O Ministério Público do Trabalho no Rio de Janeiro (MPT-RJ) encaminhou uma notificação recomendatória ao Grupo Globo para que sua principal emissora de televisão adeque roteiro e produção de sua próxima novela das nove, “Segundo Sol”, de acordo com a “devida representação racial” da Bahia, onde o folhetim é ambientado. Com estreia prevista para a próxima segunda-feira (14), a trama tem como principais protagonistas atores e atrizes brancos e já é alvo de ação civil pública no próprio estado nordestino, por iniciativa do grupo União de Negros pela Igualdade (Unegro Brasil).
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Segundo o MPT-RJ, a ausência de protagonistas negros no estado com mais afrodescendentes é algo a ser reparado. “Ambientada na Bahia, estado com o maior percentual de população negra do Brasil – segundo dados do Mapa de Distribuição Espacial da População (IBGE 2013) –, a novela tem sido alvo de críticas pelo baixo número de atores negros em seu elenco”, diz o órgão em seu site.
Por meio da Coordenadoria Nacional de Promoção de Igualdade de Oportunidade e Eliminação da Discriminação no Trabalho (Coordigualdade), o MPT-RJ faz 14 recomendações à Rede Globo de Televisão, depois de denúncia de desrespeito ao Estatuto da Igualdade Racial. Em uma delas, o órgão fluminense sugere a “observância dos princípios orientadores do Estado Democrático de Direito, entre estes a proibição de discriminação (artigos 3º e 5º da CRFB/88), traduzida de forma específica em relação às produções dos meios de comunicação nos artigos 43 e 44 da Lei nº 12.288, de 20 de julho de 2010 – Estatuto da Igualdade Racial”.
PublicidadeSegundo o ofício, a Globo tem dez dias, a partir desta sexta-feira (11), para comprovar nos autos do processo quais foram as “medidas adotadas em relação à participação de atores e atrizes negros e negras na novela Segundo Sol”. Segundo os seis procuradores e procuradoras do Trabalho que subscrevem a notificação, poderá se configurar “inobservância de norma de ordem pública” em caso de descumprimento das recomendações. Caso isso aconteça, o MPT-RJ poderá “convocar a empresa recalcitrante para prestar esclarecimentos em audiência e, eventualmente, firmar termo de compromisso de ajustamento de conduta, previsto na Lei 7.347/85, art. 5º e 6º, ou propor ação judicial cabível, visando à defesa da ordem jurídica e de interesses sociais e individuais indisponíveis”.
O MPT-RJ pede que a Globo, em caráter imediato, produza um censo de trabalhadores a serviço da empresa, sejam eles empregados ou prestadores de serviço, para que sejam identificados percentuais de raça/cor e gênero, com indicadores a respeito dos cargos de gerência e diretorias. Os procuradores também solicitam levantamento detalhado sobre a quantidade de pessoas negras na emissora e em exibição em telenovelas, séries, programas de entretenimento e propagandas, entre outros conteúdos produzidos pelo grupo de comunicação. O órgão também quer saber quantos são os jornalistas e comentaristas negros em atuação na empresa.
Ainda segundo o MPT-RJ, foi o grupo de Trabalho de Raça, da Coordigualdade, que identificou a não observância do respeito à representatividade negra por parte da novela, em afronta às normas de promoção da igualdade vigentes não só na Bahia, mas também no Rio de Janeiro, sede da emissora. “Decidimos expedir essa nota, com o fim de mostrar a importância de a empresa respeitar a diversidade racial. Apesar de ser uma obra artística e uma obra aberta, consideramos que ela tem como obrigação incluir atores negros em proporção suficiente para uma real representação da sociedade”, pondera a coordenadora nacional da Coordigualdade, Valdirene Silva de Assis, que encabeça a lista de signatários da notificação recomendatória.
Ficção racial
Protagonizada pelos atores Emílio Dantas, Vladmir Brichta, Giovana Antonelli, Deborah Secco e Adriana Esteves, todos brancos, a novela de autoria de João Emanuel Carneiro conta a história de um cantor de axé que é dado como morto após a queda de um avião. O principal conflito da trama consiste no fato de que o protagonista, Emílio Dantas, é convencido a não dizer a verdade sobre o que aconteceu e assumir uma nova identidade em uma localidade distante do litoral baiano, onde formará um par romântico – e branco – com a personagem de Giovana Antonelli.
No item dez da notificação recomendatória, o MPT-RJ faz a seguinte anotação à emissora, à guisa de advertência: “Abster-se de reproduzir situações de representações negativas ou estereótipos da pessoa negra que sustentam as ações de negação simbólica e as diversas formas de violência, bem como reconhecer e valorizar a história e a cultura negra em suas formas de existência e resistência”.
A Rede Globo não costuma comentar questões judiciais e ações do Ministério Público que a envolvem. Procurada pela reportagem do Congresso em Foco, a emissora ainda não havia se posicionado até a publicação desta reportagem. O espaço está aberto neste site para eventual manifestação do Grupo Globo a qualquer tempo.
