Homem forte da gestão Temer, o líder do governo no Senado, Romero Jucá (MDB-RR), virou réu pela primeira vez no Supremo Tribunal Federal (STF) em um dos inquéritos da Operação Lava Jato. Nesta terça-feira (13), a Primeira Turma do STF aceitou a denúncia contra o emedebista feita a partir de investigações que envolvem a Odebrecht, uma das empreiteiras responsáveis pelo bilionário esquema de corrupção instalado na Petrobras.
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Jucá é acusado de receber propina de R$ 150 mil em troca da defesa de duas medidas provisórias (MP 651/2014 e MP 656/2014) que, segundo os investigadores, foram concebidas para beneficiar a empreiteira. A suspeita é de que o dinheiro serviu à campanha do filho de Jucá, Rodrigo, ao posto de vice-governador de Roraima em 2014. Por meio de notas em seu nome e em nome do MDB, partido que preside, o senador se defende e diz lamentar a decisão do colegiado. Antônio Carlos de Almeida Castro, advogado que defende Jucá neste caso, também se manifestou e sugeriu a rediscussão do papel do parlamentar (leia as íntegras abaixo).
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O colegiado, formado por cinco juízes do STF, decidiu tornar Jucá réu por quatro votos a favor. O ministro Luiz Fux, voto que falou no julgamento desta terça-feira, não participou da deliberação. Trata-se do primeiro inquérito decorrente das delações da Odebrecht que passa ao estágio da ação penal, quando o acusado é tornado réu e, nessa condição, é levado a julgamento pelo conjunto da corte depois da instrução processual. A colaboração premiada da empreiteira reuniu quase 80 executivos com informações já homologadas.
Segundo levantamento realizado periodicamente pelo Congresso em Foco, além deste inquérito, Jucá chegou a ser alvo de 12 outras investigações no Supremo. O número pode ser ainda maior, uma vez que alguns procedimentos investigatórios podem correr em segredo de Justiça e não são dispostos nos canais de informação do STF.
Daquele total de 13 inquéritos, apenas 11 estão ativos (os números: 2116, 2963, 4347, 4326, 4413, 4437, 4215, 4501, 4460, 4426 e 4382) – duas acusações foram arquivadas nas últimas semanas. Como este site mostrou em 5 de fevereiro, um desses arquivamentos foi decorrência de prescrição de prazo, ou seja, quando a demora no andamento e o rito das investigações acabam por favorecer o investigado.
Efeito Janot
O caso em questão teve início em 28 de agosto de 2017, quando o então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, apresentou a denúncia contra o senador. A acusação foi baseada nos depoimentos de delação premiada de Cláudio Melo Filho, ex-executivo da Odebrecht. Segundo o delator, o pagamento ocorreu após um pedido de Jucá e não há como justificar que o repasse foi feito como doação partidária.
De acordo com a denúncia, depois de acertada a atuação do senador para garantir que a redação do texto final da Medida Provisória 651/2014 atendesse aos interesses da Odebrecht, em 24 de outubro de 2014, a empresa doou R$ 150 mil ao Diretório do PMDB de Roraima. Nesse mesmo dia, o Diretório Estadual do PMDB de Roraima doou esse exato valor à campanha de Francisco de Assis Rodrigues a governador, de cuja chapa participava Rodrigo Jucá. O próprio site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) traz a Odebrecht como doadora originária.
Responsável por um pedido de prisão para Jucá, Janot passou a ser atacado pelo senador a partir de 2016, quando veio à tona o áudio em que foi gravado sugerindo “estancar a sangria” da Lava Jato. Em uma dessas ocasiões, o emedebista foi à tribuna do plenário e, em discurso contra o afastamento de outro investigado, Aécio Neves (PSDB-MG), pelo Supremo, disse que o ex-procurador-geral “teve que engolir a sangria”.
