MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO DISTRITO FEDERAL
Recomendação n. 25/2012 GAB/EPR/PRDF
Brasília, 22 de maio de 2012.
A Sua Excelência o Senhor
MARCO MAIA
Presidente da Câmara dos Deputados
Palácio do Congresso Nacional Praça dos Três Poderes 70.160-900 – Brasília-DF
Ref: IC nº 1.16.000.000611/2010-12
Senhor Presidente.
Cumprimentando-o, vimos expor e recomendar o que segue:
Conforme notícia jornalística que motivou a instauração do IC em epígrafe, a Câmara dos Deputados realizou o pagamento de horas-extras aos seus servidores durante o recesso legislativo ocorrido entre 23/12/2009 a 31/01/2010, período de reduzida demanda. Nada obstante, foram gastos R$ 393.000,00 (trezentos e noventa e três mil reais), por conta de horas-extras de 273 (duzentos e setenta e três) funcionários. Consta na notícia que:
“A Câmara voltou a pagar horas extra para servidores em janeiro, mês de férias dos deputados. Foram gastos R$ 393 mil com funcionários que teriam trabalhado além do horário de expediente no mês de recesso.
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A maioria dos servidores da Câmara cumpre jornada de trabalho de sete horas. Ou seja, segundo a Casa, os funcionários trabalharam além dessa carga no período, mesmo sem atividade parlamentar.
Segundo a assessoria de imprensa, R$ 390 mil foram pagos apenas a 273 servidores, o que corresponde a um valor médio de R$ 1.400 para cada um.
No ano passado, a despesa com hora extra chegou a R$ 672 mil em janeiro. A justificativa foi a de que preparar a única sessão que elegeu o presidente, vices e secretários gerou um grande volume de trabalho.
O valor pago na Câmara com o benefício em janeiro supera o de cinco ministérios que não estavam em recesso no mesmo período (Desenvolvimento; Minas e Energia; Transporte; Defesa; e Integração Nacional).
Segundo a assessoria da Câmara, os R$ 390 mil foram pagos ao pessoal do Departamento Médico e da Policia Legislativa, que “trabalha 24 horas”.
O departamento médico informou à Folha, contudo, que à noite apenas um médico cumpre expediente e já recebe adicional noturno por isso. Hora extra seria paga além da carga horária normal de trabalho.
Segundo o departamento de Polícia Legislativa, são três turmas noturnas, com 20 pessoas cada, sendo que a carga horária é de 12 horas por dia. No recesso, o setor trabalha com metade do seu efetivo.
Em explicação preliminar, a direção da Câmara chegou a informar que os consultores do Orçamento também fizeram hora extra em janeiro. O diretor do departamento, todavia, disse que “nenhum servidor” fez hora extra em janeiro”. Questionada novamente, a direção da Casa disse que o trabalho foi realizado em dezembro.
O Senado tem os mesmos serviços, mas não pagou hora extra em janeiro. Após a Folha revelar que a Casa pagou R$ 6,2 milhões de benefício em janeiro de 2009 para 3.883 servidores, uma norma foi baixada proibindo esse tipo de despesa no recesso – em janeiro e julho [..]”
A par disso, a Câmara dos Deputados, instada a prestar esclarecimentos a este MPF, encaminhou documentação cuja análise indica que, de fato, houve irregularidades na autorização/cumprimento de horas-extras e na aplicação do dinheiro público. Conforme fazem prova os documentos emitidos pelos Diretores da Coordenação de Registro Funcional e da Coordenação de Secretariado Parlamentar, o Ato da Mesa da Câmara dos Deputados n.° 38, de 30/05/2000, estabeleceu, indevidamente, que todos os servidores da Casa tem direito ao recebimento do adicional de serviço extraordinário, desde que haja excesso de trabalho para além do expediente ordinário e prévia autorização do Diretor-Geral, e por ocasião das sessões extraordinárias da Câmara e do Congresso Nacional.
Tal Ato autorizou a realização de horas-extras e posterior pagamento a servidores titulares dos mais variados cargos, como demonstra planilha produzida na Câmara, gasto que totaliza a quantia de R$ 511.407,24, valor pago a 283 servidores entre 23 a 31/12/2009 e 1° a 31/01/2010.
Constata-se que, dos servidores, 239 são ocupantes de função de confiança (FC) e 7 de cargos comissionados de natureza especial (CNE), não fazendo, pois, jus à benesse recebida, visto que exercentes de cargos submetidos ao regime de dedicação exclusiva, incompatíveis com a definição de serviço extraordinário.