Confira as 14 recomendação do MPT-RJ à Rede Globo:
1. Instituir Grupo de Trabalho e/ou Comitê (observando a paridade na composição, inclusive com a possibilidade de participação de consultoria específica), assegurada a participação de atores negros e representantes de movimentos negros, para desenvolver Plano de Ação/Trabalho que contemple medidas aptas a garantir inclusão e a igualdade de oportunidades e de remuneração da população negra e equidade de raça e etnia nas relações de trabalho, tanto no acesso quanto no curso desta relação;
2. Oferecer o suporte técnico e financeiro necessário ao desenvolvimento dos programas e ações estabelecidos no Plano de Ação/Trabalho a ser elaborado;
3. Realizar de imediato censo dos trabalhadores que prestam serviços à empresa, empregados ou não, com recorte de raça/cor e gênero, de forma integral e com indicadores de gerência e diretorias, possibilitando a criação de um observatório permanente, transparente a todos os trabalhadores e trabalhadoras, para ser utilizado como ferramenta para a tomada de decisões estratégicas de conscientização, qualificação, contratação e ascensão profissional, censo este que deve ser atualizado de forma periódica;
4. Realizar levantamento sobre a representação das pessoas negras e o número de artistas negros e negras que aparecem em telenovelas, séries, propagandas, programas de entretenimento, entre outros produtos, produzidos pela empresa bem como o de jornalistas e comentaristas;
5. Promover internamente ações de conscientização sobre o racismo na sociedade e, externamente, em mensagens publicitárias, programas jornalísticos e programação em geral, divulgação das ações e mensagens alusivas às datas simbólicas da luta e enfrentamento ao racismo, notadamente nos meses de julho (Dia Internacional da Mulher Negra Latino Americana e Caribenha) e novembro (Dia da Consciência Negra), visando à informação e sensibilização do corpo funcional para a valorização da diversidade racial na empresa e combate à discriminação histórica e estrutural presente na sociedade brasileira;
6. Elaborar campanhas pela promoção da igualdade e equidade raça/cor e gênero, como forma de fortalecer a cultura organizacional da diversidade na empresa, bem como apoiar campanhas de valorização da pessoa negra e de enfrentamento ao racismo, divulgando as manifestações da cultura, a memória e as tradições afro-brasileiras, reservando espaços de veiculação na sua programação diária para campanhas institucionais e/ou de movimentos sociais que atuam no enfrentamento à discriminação racial e promoção da igualdade;
7. Contemplar a diversidade racial nas campanhas publicitárias da empresa e em todas as produções artísticas e jornalísticas realizadas, priorizando a participação de negros e negras no planejamento/criação e desenvolvimento das campanhas e produções;
8. Promover debates, fóruns, palestras, workshops, cursos, mesas redondas dentre outros, abordando a questão do viés inconsciente, racismo estrutural e institucional, privilégios e representatividade;
9. Adotar e implementar projeto voltado a assegurar a igualdade de oportunidades à população negra para ingresso nos quadros da empresa, revendo processos de seleção, capacitação, treinamento, podendo implementar ações afirmativas para assegurar a efetiva contratação de trabalhadores negros e negras para os postos de trabalho da empresa. O projeto deve considerar o acesso de jovens negros e negras a vagas de trainees, estágio, aprendizagem, entre outras, inclusive no âmbito da produção cultural e artística, escola de atores, jornalismo e todos os demais setores da empresa. Poderá utilizar o denominado “recrutamento às cegas”, bem como exercer busca ativa junto às empresas de recrutamento específico de profissionais negros e negras, principalmente nas universidades, escolas técnicas e escolas públicas;
10. Abster-se de reproduzir situações de representações negativas ou estereótipos da pessoa negra que sustentam as ações de negação simbólica e as diversas formas de violência, bem como reconhecer e valorizar a história e a cultura negra em suas formas de existência e resistência;
11. Garantir o acesso da população negra ao emprego/trabalho na empresa, em funções e ocupações em todos os níveis hierárquicos, nos diferentes setores e funções, em relação a trabalhadores empregados ou que mantenham outras formas de vínculo, inclusive nos programas de televisão atualmente veiculados pela emissora, garantindo a participação de atores e atrizes negros e negras em papéis protagonistas;
12. Assegurar a participação de atores e atrizes negros e negras em novelas e programas, dentre outros produtos, a fim de propiciar a representação da diversidade étnico-racial da sociedade brasileira, especialmente em cenários de população predominantemente negra, como no caso da novela “Segundo Sol”, em que deverá fazer adequações necessárias no roteiro/produção, para observância dos princípios orientadores do Estado Democrático de Direito, entre estes a proibição de discriminação (artigos 3º e 5º da CRFB/88), traduzida de forma específica em relação às produções dos meios de comunicação nos artigos 43 e 44 da Lei nº 12.288, de 20 de julho de 2010 – Estatuto da Igualdade Racial;
13. Adotar metas progressivas para contratação de trabalhadores (inclusive aprendizagem) que projetem a proporção de trabalhadores negros da PEA (População Economicamente Ativa), considerando-se o nível de escolaridade mínima porventura requerido para ingresso na empresa, em cada cargo (neste ponto, o MPT esclarece que “é de fundamental importância destacar que não será necessário demitir trabalhadoras e trabalhadores brancos para alcançar as metas acima, que poderá ser atingida com a utilização da rotatividade natural da mão-de-obra de cada empresa, desde que o quantitativo de trabalhadores que normalmente deixa a empresa, pelos mais diversos motivos, seja reposto com trabalhadores e trabalhadoras negras”);
14. Abster-se, por quaisquer de seus representantes, sócios, administradores, gerentes ou pessoas que detenham poder hierárquico, de adotar, admitir ou tolerar qualquer ato ou conduta que possa ser caracterizado como prática discriminatória contra o trabalhador negro.
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