Pedro Valls Feu Rosa *
Há poucos anos descobriu-se que, durante o século XX, o número de pessoas que morreram em acidentes de trânsito no Brasil chegou a um milhão. Constatou-se que quase 4% das mortes acontecidas no Brasil tinham como causa o trânsito, contra apenas 1,8% dos Estados Unidos, 1,5% da França e 1,1% do Japão. Estimou-se que gastávamos US$ 10 bilhões a cada ano em decorrência dos acidentes de trânsito.
Diante destes números, começou a busca pelos culpados. Concluiu-se que nossas leis eram muito frouxas. E foi assim que, antes da virada do século, surgiu o novo Código Nacional de Trânsito, mais rigoroso.
Logo depois, comemorou-se uma queda no número de mortes. Mas não foi o bastante. Nossas estradas continuaram sendo um matadouro. Cumpria, assim, localizar um novo culpado. Chegou-se ao álcool. Passamos, então, a ter uma das mais rigorosas legislações do mundo sobre álcool e direção.
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Imediatamente em seguida, celebrou-se nova queda no número de mortes. Mas também não foi o suficiente. Nossas ruas e rodovias ainda são palco de carnificinas diárias. Segundo dados divulgados em 2008, continuamos gastando US$ 10 bilhões por ano em função dos acidentes de trânsito.
PublicidadeÉ necessário buscar novos culpados. Assim, localizaram outros suspeitos: as más condições do clima e a falta de atenção dos motoristas! Recentemente vi uma estatística indicando que estes dois elementos, sozinhos, respondem por 71,13% dos acidentes! Ao ler este número, veio-me à mente que, pelas estatísticas, o lugar mais perigoso do mundo é a cama – é onde mais se morre!
O fato é que este debate lembra uma piada segundo a qual uma pessoa estava, à noite, procurando debaixo de um poste aceso algo que havia perdido longe dali, no meio de um matagal escuro. Indagado por alguém sobre os motivos de estar procurando no lugar errado, aquele cidadão deu uma resposta curiosa: “aqui é mais fácil procurar porque está iluminado”.
Pois é. Talvez o maior culpado esteja lá longe, fora dos holofotes, pouco comentado exatamente porque é trabalhoso – refiro-me às condições de nossas ruas e estradas. Dia desses, por exemplo, li uma notícia dando conta de que a buracada existente em uma única estrada causou, em apenas seis meses, 118 acidentes, com 97 feridos e 10 mortes. Ao invés de corrigir-se a estrada, fez-se apenas colocar uma triste placa: “Cuidado, buracos na pista”.
Sim, talvez esteja aí, nestas placas, o grande assassino que ronda nossas estradas. Segundo um estudo da Confederação Nacional dos Transportes, 72% de nossas estradas estão em péssimas condições. Uma em cada dez estradas brasileiras não tem qualquer tipo de sinalização. Em 2007 calculou-se que apenas nas estradas de São Paulo surgem cerca de mil buracos por dia. 40,8% de nossas rodovias precisariam ser totalmente refeitas, pois nem reparos comportam mais – e tome placa avisando sobre buracos!
A verdade é que o motorista brasileiro já começou a fazer sua parte – suporta pesadas multas, uma alta carga tributária e tem sobre si uma legislação das mais severas do planeta. Assim, talvez seja a hora de perguntar quando teremos estradas decentes e seguras, aliviadas por um sistema ferroviário compatível com a grandeza do Brasil. Fugir desse debate é procurar o culpado no lugar errado só porque lá está iluminado – ou seja, uma piada, e daquelas de mau gosto.
* Desembargador, é presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo.
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