A Frente Paramentar da Segurança Pública da Câmara, que reúne 299 membros nesta legislatura (26 fora do mandato), tem um grupo mais radical que passou a ser chamado de bancada da bala. Na esteira do decreto de intervenção federal formalizado ontem (sexta, 16) pelo presidente Michel Temer, a reportagem do Congresso em Foco entrou em contato com alguns deles, radiais ou não, para saber como eles receberam a notícia da medida extrema tomada pelo governo. Embora todos apontem a necessidade da intervenção, muitas ressalvas foram feitas ao modelo escolhido por Temer – que, em movimento visto como controverso por especialistas, optou por um interventor militar, por exemplo, quando o correto seria um civil.
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Um dos principais defensores da revogação do Estatuto do Desarmamento, o deputado Laerte Bessa (PR-DF) diz ver com bons olhos a intervenção, mas defende que ela seja reforçada com mais ações. “Se esta intervenção for acompanhada da reestruturação da polícia, aí eu concordo. Ela só não vai resolver – até quando vai durar isso? E quando acabar esta intervenção, e aí? [A situação] vai continuar do mesmo jeito?”, declarou Bessa ao Congresso em Foco, passando a sugerir providências.
“Se for para amenizar a situação e, paralelamente, dar dignidade para o policial trabalhar, pagar salários dignos, moradia, tirar o policial das zonas de conflito e trazer os policiais para perto da sociedade, para que eles possam trabalhar tranquilos, longe da bandidagem, dar saúde para a família deles… Se formos colocar uma corregedoria pesada, forte, para acabar com os maus policiais, para depurar a polícia do Rio de Janeiro, aí eu concordo”, acrescentou Bessa, ex-chefe da Polícia Civil de Brasília.
Para o deputado, se a ocupação das forças militares tiver caráter meramente político e se prestar a submeter policiais a uma função figurativa por “três, quatro meses, os bandidos vão ficar rindo”. Para Bessa, o crime organizado do Rio está vantagem em relação ao Exército.
“Essa presença na rua não inibe a ação de vagabundo, não! Vagabundo não tem medo de soldado do Exército, rapaz… O que eles tiverem que fazer, eles vão fazer do mesmo jeito. Se o soldado está ali na [comunidade da] Rocinha, eles vão lá para o morro do Boréu e metem bronca lá, e assim sucessivamente. O Exército não tem efetivo para cobrir o Rio de Janeiro todo”, observou o deputado.
Fragilidade
Também entusiasta do armamento criterioso da população, o deputado Alberto Fraga (DEM-DF), coordenador da frente parlamentar, tem opinião semelhante à do colega de bancada. Para Fraga, coronel da reserva da Polícia Militar do Distrito Federal, alguma providência se fazia necessária, mas não nos moldes escolhidos pelo governo Temer.
“O Rio de Janeiro está em um ponto em que, realmente, tem que se fazer alguma coisa. Agora, se canhão e tanque de guerra resolvesse o problema da violência, então era só transferir esses equipamentos para a Polícia Militar e a Polícia Civil que eles iam dar conta do recado. Porque ninguém tem mais conhecimento do morro, dos problemas do morro, do que a Polícia Militar e a Polícia Civil”, opinou Fraga, apontando no Exército as mesmas limitações vistas por Bessa. “O Exército brasileiro não tem esse treinamento. É um salto sem rede de proteção.”
Para o deputado, um dos principais articuladores, na Câmara, de temas como a revisão do Estatuto do Desarmamento e a redução da maioridade penal, Temer conta com a sorte ao decretar a intervenção. Fraga disse ainda que o sistema do crime organizado é facilitado por questões como a própria legislação penal.
“Se de certo, bem. Mas eu acho que, infelizmente, não tem como dar certo, uma vez que o grande problema não está sendo atacado. De que adianta prender e não manter preso? De que adianta efetuar operações se não tem trabalho de inteligência – e veremos várias operações, como já tiveram, em que emprega-se três mil homens e se apreende uma pistola? Não posso ficar contra [a intervenção], mas confesso que sou muito pragmático em dizer que o que vai se gastar com as operações, com as intervenções, poderíamos muito bem disponibilizar recursos e dar condições de trabalho para os órgãos estaduais”, sugeriu.
Fraga também disse acreditar que o Exército vai para mais uma guerra em desvantagem. “Eles não foram trinados para isso. Não conhecem o modus operandi dos bandidos no morro, não conhecem as bocas, não sabem quem são os caras. Olha, eu vou te garantir uma coisa: se ele obtiverem sucesso, eles vão subir o morro, mas quem vai na frente é a PM”, arrematou o parlamentar, dizendo não acreditar em morte de civis, mas manifestando preocupação com uma eventual abordagem, na imprensa, caso algum soldado mate alguém em confronto.
“Quero ver como vai ser a reação da imprensa… Quando um PM mata alguém, ave Maria!”, finalizou Fraga.
