Um admitiu, descartou, admitiu e descartou novamente ser candidato. O outro está próximo de anunciar sua filiação depois de um longo e silencioso namoro. Ambos, porém, têm condições de provocar uma reviravolta no quadro eleitoral. O apresentador Luciano Huck e o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Joaquim Barbosa serão candidatos com grandes chances na corrida eleitoral caso assumam suas candidaturas, avalia o sócio-diretor do Instituto Locomotiva, Renato Meirelles.
Por meio do Instituto Datapopular, o publicitário virou referência, ainda no governo Lula, na pesquisa do comportamento, hábito e consumo da chamada nova classe média, camada da população que ascendeu socialmente na era petista. Para Meirelles, há algo em comum entre Huck e Joaquim além da fama que angariaram na TV e no Judiciário, respectivamente.
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“Joaquim Barbosa e Luciano Huck teriam grande chance. Em especial, o Huck. Não é só pela fama, mas porque ele construiu a narrativa do consenso e não do dissenso. Seria um candidato que falaria com a base eleitoral do Lula e do PSDB. Seria uma candidatura que caminharia para unir, e não para dividir os brasileiros. A trajetória que marca ele é de quem empodera as pessoas. Isso dialoga com a demanda do eleitor que quer ser empoderado. Huck seria o player mais competitivo, com maior potencial de crescimento”, avalia.
Para o publicitário, Joaquim Barbosa tem um perfil que lembra, em parte, o do ex-presidente Lula e de grande parte da população brasileira. “Joaquim Barbosa tem história mais próxima do Lula, de quem veio de baixo e venceu na vida, tem uma história de intransigência com a corrupção, é negro como 53% da população, o que daria identidade maior com a população brasileira, tem possibilidade de balançar o jogo”, considera.
Desde que assumiu pela primeira vez o desejo de disputar a Presidência, Huck demonstrou insegurança com que decisão tomar por meio de suas idas e vindas. Seu flerte mais recente foi com o PPS, mas ele divulgou, após semanas de suspense, que está fora da disputa. Já o ex-presidente do STF ainda analisa o convite do PSB para se filiar. Mas, mesmo que assine a ficha de filiação, ainda não tem a garantia de que será candidato presidencial. Uma ala do partido prefere não lançar nome próprio ao Planalto para poder costurar alianças estaduais, sobretudo em Pernambuco, estado onde a legenda é mais forte.
“Os eleitores não se sentem representados pela política tradicional: 78% dos eleitores dizem que não votariam em quem exerce hoje o mandato de deputado ou senador”, explica. “Há uma vontade gigantesca de renovação no Legislativo e no Executivo. Isso reflete a total desconexão de governantes e governados nos últimos anos. Cresceu muito de 2013 para cá a política de que nenhum político ‘me representa’”, emenda Meirelles.
Para o diretor do Instituto Locomotiva, a tendência é que tenhamos um segundo turno disputado entre dois candidatos que, somados, não terão metade dos votos válidos na primeira rodada de votação. Renato Meirelles acredita que a eleição será marcada pela pulverização e pela falta de candidatos que representem o novo, perfil demandado pela maioria do eleitorado.
“O que significa que os eleitores terão de decidir entre duas propostas que, juntas, não tiveram nem metade do apoio da população. Isso cria um ambiente de instabilidade para o próximo presidente, seja ele quem for, e o eleitor votando pela exclusão. A escolha se dará entre os menos pior e não pela identidade do eleitor com a candidatura.”
Veja a entrevista de Renato Meirelles ao Congresso em Foco:
Congresso em Foco – O que podemos esperar da eleição presidencial de outubro?
Renato Meirelles – Tendemos a ter uma eleição mais pulverizada, a passada foi muito polarizada. Temos de analisar o processo eleitoral sob a lógica da oferta que será feita ao candidato e da demanda, o que os eleitores querem. Se olharmos pela lógica da demanda, é pela total renovação na política, no Congresso Nacional. Os eleitores não se sentem representados pela política tradicional: 78% dos eleitores dizem que não votariam em quem exerce hoje o mandato de deputado ou senador. Há uma vontade gigantesca de renovação no Legislativo e no Executivo. Isso reflete a total desconexão de governantes e governados nos últimos anos. Cresceu muito de 2013 para cá a política de que nenhum político “me representa”.
E qual a oferta?
