O doleiro Lúcio Bolonha Funaro, apontado na Operação Lava Jato como operador do PMDB em esquemas de corrupção, perdeu a ação que moveu contra o advogado Daniel Gerber, que iniciou as tratativas para uma colaboração com a Procuradoria Geral da República (PGR) e que, depois, seria acusado de abandono de causa em um dos processos judiciais a que responde. Preso desde julho de 2016, Funaro cobrava R$ 750 mil a título de indenização e, depois da saída do criminalista de sua defesa, passou a acusá-lo de monitoramento a mando do ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha (leia mais abaixo). A exemplo do presidente Michel Temer e do chefe da Secretaria-Geral da Presidência, Moreira Franco, Padilha foi denunciado ao Supremo Tribunal Federal (STF) por participação em organização criminosa.
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Segundo o juiz da 19ª Vara Cível de Brasília, Renato Castro Teixeira Martins, a argumentação apresentada por Funaro não tem cabimento. O juiz menciona ainda uma carta do doleiro para seu então defensor, na qual o elogia e agradece pelos serviços prestados “do fundo do coração”. “Como se vê, os supostos defeitos na prestação de serviços […] não ocorreram”, afirma Castro na sentença. “Essa conclusão é reforçada por uma carta escrita pelo autor, destacando-se os seguintes trechos: ‘Primeiro, gostaria de lhe agradecer todo o apoio incondicional a minha pessoa e minha família. Sou eternamente grato por isso. Segundo, queria lhe passar a minha admiração pessoal pela sua pessoa e pela maneira como conduz na carreira profissional. Queria lhe agradecer do fundo do coração por tudo’. Ora, se um cliente agradece ‘do fundo do coração’ por um trabalho impecável e irretocável do seu advogado, conclui-se que ficou muito satisfeito com o serviço prestado, bem como que não houve desídia, falta de atenção ou qualquer outro defeito.”
PublicidadeRenato Castro lembra que a correspondência foi escrita em 9 de novembro de 2016, no mesmo dia em que Gerber deixou a defesa de Funaro. O doleiro dizia que estava constituindo outra defesa e entendia as razões de Gerber “para declinar do caso”, mas não podia “deixar de ter mais aliados no meu time”, nas palavras do próprio doleiro. “Essas assertivas mostram que foi o autor quem deu causa à ruptura do contrato, pois resolveu contratar outros advogados ‘por motivos não republicanos’ não esclarecidos, conforme afirmado pelo réu”, conclui o juiz.
O magistrado ainda aponta que o ex-advogado do doleiro demonstrou documentalmente ter conseguido liminar para visitar o cliente durante greve de agentes penitenciários do Distrito Federal. A acusação de insuficiência de contato direto entre e Gerber e seu ex-cliente não seria válida. “O autor [da ação, Funaro] reconhece a ocorrência de várias visitas dos advogados na prisão, no total de 125”, diz o juiz. “O fato de a maioria delas ter sido feita pela Drª Viviana Covatti não revela desídia do réu [Gerber]. Afinal, considerando o que ordinariamente acontece, é natural a delegação de atividades para outros advogados do escritório, especialmente quando se trata de simples contato pessoal.”
“Além disso, se o autor não reclamou durante o período em que recebeu as 107 visitas da Drª Viviana, presume-se que estava satisfeito com o trabalho que vinha sendo desenvolvido pelo réu, inclusive por meio de um profissional de sua equipe. Por outro lado, é sabido que o principal trabalho do advogado criminalista não é o de visitar o cliente na cadeia, mas sim o de analisar processos, elaborar as peças processuais, desenvolver estratégias de defesa – eventualmente com os advogados de outros réus –, despachar com magistrados etc”, acrescentou o juiz Renato Castro.
