Quem vai até a delegacia?
Provavelmente por já estar perto o final da CPI, e devido ao desgaste dos deputados e de todo o corpo técnico da comissão, as diligências em Juazeiro do Norte foram marcadas pela baixa produtividade, e alguma desorganização.
O Hotel Estância Real, próximo ao centro da cidade, ficava muito distante da Assembléia Legislativa, onde eram realizados os trabalhos. O hotel foi escolhido por Lívio Tomé, por ser de propriedade de um amigo seu.
Essa escolha revelava também uma dura realidade enfrentada pelos deputados: procuravam economizar nas diárias! Apesar de ser corrente a ideia de deputados que ganham rios de dinheiro, a realidade do Congresso Nacional não era bem esta. O salário líquido de um deputado federal, em torno de R$ 6 mil à época da CPI, não era alto.
Eles recebiam imóveis para morar em Brasília. No entanto, muitas vezes estavam em péssimas condições. Eram grandes e antigos, e o morador acabava gastando dinheiro para manter e mobiliar o apartamento, por mais que a Câmara fornecesse alguns móveis e manutenção. Os parlamentares recebem a moradia, em tese, mobiliada, mas esses móveis mais parecem saídos de um escritório do que itens de uma residência confortável.
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Além da moradia, recebiam crédito de passagens aéreas equivalente a quatro viagens para seu estado por mês, cota de telefone e de correio. Mantendo normalmente duas residências, uma no estado de origem e outra em Brasília, aquele parlamentar que não tivesse outra fonte de renda se via em apuros.
A verba de gabinete, para a contratação de seus auxiliares, podia naquela época ser usada para abrigar ali seus parentes, e, com isso, aumentar a renda da família. Mas se ele não se utilizava de nenhum expediente desta natureza, ou outros menos nobres, tornava-se difícil se manter, arcando com todas as demandas da vida de um deputado federal. No começo e no final do ano, contando também com a possibilidade das convocações extraordinárias, o parlamentar conseguia ganhar alguns salários extras para equilibrar a baixa entrada ao longo do ano.
As diárias pagas em uma viagem, como a São Paulo, podiam acabar dando um reforço ao orçamento mensal, visto que o preço do hotel ficou bem em conta. Não se pode dizer que estivessem bem hospedados, mas havia conforto suficiente. O difícil mesmo era a distância até a Assembleia e, principalmente, a terrível tarefa de enfrentar o trânsito da cidade de Juazeiro do Norte.
De qualquer maneira, no começo da tarde do primeiro dia de trabalhos, lá estava a Comissão, num apertado auditório. Com certeza, o local não era adequado, mas os deputados eleitos pelo estado do Ceará, e que integravam a CPI, acharam que marcar as reuniões para outro fórum poderia dar a impressão de que a CPI federal não estava prestigiando a CPI estadual, que já vinha funcionando. Talvez esse objetivo político tenha compensado tanta dificuldade para se realizar os trabalhos naquele local, inapropriado: muito pequeno e sem infraestrutura de apoio adequada, apesar da prestatividade dos funcionários da Assembleia Legislativa que estiveram à disposição da CPI.
Homero Alves e Lívio Tomé haviam viajado com antecedência para Juazeiro do Norte, e coordenaram pessoalmente a arrumação do auditório, retirando algumas cadeiras, providenciando espaço para a mídia e definindo a posição que os parlamentares ocupariam na mesa.
Cristina Pires e Lívio Tomé coordenariam os trabalhos. Havia cinquenta depoimentos marcados para os quatro dias que a CPI deveria passar em Juazeiro. A bem da verdade, uma rápida análise dos depoimentos em outros estados revelaria que nenhum depoimento demorava menos de duas horas, o que faria com que a CPI precisasse de pelo menos 100 horas em quatro dias. Além disso, provavelmente surgiriam, no transcorrer dos trabalhos, novas convocações que sobrecarregariam ainda mais a pauta.
Desde o começo se sabia que não seria possível cumprir a agenda proposta; para que fazê-la daquela maneira? Fazia falta a objetividade de Carlos Costa que ficara sem mandato (pois era suplente) quando o ex-secretário do governo de seu estado, Júlio Cruz, retornara à Câmara, após o desentendimento entre o PNV e o PDE que afastou o PDE, de Carlos Costa e Júlio Cruz, do governo estadual.
Na prática, não havia uma ordem muito definida para os depoimentos. No primeiro dia, um grande número deles chegou, inclusive alguns presidiários, e foram sendo instalados em salas afastadas do auditório no qual a comissão realizava os trabalhos. Alguns poucos amontoaram-se numa sala mais próxima ao auditório. Chegaram cedo – o que se repetia a cada dia –, e os que não eram ouvidos iam sendo liberados e convocados para voltar no dia seguinte. Vários nem chegaram a ser interrogados ao final dos trabalhos em Juazeiro do Norte. Entre esses um policial civil chamado Alexandre, que junto com sua advogada, compareceu os quatro dias, lá permanecendo desde cedo até tarde da noite.
Não houve preocupação com essas pessoas. Um pouco de organização a mais e não seria necessário submetê-las a situações tão desagradáveis. Alguns se consideravam desrespeitados, em função da falta de informações oriundas da liderança da CPI sobre o momento em que seriam ouvidos, se é que seriam.