A oferta caminha para não ter nenhuma figura que pregue a renovação na política. É fundamental enxergar se teremos a candidatura ou não a candidatura de Luciano Huck ou Joaquim Barbosa. No cenário de não termos essas candidaturas, o eleitor terá de escolher entre quem sempre fez parte da política tradicional. Isso leva a dois fenômenos, um deles o cenário de pulverização do voto. Provavelmente teremos duas candidaturas indo para o segundo turno com menos de 20% dos votos). O que significa que os eleitores terão de decidir entre duas propostas que, juntas, não tiveram nem metade do apoio da população. Isso cria um ambiente de instabilidade para o próximo presidente, seja ele quem for, e o eleitor votando pela exclusão. A escolha se dará entre os menos pior e não pela identidade do eleitor com a candidatura.
Isso favorece quem fizer o discurso de é está contra tudo que está aí?
Todos os políticos vão dizer que são contra tudo que está aí. A questão é que o eleitor vai precisar de uma razão para acreditar nisso. Vai ter de demonstrar que está disposto a abrir mão de poder em favor do empoderamento da população. Quantos estão dispostos a discutir com eleitores o destino de suas emendas parlamentares? Quantos estão dispostos a desenvolver o código de defesa do cidadão nos moldes do consumidor, que garante mecanismos de escuta do cidadão para saber a quem recorrer caso não seja atendido de forma satisfatória no serviço público? Quantos desses deputados e senadores estão dispostos a constituir modelo orçamentário em que parte das decisões se dê pelo orçamento participativo de forma digital? Não é secundário esse trabalho. A reconexão das pessoas com seus representantes se dará por uma transferência de poder de políticos para o cidadão. Ninguém gosta de perder poder.
A tendência é haver menor renovação no Congresso?
Deve haver renovação tradicional no Congresso. A questão que se dá, por um lado, é pela qualificação. Por outro lado, no Executivo depende da oferta. As pessoas não querem apenas um rosto novo, querem novas práticas políticas. Qualquer candidato, mesmo da política tradicional que defenda processo de renovação, terá de mostrar que razão ele dá para o eleitor acreditar que vai fazer isso.
Em que temas eles terão de centrar?
Temos de novo a relação de oferta e demanda. A demanda é por uma discussão de futuro, quais são os rumos para sair da crise econômica, como oferecer um Estado que ofereça igualdade de direitos e oportunidades, como caminhar para os direitos civis para garantir mesmos direitos e também a pauta de segurança. A oferta vai ser falar mal dos outros políticos. O eleitor quer falar de futuro e o político quer falar de passado. Continua a desconexão completamente.
Que influência podem ter movimentos apartidários que defendem novas práticas políticas?
Podem ter influência. São grupos que dialogam fortemente com a demanda de mudança, mas que têm o desafio de pautar isso no processo eleitoral. Talvez se eles se juntassem em uma bandeira comum da renovação ganhassem mais força. É como se garantissem a reserva de determinado grupo do eleitorado. Mas vão ter de fazer essa política dentro dos partidos tradicionais. As pessoas querem renovar a política, mas as formas de acesso à política são em torno de velhos modelos. É uma luta para conseguir furar isso. Há o modelo de legendas solidárias, a Rede e o PPS têm isso, com candidaturas que se abram para que essas pessoas possam disputar pela legenda mas dentro de um movimento.
Que espaço teria um outsider nessa disputa?
Joaquim Barbosa e Luciano Huck teriam grande chance. Em especial, o Huck. Não é só pela fama, mas porque ele construiu a narrativa do consenso e não do dissenso. Seria um candidato que falaria com a base eleitoral do Lula e do PSDB. Seria uma candidatura que caminharia para unir, e não para dividir os brasileiros. A trajetória que marca ele é de quem empodera as pessoas. Isso dialoga com a demanda do eleitor que quer ser empoderado. Huck seria o player mais competitivo, com maior potencial de crescimento. Joaquim Barbosa tem história mais próxima do Lula, de quem veio de baixo e venceu na vida, tem uma história de intransigência com a corrupção, é negro como 53% da população, o que daria identidade maior com a população brasileira, tem possibilidade de balançar o jogo.
Que erro será fatal para um presidenciável nesta eleição?
Seria concentrar as forças em falar do passado e não do futuro, a crítica ao adversário em vez da apresentação de propostas, a política falando pra dentro da política, sem considerar a vontade maior do eleitor. A eleição passada foi superagressiva. Esse confronto direto fez o Aécio perder a eleição.
Com a proibição do financiamento eleitoral e a disparidade de tempo de TV e recursos entre as candidaturas, há espaço para fugir da polarização?
