’”, fustigou, com menção ao senso comum sobre as comissões parlamentares de inquérito.
Esdras diz que, ao fazer música, a banda privilegia o compartilhamento da alegria com o público – eis uma pista do que será o show. Prioridade que não elimina, ressalva, o exercício de um outro viés político, recheado de entrelinhas direcionadas a quem mais tem de ouvir – os mandatários. A canção “Sem palavras”, por exemplo, Esdras considera adequada como mensagem aos políticos.
“O político é como o artista, tem de ter voz junto a quem ele representa. ‘Sem palavras’ é uma música que eu dedicaria aos nossos políticos. Que eles tenham voz no dia-a-dia, e saibam a quem eles estão representando”, defende, emendando outro recado – este, direcionado a quem não liga muito para a política. “A música está aí para ‘tocar’. E o artista está aí para se manifestar, não pode ficar refém de situações.”
UnB
O saxofonista faz questão de enfatizar o tipo de engajamento da banda, egressa de um dos símbolos do pensamento no Brasil, a UnB. Diz ser contra os “jabás”, prática em que o artista compra a divulgação de seu produto cultural em programas de rádio e TV, por exemplo. Celebra a nova fase do Ministério da Cultura, que passou por troca de comando em setembro, e diz que ele e seus parceiros de música acompanham a evolução das discussões na pasta.
Ao falar da UnB, Esdras o faz como o estudante que, ao lembrar da formação recebida, manifesta o “carinho” pelos mestres que a promoveram. Festas em diretórios acadêmicos, contas de telefone do Diretório Central dos Estudantes pagas com shows da banda, as amizades no campus. Para Esdras, um mosaico de lembranças que explica o que é hoje o grupo musical.
“São as pequenas coisas que a gente pode fazer enquanto artista para ter um crescimento conjunto. A banda cresceu muito na universidade. A gente cresceu lá, a banda ganhou festivais universitários. Sempre participamos das coisas da UnB, e isso nos deu uma bagagem muito grande, fez o que a gente é hoje”, declarou, ainda imerso no ambiente da universidade. Deixar Brasília, nem pensar, diz Esdras, apesar das ofertas. Afinal, o propósito da banda é justamente levar a cidade Brasil afora. Sem precisar sair dela.