Ao todo, as doações dessa indústria aos quatro deputados candidatos do PMDB totalizaram R$ 100 mil em 2014. Édio Lopes (RR) e Fábio de Almeida receberam R$ 30 mil cada um, enquanto Alceu Moreira (RS) e Ronaldo Benedet (SC) recolheram R$ 20 mil cada. Dos postulantes peemedebistas, apenas o deputado federal Fábio de Almeida Reis (SE) tentou a reeleição e não conseguiu manter o mandato. Fábio, que não havia recebido doação do setor nas eleições de 2010, recebeu R$ 30 mil neste ano, mas não obteve sucesso nas urnas.
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Depois do PMDB, o partido com mais deputados financiados foi o PSD, criado em 2012 pelo ex-prefeito de São Paulo Gilberto Kassab. Dois dos três representantes pessedistas na lista de financiados não tiveram êxito nas eleições – Moreira Mendes (RO), que disputou o Senado, e Guilherme Campos (SP), que tentou se reeleger. Ambos contemplados por R$ 50 mil em doações daquela indústria. O único beneficiado pelo setor e eleito pelo partido foi Marcos Montes (MG), que recebeu R$ 30 mil.
Em seguida figuram DEM e PDT, ambos com dois deputados candidatos financiados. Desse grupo, apenas o candidato do PDT ao governo do Rio Grande do Sul, o deputado Vieira da Cunha, não conseguiu se eleger, embora tenha recebido R$ 40 mil do setor.
Com apenas um nome na lista de beneficiados pela indústria armamentista estão PT, PSDB, PSB, PTB, PMN e PP – cada postulante dessas siglas foi reeleito. São eles, respectivamente: Carlos Zarattini (SP), Nelson Marchezan Júnior (RS), Gonzaga Patriota (PE), Wilson Santiago (PB), Francisco Tenório (AL), o único que disputou o cargo de deputado estadual, e Jerônimo Goergen (RS).
As informações constam de levantamento inédito do Instituto Sou da Paz – organização não governamental (ONG) que há mais de 15 anos combate a violência no país – sobre doações de campanha registradas no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Os dados foram repassados em primeira mão ao Congresso em Foco.
PublicidadeEstatuto em cheque
Previsto na lei, o financiamento pela indústria armamentista nada teria que o desabonasse, não fosse um detalhe, segundo o instituto: as doações teriam como propósito reforçar a chamada “bancada da bala” em votações na Câmara. O grupo passaria a defender proposições de interesse do setor – como o Projeto de Lei 3722/2012, que está em tramitação e revoga o Estatuto do Desarmamento.
Entre os pontos polêmicos do projeto está o número de armas que cada cidadão poderia adquirir e legalizar: nove. Além disso, aumenta-se o número de munição que cada portador de armamento pode comprar periodicamente: passa de 50 balas por ano para 50 balas por mês. A proposição foi submetida à análise de uma comissão de parlamentares especialmente estruturada com esse objetivo. Entre os 24 deputados que são membros titulares da comissão especial, dez receberam financiamento do setor em 2014 – e foram estrategicamente distribuídos pelos principais postos de comando do colegiado, diz o instituto.
São eles: Marcos Montes (PSD-MG), presidente da comissão; Guilherme Campos (PSD-SP), 1º vice-presidente; João Campos (PSDB-GO), 2º vice-presidente; Edio Lopes (PMDB-RR); Sandro Mabel (PMDB-GO); Nelson Marchezan (PSDB-RS); Jerônimo Goergen (PP-RS); Gonzaga Patriota (PSB-PE); Fernando Francischini (SD-PR); e Enio Bacci (PDT-RS).
Entre os suplentes que receberam doações do setor estão os deputados Alceu Moreira (PMDB-RS), Moreira Mendes (PSD-RO), José Otávio Germano (PP-RS), Luis Carlos Heinze (PP-RS), Onyx Lorenzoni (DEM-RS) e Francisco Tenório (PMN-AL). Ou seja, entre titulares e suplentes, a bancada da bala conta com 16 representantes na comissão especial formada para analisar o PL 3722/2012, de autoria do deputado Rogério Peninha (PMDB-SC). Há espaço para novas indicações, uma vez que apenas 43 dos 48 membros do colegiado foram nomeados.
Monopólio
Como este site mostrou na última quarta-feira (26), do montante total doado pela indústria armamentista para candidatos e partidos em 2014 – R$ 1,73 milhão para políticos de 12 partidos em 15 estados –, 50% foram para São Paulo e Rio Grande do Sul, estado em que estão sediadas algumas das principais fabricantes de armas do país, e cujos representantes no Congresso formam metade da bancada da bala na atual legislatura.
Segundo o instituto, a indústria privada de armas e munições é monopolizada pelos grupos Taurus, responsável por R$ 43% dos repasses em 2014, e Companhia Brasileira de Cartuchos (CBC), que doou os outros 57% dos recursos. A reportagem tentou ouvir representantes de ambas as empresas sobre questões como os efeitos dessa influência no Parlamento e a relação entre financiamento e interesses comerciais. Apenas a Taurus se manifestou, mas o fez por e-mail e por meio de uma resposta padrão.
“As doações da Companhia para campanhas políticas são públicas (ficam disponíveis no site do TSE), estão de acordo com a legislação em vigor e devidamente contabilizadas no seu balanço”, justifica a Taurus.