Delação espontânea
Logo que foi preso pela Polícia Federal na Operação Sépsis, desdobramento da Lava Jato em julho de 2016, Funaro tentou fazer uma colaboração espontânea à Procuradoria-Geral da República (PGR) de forma não premiada, conforme mostram email obtido pelo Congresso em Foco. Uma mensagem foi encaminhada na tarde de 28 de julho do ano passado ao comando da PGR, quando o advogado solicitou audiência com o então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, “no intuito de buscar eventual oportunidade de colaboração com esta Procuradoria (não colaboração premiada, mas, apenas, colaboração)”. Era uma estratégia semelhante à adotada pela defesa do ex-ministro da Fazenda Guido Mantega, investigado na Lava Jato por suspeita de intermediar pagamentos da Odebrecht ao PT.
A colaboração judicial de Funaro articulada por Gerber não deu certo depois de uma reunião com procuradores considerada “tensa”. “A reunião na PGR foi tensa, pois os procuradores não admitiam iniciar o trabalho de aproximação aos poucos”, afirma o criminalista. “Esse acaba sendo o problema da PGR: conhece em um dia e quer casar no outro… Delação deveria ser como uma negociação qualquer, feita com calma, e avançando lentamente.”
Depois houve nova tentativa de delação na primeira instância, recorda o advogado. Gerber diz ainda que o processo foi interrompido porque o doleiro o dispensou, pois queria “facilidades”. “Funaro trocou de advogado antes de irmos adiante, acreditando em facilidades outras que eu jamais poderia oferecer”, afirmou ele ao Congresso em Foco. O ex-senador Luiz Estevão, condenado a 31 anos de prisão, passou a ser o “melhor amigo” de Funaro no Complexo Penitenciário da Papuda, em Brasília, e indicou a advogada Vera Silveira para suceder Gerber, segundo a revista Época. “O político já indicou advogada, dá conselhos e transmite informações de interesse do colega preso desde julho [2016] para que sejam publicadas em seu portal de notícias”, diz o texto assinado por Murilo Ramos, da coluna Expresso.
Funaro contratou Vera Silveira. Depois, contratou Antônio Figueiredo Basto, que trabalhou para o doleiro Alberto Youssef. Em 2017, ele conseguiu fechar acordo de colaboração premiada com a PGR.
O Congresso em Foco procurou os advogados de Funaro, Antônio Figueiredo Basto e Douglas Kakazu, para comentar a ação na 19a Vara Cível, mas não obteve esclarecimentos do primeiro e não localizou o segundo.
Lobista do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ), condenado na Lava Jato a mais de 15 anos de prisão, Funaro já havia feito acordo de colaboração premiada com o Ministério Público Federal (MPF) durante o processo do mensalão, que abalou o primeiro governo Lula a partir de 2005. Mas o doleiro voltou a praticar crimes e foi preso por ordem do ex-ministro do STF Teori Zavascki, morto em janeiro.
Monitoramento?
Nos inúmeros relatos feitos em sua delação premiada, Funaro acusou o ministro Eliseu Padilha de monitorá-lo por meio de três advogados – um deles seria Gerber – com o objetivo de impedir sua colaboração com a Justiça. A ideia era preservar, além de Padilha, também Temer e Moreira Franco de eventuais revelações do doleiro. O advogado rechaçou a acusação e fez críticas à propensão da PGR em conceder benefícios a delatores que fazem depoimentos sem fundamentação.
Gerber lembra que, quando ainda era defensor de Funaro, atuava no sentido contrário àquele delatado pelo doleiro, pois buscou fechar o acordo de delação de seu cliente, contrariando os interesses do Palácio do Planalto. Agora advogado de Padilha, ele diz ter sido escolhido pelo chefe da Casa Civil “por competência e lealdade aos clientes, não por motivos escusos”. O advogado diz ainda que, quando Funaro foi preso, viabilizou audiências de custódia que abriu caminho para a delação premiada do cliente. Uma vez encaminhado o processo para a primeira instância, afirma Gerber, ele participou de reunião com delegados do caso no sentido de fechar o acordo, mas Funaro decidiu romper o contrato com seu escritório, levando-o a deixar o caso.
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