Estando submetidos ao regime de dedicação integral, os ocupantes de cargo em comissão ou função de confiança não fazem jus ao recebimento de remuneração por hora-extra. Afinal, podem ser convocados sempre que houver interesse da Administração, sendo a finalidade do serviço extraordinário intrínseca à atividade por eles desempenhada. Cargos de natureza especial (CNE ou NES), especificamente, estão sujeitos a mesma regra, pois se inserem dentre os cargos em comissão.
Além disso, os servidores da Câmara vem excedendo o limite diário de horas de serviços extraordinários, em flagrante ofensa à legislação de regência. Os registros contantes das respectivas folhas de ponto – juntadas aos processos de pagamento daqueles serviços –, anotam prestações de até 5 horas extraordinárias por dia, violando a regra da Lei n.° 8.112/90, que fixa, como limite máximo, 2 horas por jornada.
Além dessa limitação, deve ser repeitado o limite mensal de 44 horas e o anual de 90 horas, podendo esse último ser acrescido de até 44 horas, desde que devidamente autorizado pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, nos termos do art. 3° do Decreto n.° 948/93. Desse modo, o expediente ordinário dos servidores públicos civis da União, qual seja, 8 horas diárias e 40 horas semanais (art. 19, caput, Lei n.° 8.112/90), só pode ser acrescido de até 2 horas por jornada, como visto no ementário jurisprudencial que segue, da lavra do Egrégio TRF da 1ª Região:
ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO. JORNADA DE TRABALHO. HORA-EXTRA. LEI Nº. 8.112/90. RESOLUÇÃO Nº. 357 DO CONSELHO E DA JUSTIÇA FEDERAL. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. SEGURANÇA CONCEDIDA EM PARTE. 1. In omissis. 2. Nos termos do disposto nos arts. 19 e 74 da Lei n. 8.112/90, a duração da jornada de trabalho dos servidores federais corresponde a 40 (quarenta) horas semanais, respeitados os limites mínimos e máximo de, respectivamente, seis e oito horas diárias, e quando autorizada a sobre-jornada pela autoridade administrativa competente, poderão cumprir mais 02 (duas) horas extraordinárias diárias. 3. Considerando que os servidores representados pelo autor estão cumprindo jornada de trabalho superior a estipulada por lei, além de trabalharem aos sábados e feriados, vislumbro a conduta ilegal praticada pela autoridade impetrada, em literal afronta aos referidos dispositivos legais. 4. In omissis. 5. In omissis. 6. Segurança parcialmente concedida, para que seja observada a jornada de trabalho, nos moldes do art. 19 e 74 da Lei n. 8.112/90. (TRF-1. MS 200701000150216. Primeira Seção. Des. Rel. Mônica Sifuentes. Decidido em 15/02/2010. Publicado DJU em 04/03/2010).
Diante de tais irregularidades, e
Considerando que é função institucional do Ministério Público promover a observância dos princípios constitucionais da legalidade e moralidade administrativas, defender o patrimônio público e social, a ordem jurídica, os interesses sociais e individuais indisponíveis, e zelar pela efetivo respeito aos poderes públicos, como determinam os arts. 5º e 6º da Lei Complementar nº 95/73;
Considerando caber a esta instituição “expedir recomendações, visando à melhoria dos serviços públicos e de relevância pública, bem como ao respeito, aos interesses, direitos e bens cuja defesa lhe cabe promover, fixando prazo razoável para a adoção das providências cabíveis”, consoante dispõe o art. 6º, XX, da Lei Complementar 75, de 1993;
O Ministério Público Federal, vem, com base na competência que lhe é cometida pelo art. 6º, XX, da Lei Complementar nº 75/93, RECOMENDAR à Mesa da Câmara dos Deputados, na figura de seu Presidente, que, no exercício da competência que lhe incumbe:
1) RETIFIQUE os atos normativos/expedientes dessa Casa, a fim de que, doravante, seja VEDADA a remuneração/indenização a título de hora-extra aos servidores/agentes ocupantes de funções de confiança e cargos em comissão, inclusive de cargos de natureza especial;
2) RETIFIQUE os atos normativos/expedientes dessa Casa, a fim de que, doravante – quanto aos servidores que fazem jus ao regular recebimento de adicional decorrente de cumprimento de hora-extra -, seja VEDADA a realização de serviços extraordinários que excedam o limite 2 horas diárias;
Por fim, solicitamos manifestação dessa Câmara de Deputados face ao que ora se recomenda, bem como cópia dos atos daí resultantes, no prazo de 30 (trinta) dias.
Eliana Pires Rocha
Procuradora da República
Veja a íntegra da recomendação em papel timbrado
MPF considera horas extras da Câmara ilegais
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