Antonio Corrêa de Lacerda *
A Lei n. 11.196, de novembro de 2005, batizada no seu nascedouro de “Lei do Bem” por conceder benefícios fiscais de âmbito federal às atividades empresariais de inovação, acaba de completar dez anos. Por meio dela foi instituído o Regime Especial de Tributação para a Plataforma de Exportação de Serviços de Tecnologia da Informação (Repes), o Regime Especial de Aquisição de Bens de Capital para Empresas Exportadoras (Recap) e o Programa de Inclusão Digital. Além disso, ela dispunha sobre incentivos fiscais para a inovação tecnológica. Por ironia, o seu aniversário está sendo (des)comemorado. No âmbito do ajuste fiscal, os tais benefícios foram suspensos pela Medida Provisória 694/2015, editada no final do ano passado e a qual, por analogia ou contraposição, podemos nomear “MP do Mal”, que suspende durante o ano de 2016 a possibilidade de empresas de inovação tecnológica deduzirem do cálculo do imposto até 60% do montante gastos com pesquisas e desenvolvimento de tecnologias.
Há duas grandes contradições presentes na política macroeconômica em vigor neste segundo mandato da presidente Dilma Rousseff. A primeira é a extraordinária conta de juros sobre os encargos da dívida pública, que deverão representar um dispêndio da ordem de R$ 550 bilhões este ano (183 vezes mais do que a economia que o governo pretende fazer com a “MP do Mal”). Ou seja, todo e qualquer esforço de corte de gastos, incluindo investimentos públicos, mais os eventuais ganhos de acréscimo de tributação não apenas serão integralmente despendidos no pagamento de juros, como serão insuficientes. Além disso, os elevados juros têm feito secar as fontes de crédito e financiamento privados, em um ambiente de restrição de alternativas oriundas dos bancos públicos.
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A outra contradição se refere ao fato de o período de vigência da Lei do Bem ter coincidido com um longo processo de valorização artificial do real, o que limitou significativamente a sua eficácia e de todos os instrumentos indutores da inovação e investimentos privados. Exatamente no momento em que ocorre o ajuste da taxa de câmbio, que se tornou mais favorável à agregação de valor local e aos investimentos em inovação, o incentivo é suspenso. Há ainda o constrangimento, ou decepção, daqueles que confiaram na legislação para incrementar suas atividades produtivas. Melhor se deu quem não acreditou e preferiu utilizar seus recursos para aplicar em papéis do Tesouro que rendem em média 14,25% ao ano, sem grandes esforços e riscos. A suspensão também ilustra a instabilidade de regras que prejudica o desenvolvimento.
Enquanto isso, nossos concorrentes principais, tanto os países avançados como em desenvolvimento, contam com políticas industriais perenes de Estado. Deveríamos manter a estabilidade das regras, pois o aculturamento dos empreendedores leva tempo. Além disso, poderíamos aproveitar a experiência para aprimorar a legislação, por exemplo estendendo os benefícios fiscais hoje restritos às empresas optantes do regime de tributação por lucro presumido a todas as empresas. Também seria importante corrigir diferenças de interpretação legal entre os ministérios e órgãos vinculados àquela da Receita Federal, pois houve casos de glosa quando da utilização dos benefícios por parte de empresas.
No que tange às politicas industriais no sentido latu, continuamos reféns da instabilidade de curto prazo. Contamos com poucos instrumentos perenes e estáveis, o que torna as decisões empresariais mais difíceis e arriscadas. O Índice de Confiança do Empresariado Industrial (Icei), medido pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), segue em queda livre, muito abaixo da sua média histórica. A consequência dessa instabilidade, associada às politicas macroeconômicas restritivas, será uma retração inédita nos investimentos privados no triênio 2014/2015/2016. Mais do que um problema restrito à indústria, a sociedade brasileira está sendo afetada pela intensificação da recessão e de todas as mazelas decorrentes. Enquanto isso, valeria apressar a reversão do quadro negativo e evitar medidas que possam prejudicá-lo ainda mais, como – no exemplo citado – a “MP do Mal”.
Publicidade* Antonio Corrêa de Lacerda é professor-doutor da PUC-SP, consultor de empresas e membro do Grupo Reindustrialização.
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