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Ao todo, 138 parlamentares de 14 partidos votaram conforme as orientações da legenda. O levantamento considerou todas as votações realizadas no Plenário da Câmara no primeiro semestre deste ano. Com o objetivo de aferir o grau de fidelidade de parlamentares a Cunha, pesquisadores do Departamento de Computação da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), responsáveis pelo laboratório, desenvolveram uma espécie de “Cunhômetro”.
Como Eduardo Cunha, na condição de presidente da Câmara, não pode votar nem recomendar que deputados votem dessa ou daquela maneira – a chamada orientação de bancada -, a pesquisa mapeou a coincidência entre os votos dos 513 deputados e as orientações do líder do PMDB na Casa, Leonardo Picciani (RJ). No período em questão, ele era um fiel escudeiro de Cunha. No último mês, no entanto, Picciani se aproximou da presidenta Dilma Rousseff, com quem tem tratado da reforma ministerial, fez discursos contra o impeachment e se afastou, em alguma medida, de seu companheiro de partido e estado, e a quem deve a articulação para virar líder.
Até então, o governo sofria uma sequência de derrotas no Parlamento, incluídas as de consequência mais grave no curto prazo, relacionadas ao ajuste fiscal. Nesse sentido, os interesses do Palácio do Planalto foram sub-representados em meio à infidelidade de uma base governista que, embora seja ampla maioria na Casa, reage circunstancialmente à impopularidade de Dilma. Ao todo, são 18 legendas aliadas no comando de 345 deputados. De acordo com o levantamento, 134 deles também fazem parte da suprapartidária bancada do presidente da Câmara.
Tais deputados estão distribuídos entre dez partidos aliados ao Planalto: PMDB, PR, PR, PSD, PTB, PRB, PEN, PHS, PTdoB e PRP, siglas em que estão abrigadas nove lideranças de bancada.
Veja a lista dos deputados que compõem a bancada de Cunha
O PMDB foi a sigla mais fiel às recomendações de seu líder: dos 67 deputados peemedebistas, 49 atingiram o percentual de 85% de voto orientado nas votações de plenário. Já o PR, segundo partido mais expressivo dessa bancada, comportou-se da seguinte maneira: dos 34 deputados da sigla, 24 votaram de maneira convergente a Cunha, segundo a orientação do líder Maurício Quintella Lessa (AL). O índice de fidelidade de Lessa a Cunha foi verificado em 93,8% das votações.
Segundo o deputado alagoano, sua legenda procurou afinação com o Planalto no que diz respeito às medidas de reequilíbrio econômico. Ao dizer que pelo menos 60% da bancada votou a favor do primeiro pacote de ajuste fiscal, Lessa observou que divergências em relação a pleitos do Legislativo puderam revelar uma maior afinidade entre PR e PMDB. “Temos muitas bandeiras diferentes do PT, apesar de sermos da base. Nas matérias que pertencem à governabilidade, nós procuramos garantir as vitórias. Naquilo que é bandeira – por exemplo, terceirização –, isso não é matéria de governabilidade. De repente nossas bandeiras estão mais parecidas com as do PMDB. É uma questão ideológica”, analisou.
Fator economia
Depois do Partido Republicano, o PP é o partido que mais se aliou a Cunha: 20 dos 39 deputados pepistas votaram segundo as recomendações do PMDB em pelo menos 85% das vezes. Seu líder, Eduardo da Fonte (PE), votou com o partido de Cunha em 94,2% das vezes. Para ele, as sucessivas derrotas do governo não podem ser atribuídas ao presidente da Câmara. “O que derrotou o governo não foi base ou a oposição, foi a pauta. Pautas populares, que muitas vezes os parlamentares defendem nas eleições e, quando chega em votação, não podem fazer diferente”, disse.
Segundo Eduardo da Fonte, a mudança de atitude do Parlamento se deu na medida em que se evidenciou a gravidade da crise econômica. “A conscientização do que de fato representava essa questão foi importante. Medidas que prejudicam a economia, o desenvolvimento do país, eu tenho certeza que a Casa não vai mais aprovar”, previu o deputado pernambucano.
Entre os líderes que compõem a bancada de Cunha também estão Jovair Arantes (PTB-GO), com 98,1% de suas votações em concordância com as do PMDB; Marcelo Aro (PHS-MG), com 89,5%; Rogério Rosso (PSD-DF), com 89%; Juscelino Filho (PRP-MA), com 85,8%; Luis Tibé (PTdoB-MG), com 85,4%; e Junior Marreca (PEN-MA), com 85,1%.
Dos parlamentares que pertencem ao grupo de Cunha, apenas quatro não são da base governista na Câmara: Takayama (PSC-PR), Delegado Edson Moreira (PTN-MG), José Maia Filho (SD-PI) e Vicentinho Júnior (PSB-TO).