A tendência é que sem, a candidatura de Luciano Huck, fique mais polarizada com mais do mesmo. O que pode mudar o cenário é Henrique Meirelles como candidato do campo governista. Meirelles teria condições de construir uma narrativa, teria tempo de TV, máquina administrativa a seu favor, poderia passar a imagem de um suprapolítico nesse cenário de rejeição à política tradicional. Ele poderia dizer que está acima dos políticos e que quando eles fazem besteira o chamam. Poderia dizer que muito do que Lula fez no social se deve ao que ele fez no Banco Central, que quando o Brasil estava praticamente quebrado, Temer o chamou e ele botou o país nos trilhos, que o compromisso dele é com o Brasil e não com as pessoas.
Mas ele não sofre com a falta de carisma?
Como ministro da Fazenda ele tem de tomar muito cuidado com a forma que fala, qualquer coisa que fale interfere nas ações do mercado. Como candidato terá liberdade maior para se expressar. Já mostrou que é um cara bom de TV e, tendo um terço do horário eleitoral. teria potencial de crescer muito grande.
Que faixa do eleitorado tende a decidir a eleição este ano?
O eleitorado é muito fragmentado. Não dá pra dizer que é porque há mais homens, mulheres, mais negros, mais classe C, mais Nordeste. Vai depender de muitas variáveis, da capacidade de transferência de Lula. Ele terá condições de pedir voto ou estará preso no processo eleitoral? Isso interfere muito na definição de potencial do eleitorado. Lula é o agente mais importante da eleição. Estando ou não estando, é o grande personagem eleitoral. A presença dele ajuda a aglutinação do outro campo político brasileiro. Sem ele, vai para uma fragmentação eleitoral e uma tendência de aumentar o descolamento entre governantes e governados.
Quem dentro do PT seria mais viável?
Dentro do PT, o Jaques Wagner tenderia mais facilmente a captar o eleitor do Lula, porque é do Nordeste, foi governador do maior colégio eleitoral da região, fez sucessor, tem dois terços dos votos da Bahia. Isso é mais que 5% dos votos nacionais. Tem algum trânsito no empresariado. Seria a opção mais fácil de transferência de voto. Agora, para ter transferência de votos, ele precisará de condições de falar para as pessoas, tem de estar solto. Se o PT, no campo da esquerda, apoiasse candidatura de Ciro Gomes, dificilmente o Ciro não estaria no segundo turno. Não imagino uma eleição com Ciro, tendo o PT como vice, não estar no segundo turno, ainda mais em eleição fragmentada como a nossa.
O governador Alckmin sai em que condições para a disputa?
Alckmin tem alguns pontos a favor e outros contrários. Entre os contrários, a fase de apuração de denúncias de obras em São Paulo, o indiciamento de Paulo Preto, coisas que podem cair no colo dele, que não é carismático. Mas tem fatores que podem jogar a favor dele. Tem estrutura partidária forte e o fato de nenhum candidato do centro não estar crescendo. Pode falar que foi governador de São Paulo, isso tem prós e contras, mas a grande oportunidade que ele tem é de “resta 1”, a habilidade que ele tem de ganhar parado, como campeão mundial de “resta 1”. Se Meirelles não sai como candidato do governo, a desidratação da candidatura de Bolsonaro, num cenário em que dois candidatos vão pro segundo turno com menos de 20%, ele tem chance de crescer.
Ciro Gomes e Jair Bolsonaro têm em comum o pavio curto. Isso pode prejudicá-los?
Ciro e Bolsonaro têm em comum não apenas o pavio curto. Mas a postura anti-establishment mesmo sendo parte da política tradicional com ampla trajetória. Mas o modelo e a narrativa construídos por eles é anti-establishment. No cenário sem novidades efetivas, conseguem aglutinar parcela do eleitorado, que não tem outras opções, e traz também componente de risco para candidaturas muito grande.
Marina terá pouco tempo de rádio e TV e poucos recursos. Que outros desafios ela enfrentará?
Marina tem o desafio da estrutura partidária, de construir a imagem de ser uma pessoa firme, o que não é secundário por parte do eleitor, que quer enxergar alguém que tenha pulso suficiente para tirar o país da crise. Precisa demonstrar, para ser viável, que tem vontade de ser presidente. A narrativa dela é de quem está quase indo para o sacrifício, que não vontade genuína. Não se vê o olho dela brilhando sobre a vontade de ser presidente.
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