O juiz Luís Carlos Valois, que negociou com os presidiários na rebelião de Manaus que resultou no maior massacre em unidades prisionais desde o Carandiru, em 1992, relatou ter sofrido ameaças de morte de uma das facções criminosas nesta terça-feira. Em texto publicado no Facebook, Valois refutou com veemência reportagem publicada no jornal O Estado de S. Paulo que aponta suspeita de ligação dele com a Família do Norte, facção vinculada ao Comando Vermelho, que entrou em confronto com presos do Primeiro Comando da Capital (PCC). Segundo ele, as ameaças foram feitas por pessoas que se identificaram como sendo do PCC, após a publicação da reportagem. Valois recebeu o apoio, nesta tarde, da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), que defendeu sua inocência e o seu esforço para tentar evitar o massacre.
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“Eu não era o único a negociar a rebelião. Desenterraram uma investigação contra mim da Polícia Federal em que esta escuta advogados falando o meu nome para presos, sem qualquer prova de conduta minha. Detalhe, todos os presos das escutas estão presos, nunca soltei ninguém. Mas insinuaram que isso tinha algo a ver com o fato de eu ter ido falar com os presos na rebelião, que sequer eram os mesmos da escuta. Fui porque tinha reféns”, escreveu o magistrado.
A reportagem do Estadão diz que Valois foi alvo de busca e apreensão na segunda fase da operação La Muralla. Responsável pela Vara de Execução Penal (VEP) do Fórum Henoch Reis do Tribunal de Justiça, em Manaus, o nome dele apareceu nas interceptações da comunicação de integrantes da Família do Norte realizadas pela Polícia Federal. O juiz foi citado em uma conversa entre uma advogada e um dos líderes da facção. Conforme relato da operação, o criminoso afirmou que os detentos estavam dispostos a assinar um abaixo-assinado para que o magistrado continuasse à frente da Vara de Execuções Penais.
Valois escreveu que, após a publicação da reportagem, passou a receber ameaças de morte da facção rival da Família do Norte (no caso, o PCC). “Tudo que fiz, negociei e ajudei a salvar dez funcionários do Estado, reféns dos presos, fiz sob orientação dos policiais. Tudo isso falei para o tal Estadão, mas foi indiferente para eles. Agora recebo ameaças de morte da suposta outra facção, por causa da matéria covardemente escrita, sem sequer citar o que falei. Covardes. Estadão covarde, para quem não basta ‘bandido morto’, juiz morto também é indiferente.”
PublicidadePara a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Valois “atuou com verdadeiro espírito de servidor público zeloso e compromissado”. “Não estava de plantão ou no exercício da atividade, pois o fato se deu em recesso forense, mas ao ser acionado pela cúpula da segurança pública do Amazonas, prontamente atendeu ao chamado e se dirigiu ao local dos acontecimentos para contribuir com a solução do problema”, diz a nota assinada pelo presidente da entidade, Jayme de Oliveira.
Salvo pela sorte
O Congresso em Foco não conseguiu falar com Luís Carlos Valois nesta terça-feira. Mas, em 2013, o juiz contou à Revista Congresso em Foco que teve de contar com a sorte para escapar da morte em razão de seu trabalho. No começo de 2012, o Tribunal de Justiça do Amazonas recebeu um ofício da secretaria de Segurança Pública sobre a descoberta de um plano, tramado por um preso, para assassinar o magistrado. O tribunal só informou o juiz da ameaça seis meses depois. “O descaso é tão grande que até hoje não sei direito do que se trata. Há mais de um ano pedi informações ao tribunal. Nunca tive resposta”, disse o juiz.
Em seguida, ele recebeu escolta policial cedida pelo governo amazonense. Em 2013, a proteção passou a se restringir aos seus filhos. “Não vejo nenhum juiz mais ameaçado do que qualquer cidadão comum, porque ninguém tem segurança no Brasil. Fazer segurança de uma pessoa com dois ou três policiais é apenas para dar a ilusão de que se está protegendo”, afirmou Valois na ocasião.
Na avaliação dele, o Brasil trata de maneira equivocada a segurança pública. “O sistema prisional está abarrotado de gente miserável. Todos os traficantes presos são pobres e estão misturados a homicidas. É ilusão acreditar que teremos solução de um problema social discutindo direito penal”, declarou.
