Com a evasão de 12 deputados, dois quais sete titulares do colegiado, o texto foi aprovado por unanimidade, com 21 votos favoráveis. O substitutivo, apresentado no início da tarde desta terça-feira (27), sugere que a demarcação de territórios das populações tradicionais tramite de maneira semelhante ao rito de medidas provisórias. “Nós resolvemos que não iríamos participar desse teatro macabro que é essa votação”, disse a deputada Érica Kokay, abandonando o local da votação.
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O relator do texto, deputado Osmar Serraglio (PMDB-SC), que é membro da bancada ruralista da Câmara, propôs que o Congresso constitua uma comissão mista de parlamentares para analisar pedidos de demarcação originários do Poder Executivo. Em caso de parecer favorável do colegiado, a tramitação recebe caráter conclusivo e segue direto para sanção presidencial. Do contrário, a prerrogativa de demarcação de território é submetida à deliberação dos Plenários da Câmara e do Senado, com trancamento da pauta após 60 dias.
Representantes das comunidades indígenas, desde a manhã desta terça na Câmara para acompanhar a discussão, foram impedidos de entrar no plenário da votação. Durante a discussão da matéria, houve embates entre parlamentares contrários, como Erika Kokay e Edmilson Rodrigues, e o presidente do colegiado, Nilson Leitão (PSDB-MT), que é investigado no Supremo Tribunal Federal (STF) por incitar invasão de terras indígenas. Edmilson (Psol-PA) considerou que as mudanças nada mudam em relação aos prejuízos que serão ocasionados aos povos indígenas.
Segundo ele, a prerrogativa de demarcação dos territórios nas mãos dos congressistas equivale à paralisação dos processos demarcatórios, além de intensificar os conflitos entre indígenas e grandes produtores rurais. “Na prática, esta PEC aprofunda a violência, o extermínio de etnias, o assassinato de lideranças. É assustador que se banalize os índices de violência sofrida pelos povos indígenas”, disse ele.
Após um mês em que todas as semanas foram reservadas à discussão da matéria, o texto foi aprovado na semana em que ocorre os Jogos Mundiais dos Povos Indígenas, sediado em Palmas (TO). Atletas e representantes das populações indígenas brasileiras têm se manifestado contra a PEC e a violência sofrida pelos povos tradicionais em razão da disputa territorial com fazendeiros.
PublicidadeDe acordo com uma das coordenadoras da Associação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Sonia Guajajara, diversas manifestações ocorrem de foram paralela aos jogos, incluindo o bloqueio de 12 rodovias em ato contra a PEC. “Eles estão aproveitando para chamar atenção da mídia internacional para fazer os protestos e mostrar que a nossa vida não é um jogo. Os jogos passam e a PEC fica”, disse Sonia, que era uma das vozes entoadas em cantos indígenas nos corredores das comissões.
Sonia, que é da comunidade Guajajara, do Maranhão, conta que, na visão dos povos indígenas, a PEC 215 só aborda interesses econômicos, ligados às vontades dos grandes produtores rurais do país. “A PEC representa um genocídio dos povos indígenas, porque ela está tirando o direito territorial dos nossos povos. Ela está impedindo a demarcação das terras e colocando em situação de insegurança as terras já demarcadas. Isso para nós é uma afronta. É uma ameaça total a tudo é nosso direito. Os territórios são um direito originário e um direito constitucional”, defende ela.
Debandada
A sessão, que foi interrompida com o início da ordem do dia no Plenário da Câmara, foi retomada por volta das 21h. Com quórum completo, deputados contrários a matéria erguiam cartazes com os dizeres “Não à PEC do conflito” e “Não à PEC da morte”. Na fala do líder da Rede na Câmara, Alessandro Molon (RJ), a debandada dos deputados foi anunciada.
“Queremos deixar claro, perante todo o Brasil, que nós não iremos votar não ou sim, porque votar seria legitimar esse resultado”, disse ele, interrompido por colegas gritando “Não à PEC da morte”.
“Essa PEC, se aprovada do jeito que está, vai representar o acirramento das disputas com a população do campo. Ela não é solução, ela agrava o problema. Por essa razão, nós vamos nos retirar”, concluiu Molon.
Ao todo, 12 deputados do PT, PCdoB, PV, Rede e Psol deixaram a sessão. No corredor, eles se encontraram com as lideranças indígenas que entoavam cantos tradicionais e palavras de ordem. Na entrada da Casa legislativa, os parlamentares foram colocados no centro da roda dos indígenas para serem abençoados. Em seguida, dançaram em círculo com as lideranças.
Juntos, eles saíram da sala, que, logo em seguida, teve as portas fechadas pela polícia legislativa. Em nome das comunidades indígenas, Sônia disse que a estratégia das populações já está formada: pretendem intensificar os bloqueios nas estradas nacionais e boicotar produtos originários do agronegócio. “Para que todos saibam que esses produtos são regados com sangue indígena”, discursou ela.
Índice de violência
Segundo o último relatório “Violência Contra os Povos Indígenas do Brasil”, divulgado pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi) em julho, com dados de 2014, houve um severo aumento de violência e violações praticadas contra os povos indígenas no último ano. Tais ações se concentram principalmente no que diz respeito a assassinatos, suicídios, mortes por desassistência à saúde, mortalidade na infância, invasões possessórias, exploração ilegal de recursos naturais e morosidade na regularização das terras indígenas.
De acordo com o relatório, 138 indígenas foram assassinados no ano passado, sendo que, em 2013, esse número era de 97 casos registrados. O Mato Grosso do Sul configura-se como o estado mais violento do país para os povos tradicionais: em 2014, 41 dos homicídios desse tipo ocorreram lá, o que corresponde a 29% das ocorrências.
Os dados divulgados pelo Cimi mostram ainda que as ocorrências de suicídios chegaram ao maior nível dos últimos 29 anos. No ano passado, 135 indígenas se mataram. O Mato Grosso do Sul continua como o estado que apresenta a maior quantidade de ocorrências, com o registro de 48 suicídios.