O descontentamento de certos caciques petistas ficou explícito hoje (sexta, 10), em um centro de convenções de Brasília, durante a cerimônia de 32 anos do partido. Na presença da presidenta Dilma Rousseff, na abertura da solenidade, milhares de militantes do PT entoaram uma estrondosa vaia ao prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab (PSD), que estava presente na condição de convidado de “partido aliado”. Em momento de constrangimento geral, os gritos de “fora, Kassab” eram proferidos ao passo em que os demais figurões presentes eram anunciados, em rol que incluía nomes como o ex-chefe da Casa Civil José Dirceu (ovacionado, ao contrário de Kassab) e Fernando Haddad, o ex-ministro da Educação ungido pelo ex-presidente Lula para a disputa pela Prefeitura de São Paulo, nas eleições de outubro deste ano.
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Kassab não discursou.
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A presença do prefeito do recém-criado PSD era a explicação personalizada da ausência da vice-presidente do Senado, a petista Marta Suplicy (SP), que desistiu exatamente de disputar a sucessão na Prefeitura de São Paulo por pressão do presidente Lula. Sentindo-se desprestigiada pela cúpula do partido, a ponto de ameaçar quebrar o acordo da bancada no Senado e se manter na vice-presidência, Marta disse em entrevista que não queria correr o risco de “acordar de mãos dadas” com o ex-integrante do DEM, um dos principais partidos de oposição ao governo Dilma. Mais: testa o PT ao sinalizar que não intercederá junto ao seu eleitorado paulista em favor de Haddad, mantendo uma espécie de fogo amigo pronto para ser disparado.
Ao justificar o não comparecimento aos 32 anos do PT, Marta emitiu uma nota. Enaltecendo as “bandeiras históricas” defendidas pelo petismo e as “conquistas sociais” obtidas pelas gestões Lula e Dilma por meio do “modo petista de governar”, a ex-prefeita de São Paulo deixou nas entrelinhas o desejo de poder, em um futuro próximo, voltar a representar a legenda nas urnas em uma eventual disputa naquele estado, há 16 anos sob o comando do PSDB.
“Espero que sempre estejamos fortes e unidos nas próximas décadas, oferecendo ao Brasil um governo com responsabilidade social acima de tudo”, diz trecho da nota (clique aqui para ler a íntegra da nota).
Homenagem
A solenidade foi marcada pela homenagem ao militante “número 1” do PT, Apolônio de Carvalho, o primeiro da história a assinar uma ficha de filiação do partido. Ao render suas homenagens em discurso, o presidente da sigla, Rui Falcão, chamou Dilma para o ato de entrega de uma ficha de filiação ampliada e emoldurada em material vermelho. Emocionada, a viúva de Apolônio, a comunista francesa Renée Laugery de Carvalho, foi convidada para discursar.
“Que esses exemplos guiem os passos de nosso querido Partido dos Trabalhadores”, exaltou Dilma ao final de seu discurso, depois de mencionar breves linhas sobre a trajetória do casal histórico. Na plateia lotada e no púlpito de honra, aplausos entusiasmados de figuras como os ministros Ideli Salvatti (Relações Institucionais) e Aloizio Mercadante (Ciência e Tecnologia), os governadores Marcelo Déda (Sergipe) e Agnello Queiroz (Distrito Federal), os senadores Jorge Viana (AC) e José Pimental (CE), e os deputados Cândido Vacarezza (SP) e Ricardo Berzoini (SP).
Mensagem de Lula
Antes do discurso de encerramento de Dilma, Rui Falcão iniciou seu pronunciamento com a leitura da mensagem enviada pelo presidente Lula, ausência mais sentida da festa. Manifestando a vontade de estar presente à ocasião e justificando a ausência com a obrigação de seguir a “rigorosa rotina” da “reta final” do tratamento contra um câncer, Lula disse que não via a hora de voltar à “militância política” e se juntar a pessoas como a “corajosa, lúcida e competente” presidenta Dilma.
“O PT tem motivo de sobra para se orgulhar de sua trajetória e de suas conquistas”, disse Lula na voz de Falcão, acrescentando que o Brasil está “aprendendo a admirar” Dilma e ressaltando, na maior parte do discurso lido, os espaços internacionais de destaque que têm sido ocupados pelo Brasil, principalmente nas áreas econômica e social.
Depois de ler a carta de Lula, Falcão não mencionou nomes tucanos ou fez qualquer menção direta ao partido, mas alfinetou a oposição ao abordar, indiretamente, versões espalhadas pelo PSDB de que o PT se valeu da privatização, com a gestão de três aeroportos dias atrás entregues à iniciativa privada, depois de passar anos criticando a “privataria tucana”. “Se tem alguém a temer o contraste das posições, é a oposição, e não o PT”, bradou, no momento em que se ouviu na plateia mais um “fora, Kassab!”.Em mais um momento de constrangimento para o prefeito de São Paulo, Falcão disse, aumentando o tom da voz, que o PT não faria qualquer “composição” com os três partidos que desempenham “oposição mais sistemática ao governo petista – PSDB, DEM e PPS”.
Obediência relativa
Antes de Dilma e Kassab, o presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), fez um efusivo discurso em que lembrou, em 27 anos de militância, jamais ter deixado de votar no PT. “Não me arrependo de um voto dado sequer nesses 27 anos. Nós estamos transformando a vida das pessoas, e fazendo com que o Brasil se torne, de fato, uma grande nação”, discursou, depois de ter dito em entrevista nesta semana que não era obrigado a “obedecer ao governo” – resposta à repercussão negativa, na cúpula petista, por ele ter retirado de pauta o projeto de lei do Funpresp (PL 1992/2007; leia mais sobre o assunto), que institui o regime de previdência complementar dos servidores públicos federais, uma matéria de interesse do Palácio do Planalto.
A ação de Maia é vista como retaliação à rejeição de um indicado para diretoria do Banco do Brasil, bem como às recentes demissões de aliados na instituição financeira. Embora ele negue essa tese publicamente, membros do próprio PT o criticam pela conduta e consideram que ele extrapolou os limites. A despeito da postura do presidente da Câmara, Rui Falcão disse, ao final da rodada de discursos, que não há festa sem bolo e brinde. Assim, a comemoração foi encerrada com música e garçons servindo à militância generosas taças de champanhe, enquanto a cúpula petista caía no samba. Inclusive a presidenta.