Edson Sardinha |
Acostumados à pressão de representantes do poder econômico e dos sindicatos de trabalhadores, os parlamentares também sentem o peso dos lobbies religioso e gay, principalmente na Câmara, onde estão 17 das 18 proposições que tratam de assuntos relacionados à homossexualidade em tramitação no Congresso. Como num jogo de xadrez, os grupos de interesse que pressionam os parlamentares sabem que uma jogada em falso pode custar todos os passos anteriores e, por isso, estudam cada movimento do adversário antes de avançar no tabuleiro. A semelhança na estratégia de atuação é a única característica que aproxima as bancadas rivais. Por trás daqueles que combatem os projetos relacionados à defesa dos direitos dos homossexuais, há forte pressão por parte da Igreja Católica e das designações evangélicas. Um grupo tão heterogêneo quanto coeso. Afinal, o que mais poderia reunir em torno de uma causa o deputado Walter Pinheiro (PT-BA) e o senador Paulo Octávio (PFL-DF), ambos evangélicos, ou ainda o deputado Severino Cavalcanti, um católico fervoroso? Gênesis A resposta, segundo o coordenador da Frente Parlamentar Evangélica, deputado Adelor Vieira (PMDB-SC), está na leitura da Bíblia: “O livro de Gênesis é bem específico ao dizer que Deus olhou, viu o homem só e não gostou. Então disse: ‘Não é bom que o homem viva só e vou fazer para ele uma companheira, alguém que possa ajudá-lo’”. O argumento bíblico é a principal justificativa dos religiosos para combater propostas como a de parceria civil entre pessoas do mesmo sexo, o que seria, segundo eles, uma porta para o casamento. “O projeto da Marta Suplicy obriga os cartórios a manterem livro de registro para união civil de pessoas do mesmo sexo e com efeitos religiosos. Se isso se tornar lei, nós religiosos teremos de fazer a cerimônia, sob pena de sermos levados às raias da Justiça por descumprir uma determinação legal. Como pastor, eu terei de desobedecer”, reage o deputado Pastor Reinaldo (PTB-RS), da Igreja do Evangelho Quadrangular. Apesar de menos articulada, a bancada católica também se manifesta por meio de entidades como a antiga Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade (TFP) e o grupo Pró-Vida, de Anápolis (GO), conhecido pelo fervor com que se dedica à campanha sistemática contra o aborto. “Tentaram dar uma nova roupagam à proposta original, mudaram o texto para ‘parceria civil entre pessoas do mesmo sexo’ na ânsia de enganar alguém. Mas aqui nesta Casa ninguém é bobo. O que desejam mesmo os autores e defensores da proposta é legalizar o casamento entre homossexuais”, critica o deputado Severino Cavalcanti, um dos mais envolvidos na luta contra o projeto de lei que garante aos casais homossexuais praticamente os mesmos direitos reservados aos heterossexuais. A força do lobby “religioso” é apontada pela Frente Parlamentar da Livre Expressão Sexual como principal motivo da morosidade do Congresso para analisar propostas que dizem respeito aos homossexuais. A articulação do lobby “gay” ainda é incipiente, mas já é vista com reserva por parte da bancada evangélica. “Eles poderiam até avançar mais, se não fossem tão ousados”, comenta uma pastora, chefe-de-gabinete de um deputado. Em todo o país, cerca de 150 entidades empunham as cores do arco-íris, símbolo do movimento homossexual. O trabalho de pressão sobre os parlamentares está concentrado em duas organizações não-governamentais, a Atitude e a Estruturação, de Brasília. “Fazemos o lobby do bem porque queremos travar a discussão desses projetos de uma forma mais visível”, diz um dos membros da Articulação, Caio Varela, também diretor-executivo do Instituto Nacional de Estudos Socioeconômicos (Inesc), uma ONG que monitora a tramitação de projetos relacionados com o meio ambiente, gastos públicos, criança e adolescente e políticas agrícola, indígena e internacional. Segundo ele, a criação de uma frente parlamentar que defenda os interesses dos homossexuais representa um avanço do movimento no parlamento, ainda que incipiente. “Para irmos adiante, temos de mostrar que a questão não é de sexualidade, mas de afetividade”, avalia. Voto difícil O presidente da Estruturação, Elton Trindade, considera que os parlamentares também são vítimas de preconceito no Brasil. “Por isso, nenhum deputado assumiu a sua homossexualidade até hoje”, afirma. Os ativistas sabem que pôr em dúvida a sexualidade de senadores e deputados não é uma estratégia produtiva. No final da década de 90, o Grupo Gay da Bahia (GGB) ameaçou apresentar uma relação com o nome de parlamentares homossexuais enrustidos, como forma de pressionar pela aprovação do projeto da parceria civil entre pessoas do mesmo sexo. A lista nunca apareceu e o movimento foi persuadido pela então deputada Marta Suplicy a não mexer mais nesse vespeiro. A ameaça só aumentou a resistência dos parlamentares às proposições que dizem respeito aos direitos dos homossexuais. A estratégia do movimento, a partir de agora, é intensificar uma campanha de conscientização entre a comunidade para eleger o maior número possível de candidatos que se identificam com a causa. “Até mesmo os homossexuais têm dificuldade de votar nos gays”, admite Toni Reis, secretário-geral da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros (ABGLT). Por enquanto, a comunidade só conseguiu cadeira em pequenos redutos eleitorais. Nas grandes cidades, o máximo que conseguiram foi eleger suplente de vereador. A estratégia é vista com reservas dentro do próprio movimento. “De nada adianta eleger um homossexual que não está afinado com as discussões que afligem o grupo. É preciso que seja alguém com representatividade”, observa Varela. |
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