Lobby ‘legítimo’
O Congresso em Foco também procurou, por e-mail e telefone, entrevistar os parlamentares candidatos, mas até o fechamento desta reportagem só recebeu retorno dos deputados Moreira Mendes e Jerônimo Goergen. Para o representante de Rondônia, nada há de errado no financiamento – que levaria ao seu sucesso nas urnas caso tivesse sido mais robusto, lamentou.
“Nunca tive nenhum constrangimento em tratar desse assunto. Acho que esse Estatuto do Desarmamento tem de ser reformado, mesmo, não é possível. Eu vivo em uma região, a Amazônia, em que não consigo conceber a ideia de não ter o direito de ter uma arma em casa. Não consigo entender um país que proíbe armas para pessoas de bem. Essa omissão permite que os bandidos tenham as armas mais especializadas”, reclamou o deputado, garantindo que a indústria do armamento nunca pediu nada em troca do financiamento eleitoral. O que representantes do setor fazem, diz o deputado, é “lobby legítimo, como todo mundo faz, para defender os projetos e os pontos de vista deles”.
“Aliás, eu sou muito avesso a esta história de pedir, seja quem for. Eu ajo pelo meu convencimento pessoal. Nesse caso, a questão das armas, essa é uma posição muito clara: eu sou contra o Estatuto do Desarmamento da forma como está. Eu acho um absurdo o cidadão não poder ter uma arma em casa. Eu tenho uma arma em casa, registrada, tudo certinho. Não vejo problema nisso”, emendou Moreira Mendes, que também se diz avesso aos interesses comerciais do setor (“Não quero nem saber”), embora diga nada ver de errado nisso.
“É legítimo. Os médicos defendem os interesses deles aqui [na Câmara], a Confederação Nacional da Indústria defende, a Confederação Nacional da Agricultura defende, os bancos defendem, a igreja evangélica e a igreja católica defendem… Todo mundo vem aqui e faz o seu lobby. O que não pode é coisa espúria, maracutaia”, acrescentou o congressista.
Ele lembra ter sido “o cara da bandeira de frente do não” em referendo, em 2005, que tinha a seguinte pergunta: “O comércio de armas de fogo e munição deve ser proibido no Brasil?”. Venceu justamente o “não”, com 63,94% dos votos, contra 36,06% do “sim” (leia mais aqui). “Em Rondônia, 78% da população disse não.”
Fator economia
Já o deputado Jerônimo Goergen ressalta a importância econômica do setor, que tem “forte tradição” em seu estado. Segmento “expressivo” da economia nacional, diz o parlamentar gaúcho, a indústria armamentista merece uma “carga tributária equilibrada e um ambiente comercial competitivo”.
“Os segmentos sociais e econômicos são livres para apoiar a candidatura de um deputado, senador, governador ou presidente da República. Dito isto, acredito que seja legítimo receber o apoio financeiro da indústria de armas, assim como a de outros ramos econômicos”, disse Goergen, explicando sua participação na comissão especial destinada a revisar o Estatuto do Desarmamento.
“Defendo a tese de que o cidadão merece ter o direito de se defender, defender a sua propriedade e, principalmente, proteger a sua família. Desde que bem treinado e orientado, o sujeito pode enfrentar uma situação de risco ou perigo em melhores condições de igualdade com o criminoso. Ademais, o desarmamento da população não veio acompanhado da redução das estatísticas de criminalidade, particularmente o de homicídios. Pelo contrário, os números só vêm aumentando”, criticou.
Confira a tabela geral sobre o financiamento da indústria de armas em 2014:
Candidato | Cargo disputado | Partido | UF | Recebeu em 2010? | Valor (R$) | Eleito? |
Alceu Moreira | deputado federal | PMDB | RS | SIM | 20 mil | SIM |
Édio Lopes | deputado federal | PMDB | RR | NÃO | 30 mil | SIM |
Fábio de Almeida | deputado federal | PMDB | SE | NÃO | 30 mil | NÃO |
Ronaldo Benedet | deputado federal | PMDB | SC | SIM | 20 mil | SIM |
Efraim Morais | deputado federal | DEM | PB | NÃO | 50 mil | SIM |
Onyx Lorenzoni | deputado federal | DEM | RS | SIM | 100 mil | SIM |
Ênio Bacci | deputado federal | PDT | RS | SIM | 20 mil | SIM |
Vieira da Cunha | governador | PDT | RS | SIM | 40 mil | NÃO |
Guilherme Campos | deputado federal | PSD | SP | SIM | 50 mil | NÃO |
Marcos Montes | deputado federal | PSD | MG | SIM | 30 mil | SIM |
Moreira Mendes | senador | PSD | RO | SIM | 50 mil | NÃO |
Carlos Zarattini | deputado federal | PT | SP | SIM | 30 mil | SIM |
Nelson Marchezan | deputado federal | PSDB | RS | SIM | 30 mil | SIM |
Gonzaga Patriota | deputado federal | PSB | PE | SIM | 30 mil | SIM |
Wilson Santiago | deputado federal | PTB | PB | NÃO | 30 mil | SIM |
Francisco Tenório | deputado estadual | PMN | AL | SIM | 30 mil | SIM |
Jerônimo Goergen | deputado federal | PP | RS | SIM | 30 mil | SIM |
Fonte: Instituto Sou da Paz
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