Veja a íntegra da nota divulgada pelo juiz nesta terça-feira:
“Sobre a covardia do Estadão. Ontem, depois de passar doze horas na rebelião mais sangrenta da história do Brasil, um repórter, dito correspondente desse jornal me liga. Eu digo que estou cansado, sem dormir a noite toda, mas paro para atende-lo por vinte minutos. Algumas horas depois sai a matéria: ‘Juiz chamado para negociar rebelião é suspeito de ligação com facção no Amazonas’. O Estadão é grande, eu sou pequeno, um simples funcionário público do norte do país. Eles não publicaram nada do que falei, nem, primeiramente, o fato de que eu não era o único a negociar a rebelião. Desenterraram uma investigação contra mim da Polícia Federal em que esta escuta advogados falando o meu nome para presos, sem qualquer prova de conduta minha. Detalhe, todos os presos das escutas estão presos, nunca soltei ninguém. Mas insinuaram que isso tinha algo a ver com o fato de eu ter ido falar com os presos na rebelião, que sequer eram os mesmos da escuta. Fui porque tinha reféns. Estamos no recesso, eu não estou no plantão, fui porque havia reféns, dez reféns, mas isso eles não falaram também. Fui chamado pelo próprio Secretario de Segurança do Amazonas que, não por coincidência, é um dos delegados da Polícia Federal mais respeitados do Estado. Ele, o delegado, veio me buscar em casa, me cedeu um colete a prova de balas, e fomos para a penitenciária. O secretário de administração penitenciária, egresso igualmente da PF também estava lá aguardando. Tudo que fiz, negociei e ajudei a salvar dez funcionários do Estado, reféns dos presos, fiz sob orientação dos policiais. Tudo isso falei para o tal Estadão, mas foi indiferente para eles. Agora recebo ameaças de morte da suposta outra facção, por causa da matéria covardemente escrita, sem sequer citar o que falei. Covardes. Estadão covarde, para quem não basta “bandido morto”, juiz morto também é indiferente.”
Abaixo, a nota de apoio da AMB a Luís Carlos Valois:
“A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) vem a público prestar solidariedade ao Poder Judiciário do Amazonas, à Associação dos Magistrados do Amazonas (Amazon) e, em especial, ao juiz Luís Carlos Honório de Valois Coelho, responsável pela Vara das Execuções Penais de Manaus, ante as irresponsáveis ilações sobre a conduta do magistrado.
Em primeiro lugar, a morte de sessenta custodiados representa uma grave ruptura no sistema prisional brasileiro e deve ser objeto da mais absoluta repulsa e ensejar sérias alterações nas políticas públicas relativas a presos no Brasil.
Em segundo, pelo que se verifica nas notícias até então veiculadas, tratou-se de uma guerra de facções no interior do claustro, o que mostra a face mais horrenda do crime, ante a escalada desenfreada da violência, a tomar conta de estruturas do estado.
Em terceiro, o juiz de Direito Luís Valois atuou com verdadeiro espírito de servidor público zeloso e compromissado: não estava de plantão ou no exercício da atividade, pois o fato se deu em recesso forense, mas ao ser acionado pela cúpula da segurança pública do Amazonas, prontamente atendeu ao chamado e se dirigiu ao local dos acontecimentos para contribuir com a solução do problema.
Mesmo diante do cenário de terror presenciado, Valois contribuiu para a pacificação na casa penal.
Não obstante, matéria do Estadão reproduzida por diversos veículos de imprensa, destacou uma suposta acusação feita contra Valois, que não condiz com a realidade e a seriedade do trabalho realizado pelo juiz.
O magistrado Luís Valois tem o respeito da magistratura amazonense e brasileira que lhe disponibiliza, inclusive, os meios necessários à reposição da verdade e da honra atacadas.
A AMB apoia a nota expedida pelo presidente da Amazon, Cássio André Borges, e se coloca à disposição, por meio da sua assessoria jurídica.
Brasília, 03 de janeiro de 2017.”
Jayme de Oliveira
Presidente da AMB”
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