As manifestações populares – que a partir de junho marcaram a cena brasileira colocando milhares de brasileiras e brasileiros nas ruas a clamar pela melhoria dos serviços públicos – parecem ter inaugurado uma nova fase em nossa vida política. Entre a miríade de bandeiras levantadas pela multidão, destacam-se a exigência por mais qualidade e recursos para educação, saúde e segurança pública, o combate a corrupção, além do controle inflacionário. Pesquisa CNI-Ibope, divulgada no final de julho, mostrou exatamente isso: entre as principais reivindicações apontadas pelos entrevistados estão mais investimentos em saúde (43%), combate à corrupção (35%), segurança pública (20%) e queda da inflação (16%).
A agenda das ruas expressa uma ânsia da sociedade brasileira por maior participação e maior controle popular sobre o orçamento público, sobre suas prioridades, sobre os investimentos e recursos da União. Essa é uma questão crassa da democracia. E só a política pode respondê-la.
Tenho defendido com firmeza junto aos movimentos de mulheres, negros e da juventude, e também nos movimentos de pessoas com deficiência, grupos LGBT e tantos outros segmentos organizados da sociedade que representam as minorias discriminadas, que precisamos ampliar a participação desses segmentos nos processos políticos. Nesses movimentos, é unânime a compreensão de que isso só se dará por meio de uma ampla e democrática reforma política que possa incorporar mais, representar mais essa cara múltipla e multifacetada do nosso país.
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Temos hoje uma sub-representação de mulheres e negros no Parlamento brasileiro. No que se refere às mulheres, somos 51% da população brasileira e 52% do eleitorado. A presença feminina no poder público, no entanto, é diminuta: nas eleições de 2012, foram eleitas apenas 13,3% de vereadoras em todo o Brasil. Segundo a União Interparlamentar (IPU), entidade com sede na Suíça, entre 190 países, o Brasil ocupa a 158ª posição quando se considera a composição feminina dos parlamentos. Senado e Câmara são formados por apenas 9,87% de mulheres.
Da mesma forma, a população negra, que convive com altos índices de pobreza e ainda enfrenta uma situação de marginalidade em nosso país, depende dessa mesma reforma política para garantir a eleição de mais representantes. Eu, que venho de um Estado de maioria negra, de uma cidade de maioria negra, sei das dificuldades que temos para fazer valer o voto dessas comunidades.
O estímulo a essa participação na política começa pela mudança na legislação político-partidária, uma mudança que garanta maior participação de mulheres, negros e minorias; que modifique o sistema de financiamento das campanhas eleitorais; que estabeleça novas regras para o fundo partidário e o respectivo tempo de divulgação nos canais de rádio e televisão, entre tantos outros pontos fundamentais para que as pessoas sintam, efetivamente, que os espaços de representação estão se tornando mais igualitários.
E, acima de tudo, é preciso garantir o financiamento público de campanha, exclusivo, transparente e democrático, impedindo que a ação do poder econômico “sequestre” a representação política. E mais: com recursos públicos equânimes, que garantam o acesso de mulheres, negros, donas de casa, lideranças populares nos bairros, sindicatos e também nos partidos políticos para que estes possam, efetivamente, disputar democraticamente a representação popular em eleições limpas e transparentes.
As manifestações populares, acima de tudo, clamam por maior participação direta da população nas decisões do país. E essa manifestação não se contrapõe à democracia representativa. Ela clama, sim, por mais espaço na democracia participativa, à medida que pretende que esta represente melhor a população. E, para melhor representá-la, tem que ter mais a cara do povo brasileiro.
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