Contra Cunha
Um dos críticos mais enfáticos de Eduardo Cunha , Glauber Braga (Psol-RJ) argumenta que o peemedebista fluminense exerce duplo papel como deputado: presidir a Câmara e coordenar sua bancada. Segundo o deputado, Cunha usa algumas de suas atribuições, como conduzir os trabalhos em plenário e definir a pauta de votação, para conquistar parlamentares com interesses mútuos e impor sua vontade.
“Cunha tem uma bancada própria, que passa por partidos que são do governo e por partidos que são da oposição. Ele trabalha como presidente e como líder de bancada. Ele não é aquele que conduz uma reunião ordinária da Câmara sem fazer com que os posicionamentos dele prevaleçam”, sentenciou.
Glauber, filiado ao PSB no primeiro semestre, votou apenas 41,8% com o PMDB, o que o fez ocupar o posto de 14º deputado mais infiel às orientações do partido. Ele interpreta a reforma administrativa do Planalto – que ampliará o espaço dos peemedebistas na máquina pública, com concessão de ministérios – como resultado da estratégia política do Legislativo. Segundo Glauber, Cunha já ansiava por mais espaço no Executivo desde o início de seu mandato como presidência da Câmara.
“Ele [Cunha] começou a fazer esse tipo de chantagem pública e explícita. Mas o chantagista se mostra pelos próprios interesses. Quando a chantagem pública vale, ele materializa; quando tem que recuar um pouco, ele recua. Mas vai sempre trabalhar por interesses individuais. É isso o que vai prevalecer na atuação”, completou.
Na oposição ao governo, a Cunha e ao que chamou de “oposição conservadora”, o líder do Psol na Câmara, Chico Alencar (RJ), segue a mesma linha de Glauber, agora seu correligionário. Para ele, os obstáculos que tiveram de ser ultrapassados por Dilma no Legislativo, em que pese o loteamento de ministérios ao PMDB em troca de apoio, faziam parte do jogo político do peemedebista, de “criar dificuldades para obter facilidades, uma política de pressão e de chantagem”.
“Quando Dilma resolveu entregar a clara hegemonia de seu governo ao PMDB, com mais ministérios, ela supôs conseguir uma sustentabilidade mais efetiva aqui”, afirmou Chico, 8º deputado que menos seguiu as recomendações do PMDB em votações. Seus votos só coincidiram com a recomendação de Picciani em 40% das deliberações.
Cunhômetro
Considerado uma figura controversa pelos pesquisadores do Laboratório Analytics Nazareno Andrade e João Arthur Monteiro, professores do departamento de Computação da UFCG, Eduardo Cunha despertou neles a curiosidade em relação ao funcionamento da Casa legislativa ao assumir o protagonismo da cena política em 2015. Intrigados acerca da quantidade de “projetos discutíveis” aprovados durante o primeiro ano da gestão Cunha, Nazareno e João Arthur resolveram redirecionar para a esfera política o conhecimento obtido no mundo das exatas.
Como explicam, nenhum dos projetos da simpatia de Cunha conseguiram passar na peneira pelo simples fato de ele ser o presidente da Casa. Afinal, é preciso que uma maioria absoluta de 257 deputados aprove leis complementares e casse mandatos parlamentares, por exemplo. No caso de propostas de emenda à Constituição, por sua vez, exige-se a adesão de ao menos três quintos do conjunto de 513 deputados, ou seja, 308 votos.
Sendo assim, os pesquisadores analisaram o histórico de votações de todos os deputados federais durante o primeiro semestre de atividades legislativas. Para apresentar o resultado final, desenvolveram um site chamado House of Cunha. O batismo foi em analogia ao seriado americano em que um congressista americano, Frank Underwood, faz de tudo para presidir os Estados Unidos. Na página, eles expõem as siglas que mais se aproximam e mais se afastam do PMDB por meio de um mapa de votações – em que, individualmente, também são expostos os nomes dos representantes. Com isso, chegaram ao que foi nomeado de “Cunhômetro”.
De acordo com Nazareno Andrade, o projeto visa utilizar a computação aplicada para facilitar o controle social. “A ideia é mostrar que a computação e a programação podem ajudar o eleitor a acompanhar a Câmara, por exemplo. Ver se o deputado em que votei é, de fato, o mais alinhado com as minhas ideias”, explicou.
O site apresenta também o projeto intitulado Quem me representa?, desenvolvido por alunos da universidade no laboratório. O usuário opina sobre assuntos polêmicos, como redução da maioridade penal, financiamento privado, cota para mulheres no Congresso, e vê quais parlamentares têm posições similares.