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Jucá fazia menção ao caso em que, junto com outros caciques do “quadrilhão do PMDB”, foi acusado pelo próprio Janot de obstrução de Justiça. Gravado em áudio pelo ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado, no famigerado diálogo em que fala de “estancar a sangria”, o senador foi beneficiado com o arquivamento por insuficiência do conjunto probatório, segundo conclusão da Polícia Federal endossada por Janot.
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Pacote de bondades
Durante encontro com Cláudio Melo Filho, Romero Jucá informou que tentaria a relatoria da Medida Provisória 651/2014, conhecida como “pacote de bondades”. O senador não obteve a relatoria, mas se tornou presidente da Comissão Mista da tramitação da MP, que alterou a legislação tributária federal relativa ao Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ) e a outros tributos. Esses assuntos eram de interesse do grupo Odebrecht.
Na tramitação da MP, foram apresentadas 334 emendas ao texto inicial. Dessas, 23 foram apresentadas por Romero Jucá e 7 foram aprovadas total ou parcialmente. Todas as aprovadas tiveram como foco o artigo 33 e seus parágrafos, exatamente a parte que interessava à Odebrecht. A denúncia relaciona todas as alterações sofridas na MP a partir das emendas apresentadas. O problema é que o parágrafo 7º ao art. 33, proposto por emenda de Romero Jucá, que previa a eliminação de efeitos fiscais na cessão de créditos, não foi aprovado.
No entanto, dispositivo de efeitos mais benéficos foi aprovado posteriormente, na tramitação da Medida Provisória 656/2014, por emenda apresentada uma vez mais pelo senador Romero Jucá que trata da redução para zero da alíquota de PIS e COFINS. Essa redação beneficia as empresas que cedem créditos previstos na Lei 13.043/2014, pois, no caso daquelas que apuram o Imposto de Renda Pessoa Jurídica e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido na modalidade Lucro Real, em geral, as alíquotas de PIS e COFINS são de 7,6 e 1,65% sobre o faturamento.
Leia a nota do senador:
Estou tranquilo em relação à decisão do STF de hoje. O STF não se pronunciou sobre o mérito, apenas sobre os trâmites. O processo se trata de uma doação de campanha oficial de R$ 150 mil , cujas contas foram todas aprovadas pelo TSE e órgãos competentes. Reitero confiança na justiça e estou à disposição.
A nota do MDB:
O MDB lamenta que doações legais sejam criminalizadas com base apenas em depoimentos mentirosos de delatores. O partido reforça sua confiança na Justiça e espera que a verdade supere as insinuações.
A nota do advogado:
A Primeira Turma do Supremo Tribunal recebeu hoje a Denúncia apresentada contra o Senador Romero Jucá no caso da delação da Odebrecth. A acusação, no entendimento da defesa, abre uma necessidade de se discutir o papel do parlamentar nas democracias representativas.
O Senador agiu na absoluta competência que lhe dá o cargo ao defender emendas, de maneira clara e transparente, dentro de sua competência e atribuição. À época da discussão de determinadas emendas o Senador, enquanto Presidente do PMDB, e rigorosamente dentro da lei, solicitou, de maneira direta e sem subterfúgios, uma doação para uma campanha política. A doação foi feita de maneira legal, “caixa 1”, e foi regularmente declarada. Não há nenhum link entre a doação e o trabalho parlamentar. É preocupante a hipótese de criminalizar a política.
Ninguém esta acima da lei, é óbvio, mas neste momento punitivo é necessário que não façamos da atividade parlamentar uma atividade criminalizada. O recebimento da Denúncia, como bem observaram todos os ministros do Supremo, não significa que o Senador tem qualquer culpa formada. É apenas o início do processo.
Agora que a defesa vai poder usar a ampla defesa e o contraditório para mostrar a completa inocência do Senador. Mas o simples recebimento já é um ônus grave para o inocente. Confiamos na lucidez e serenidade quando do julgamento do mérito pelo Supremo Tribunal Federal.
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