Entusiasmo
Integrante da ala não radical da Frente Parlamentar da Segurança Pública, o deputado Alexandre Valle (PR-RJ) falou Congresso em Foco pouco depois da reunião de quase três horas que levou à mesa Temer e autoridades do executivo fluminense, do Exército e parlamentares do Rio de Janeiro no Palácio da Guanabara (sede do governo estadual). Ausente da cidade durante o carnaval, o que lhe gerou um noticiário desgastante nos últimos dias, o prefeito Marcelo Crivella (PRB) fez questão de receber Temer na Base Aérea do Galeão. Na reunião, Temer se posicionou entre o governador do Rio, Luiz Fernando Pezão, e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), como se vê na foto abaixo.
Membro de um dos partidos mais fieis ao presidente, Alexandre Valle manifestou apoio integral à intervenção e relatou otimismo por parte de Temer. A única ressalva feita pelo deputado foi a de que a medida se realiza tardiamente. “Mas é melhor tarde do que nunca. Acho que o Rio de Janeiro precisa desse apoio federal!, resumiu o parlamentar, lembrando que, em 31 de maio do ano passado, se uniu a outros deputados da bancada fluminense e pediu ao então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, intervenção no estado.
“Já poderíamos ter evitado muitas mortes de pais de família, de crianças, de policiais desde aquela época. A gente recebe isso no Rio de Janeiro com muito bons olhos, mas esperamos que a intervenção se estenda não só para a cidade do Rio de Janeiro, mas para toda a Baixada, para toda a Costa Verde, para todo o interior do estado. Se não, a criminalidade vai migrar da capital para o interior”, adverte Alexandre, rebatendo as críticas de que o modelo é equivocado, uma vez que o Exército não é treinado para enfrentar o crime nas cidades.
“Não tenho dúvidas de que o Exército já vem aprimorando sua inteligência há muito tempo. Vem desde a época das Olimpíadas [2016], passou pela Copa do Mundo [2014]… Quando o ministro Torquato [Jardim, da Justiça] fez aquela declaração, nós o chamamos na Câmara e ele disse que já estava sendo feito um monitoramento. Não tenho dúvidas de que a central de inteligência do Exército já tem este levantamento pronto para poder ir para a rua”, concluiu, referindo-se à entrevista em que Torquato apontou a ligação de autoridades com o crime organizado e criticou a segurança pública do Rio. Como este site mostrou naquela ocasião, Rodrigo Maia reagiu com irritação à fala do ministro e o desafiou a provar o que dizia.
<< Maia quer que ministro prove cumplicidade de autoridades do Rio com o crime organizado
Intervenção também na saúde
Médico de formação e outro integrante da frente parlamentar com perfil moderado, Alexandre Serfiotis (PMDB-RJ) disse à reportagem que, a despeito da controvérsia sobre o fato de o interventor ser militar, o exército tem legitimidade para conduzir a segurança pública do estado. “É a única solução para o estado do Rio de Janeiro”, acrescentando que a bancada do Rio de Janeiro na Câmara já havia formalizado, há cerca de um ano, um documento solicitando a intervenção também na área da saúde. “Fui um dos poucos deputados que assinaram, na época, essa solicitação de intervenção federal na segurança e na saúde.”
“O Rio de Janeiro é um dos estados que mais recebem recursos na saúde – excluindo a situação excepcional de ter seis hospitais federais e mais três institutos – e tem uma saúde que está completamente falida, quebrada. Horrível! Eu sou médico de profissão e atuo, ainda, atendo. A intervenção é a única saída. O Rio está uma vergonha!”, lamentou o deputado.
Bancada poderosa
Dos quase 300 membros da bancada da bala (confira aqui a relação completa), 26 estão fora do mandato por cassação (caso de Eduardo Cunha, condenado e preso na Lava Jato) ou afastamento por motivos diversos, como nomeação em ministérios (como Sarney Filho, no Meio Ambiente, e Fernando Coelho Filho, em Minas e Energia) e secretarias estaduais (Clarissa Garotinho, no Rio de Janeiro) ou posse em executivos municipais (Manoel Júnior, vice-prefeito de João Pessoa, Paraíba).
Tão polêmica quanto numerosa, a bancada tem integrantes mais radicais quando o assunto é combate ao crime organizado e questões relativas à área criminal. Endurecimento de penas para menores, liberação do porte de arma para civis e mais poderes para polícias, entre outras demandas, são bandeiras constantes dessa ala mais radical. Nos debates na Câmara, seja em plenário ou em comissões temáticas, são constantes os confrontos verbais – alguns, quase físicos – com os deputados alinhados aos direitos humanos, contrários à redução da maioridade penal e o armamento, por exemplo.
Outra característica da ala mais radical é o patrocínio de empresas de armamento e munição, que realizavam sistematicamente doações de campanha para deputados escolhidos a dedo. Cruzamento de dados dispostos no site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) com as declarações de doadores, obrigação dos parlamentares, demonstravam o poder de fogo do grupo, em financiamentos milionários que depois se revertiam em projetos aprovados para beneficiar a indústria da bala. Tal relação eleitoral foi inviabilizada, ao menos publicamente, com a proibição das doações privadas, segundo entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em setembro de 2015.