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“Legaliza [o jogo do bicho], põe um fundo para futebol, para os pobres, para a saúde, cobra imposto dos caras [bicheiros]. Eles estão ficando ricos e não pagam um tostão para o Estado. Se for pegar o Brasil inteiro, quantos bilhões de reais circulam [por meio do bicho]? Você faz uns 300 hospitais de grande porte a cada semestre”, arrematou Mário Couto. Seria mais uma exposição de pensamento, tão comum no Senado, não fosse o histórico do senador no Pará. Em 1988, numa pendenga entre representantes do jogo do bicho e o governo do estado, Mário Couto aparece em várias reportagens de jornais paraenses como bicheiro, dono da banca de bicho “A Favorita”. Mais do que isso, ele convocou entrevistas coletivas dos contraventores, e é apresentado nas reportagens como “porta-voz” do jogo do bicho.
Conhecer umas mulatas
Embora se reconheça nas fotos e admita que, de fato, participou na ocasião das entrevistas coletivas feitas pelos bicheiros, Mário Couto nega que tenha pertencido à mesma categoria. “Em primeiro lugar, quero dizer que nunca fui bicheiro. Isso é coisa que eu carrego nas minhas costas desde meus 26 anos, quando eu fiz uma escola de samba, doido para conhecer mulatas, e levei o Joãosinho Trinta [carnavalesco morto em dezembro de 2011] pra lá.
Mas conhecer as mulatas, como queria Mário Couto, custa dinheiro. E, segundo o próprio senador, quem providenciou foram os bicheiros. “Ele me disse: ‘Olha, isso custa muito caro, você tem que conhecer alguns bicheiros. Eu conheci uns dois ou três… Tinha tempo em que eles ajudavam, tinha tempo em que não ajudavam… e, aí, eu fiquei com o carimbo”, argumentou o senador, em entrevista concedida ao Congresso em Foco.
Assembleia dos bicheiros
Amigo ou mais que isso, o fato é que o hoje senador foi fotografado em “assembleia permanente” dos bicheiros iniciada em 4 de abril de 1988, quando o grupo reagiu às ameaças do delegado Clóvis Martins, do Departamento de Ordem Política e Social (Dops), que ameaçava “estourar” as fortalezas do jogo do bicho no Pará, em operação coordenada com as forças de segurança pública paraenses. Os bicheiros contra-atacaram com uma ameaça de abertura de comissão parlamentar de inquérito (CPI) na Assembleia Legislativa do Pará para apurar o envolvimento do próprio Clóvis Martins com a contravenção. E foi assim que Mário Couto apareceu nos jornais como “porta-voz” do grupo.
A explicação para o enfrentamento de um agente da repressão tem motivos menos republicanos: segundo as afirmações do próprio “porta-voz” Mário Couto, o jogo do bicho seria operado com o aval do então governador paraense, Hélio Gueiros, que recebia mensalmente Cz$ 1.600.000,00 dos bicheiros (um milhão e seiscentos mil cruzados), valor que era integralmente repassado a instituições de caridade, “para obras assistenciais”.
Na reportagem intitulada “O bicho contra-ataca”, sob o intertítulo “Contribuição”, o Diário do Pará, em sua edição de 5 de abril de 1988, registra: “Além disso, prosseguiu Couto: ‘O Jogo do Bicho emprega hoje cerca de 50 mil pessoas e sua proibição traria consequências desastrosas. Por isso, não acredito que o Governador do Estado, o secretário de Segurança Pública e os demais delegados estejam de acordo com a posição do delegado Clóvis Martins’”.
Risco de prisão
À reportagem deste site, Mário Couto disse que o delegado Clóvis o perseguia porque ele “batia forte” contra a demagogia em torno da contravenção (tipo penal de menor gravidade se comparado a crime ou infração). “Eu bati nele forte. E aí ficou a guerra dele contra mim, porque eu era o cara que tinha cabeça, e dizia que o jogo era ilegal, mas que ninguém prendia ninguém. Ele ficou meu inimigo, tentava me prender de todo jeito. Eu olhava pela janela, lá de cima de meu apartamento, e ele estava me esperando. Eu dizia ‘agora não vou sair, não’, porque ele estava me esperando, ia me prender”, admitiu Mário Couto, sem explicar por que poderia ser preso.
Outro tradicional jornal paraense, O Liberal afirma, também na edição de 5 de abril de 1988, que o jogo do bicho funcionava por meio de “acordo com o governo do Estado”, e faz menção à reunião do dia anterior em que os bicheiros, que haviam sido informados pessoalmente, pelo delegado Clóvis, de que seriam presos, decidiram reagir com a pressão da CPI. A ação os agentes do Dops, capitaneados pelo delegado Clóvis, era “uma maneira de protestar contra o governo” por aumento de salário, como disse àquele periódico um dos bicheiros reunidos em assembleia, João Bosco Moysés, da banca do bicho “JB”.
“A reunião teve início às 17 horas e contou com a presença de João Bosco Moysés (JB), Miguel Pinho e José Alencar (Estrela do Norte), Mário Couto (A Favorita), Waldemar Soares (A Preferida), Francisco Euclides (Bonanza), José Natanael Macedo (Grupo de Ouro), Pedro Biriba (Marajó) e Doriberto (Águia da Sorte)”, acrescenta aquele jornal do Pará, mencionando os nomes e as respectivas bancas de aposta dos bicheiros.
“Miguel Pinho disse que os bicheiros têm organizado reuniões há uma semana, desde de que o delegado Clóvis Martins comunicou a intenção de reprimir o jogo. ‘Ele avisou a cada um dos bicheiros, anunciando para hoje (ontem) o estouro das fortalezas, onde se faz a apuração da renda’, disse Pinho.” Além de O Liberal e Diário do Pará, o jornal A Província também noticia o imbróglio envolvendo o delegado do Dops e a associação dos bicheiros.
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