A desorganização chegou a tal ponto que os deputados em certo momento não tinham mais a informação de quem estava presente para depor. Quando instados a dispensar algumas pessoas que não iriam mesmo ser ouvidas em determinado dia, demoravam em concordar, e mesmo assim liberavam poucas.
A tensão entre os que voltavam dia a dia crescia muito, aumentando a cada momento, principalmente entre os policiais que iriam depor.
Cristina Pires havia levantado informações sobre um banco que poderia estar participando de um esquema de lavagem de dinheiro, o Quick Money. Seu correspondente em nosso país era um banco oficial. A CPI emitiu dois ofícios convocando funcionários deste banco oficial para depor, mas eles se esquivaram, dizendo que o assunto não era de sua competência. Informaram à Polícia Federal, responsável pela entrega das intimações da CPI, que deveriam procurar o sr. Wiliam Silverstone, da empresa Quick Money.
Silverstone seria ouvido na sexta-feira e logo cedo chegou ao prédio da Assembleia. No início da reunião foi preparada uma lista com os nomes dos depoentes convocados que estavam presentes. Ao ser perguntado sobre quem era, demonstrou muito desconforto e nervosismo. Seu semblante revelava que ele provavelmente vivia um dos seus piores dias. Estava acompanhado da esposa e de sua advogada.
Cristina Pires, antes do início dos depoimentos, pediu a palavra. Disse que se preocupava com o fato de haver depoimentos importantíssimos a serem feitos, inclusive um que tinha por objetivo a validade de outros depoimentos referentes a um trabalho anterior, realizado em Santa Catarina, que estava sendo apurada nas diligências de Juazeiro do Norte. Citou também o caso do Banco Quick Money.
A seguir, solicitou que um de seus assessores trouxesse uma caixa que estava cheia de documentos e a colocasse em cima da mesa onde ficavam os deputados, de frente para o público e para os repórteres. Começou a retirar papéis e a falar sobre a importância de se investigar cada uma daquelas questões. Após sua longa explanação, o assessor carregou de volta a caixa, que tinha pelo menos uns 20 kg de documentos, para fora do auditório.
Em muitas oportunidades ocorreram movimentos como este. Alguns mais estudados, outros como fruto da percepção pontual de uma chance de espaço na mídia. O fato é que em diversas ocasiões, e às vezes em prejuízo do andamento dos trabalhos, alguns deputados criavam situações para abrir espaço em jornais e telejornais.
Cristina Pires percorreu esse caminho algumas vezes, e, naquele dia, para explicar que temia não haver tempo para todos os depoimentos, gastou o tempo de pelo menos um.
Quando Pires mencionou o Banco Quick Money, a advogada de Silverstone procurou os assessores da CPI argumentando que havia algum engano, pois ele não seria funcionário do Banco Quick Money, e sim o representante para o país de uma empresa de software, chamada Quickest Money. Essa empresa produzia e distribuía um software que operacionalizava transações financeiras on-line ao redor do mundo.
Evandro Lomanto, delegado de Polícia Federal, que assessorava Cristina Pires na CPI, foi acionado. Conversou com o deputado, analisou a documentação entregue pela advogada de Silverstone, e depois falou com algum alto funcionário público, que estava à disposição da CPI em Boa Vista, que teria informado que Silverstone era realmente a pessoa a ser inquirida. A assessoria desconfiava de que os funcionários daquele banco oficial tinham fornecido o nome de alguém sem ter convicção de que seria aquela a pessoa a quem a CPI procurava.
A advogada de Silverstone tentava provar que havia um engano, e ele ficava cada vez mais tenso. Primeiramente pediu para ser ouvido mais tarde, depois queria enfrentar a CPI o mais cedo possível. Pediu para ser ouvido reservadamente, mas foi dissuadido pelo argumento de que isto geraria muito interesse por parte da imprensa: sessões reservadas eram geralmente utilizadas para denúncias, a quem ele iria denunciar? Sua preocupação era não aparecer nos órgãos de imprensa, mas se solicitasse uma sessão fechada o efeito seria contrário.
Silverstone suava. Sua esposa tentava acalmá-lo. Em vão:
– Estou nervoso… Estou muito nervoso…
Segundo sua advogada, ele era daqueles sujeitos chamados de “certinhos”. Correto, honesto, trabalhador. Na manhã do dia de seu aniversário, recebeu a visita dos agentes da Polícia Federal com a intimação para depor na CPI do Tráfico de Cebolas. E não sabia o motivo.
Silverstone passou por uma verdadeira sessão de tortura. A certa altura pediu para dirigir-se à porta que dava acesso ao auditório: queria ver a “arena” onde certamente seria devorado e os “leões” que fariam tal trabalho. Horas depois, seu momento finalmente chegou. Sua esposa fora acomodada nas cadeiras reservadas aos deputados estaduais e aos assessores; em breve o tormento se acabaria.
Em seu depoimento, procurou mostrar que não tinha nada a ver com lavagem de dinheiro, e, a despeito de todo o nervosismo, saiu-se bem, não caindo em contradição, e nem mesmo deixando qualquer má impressão aos membros da comissão.
O horror vivido por Silverstone foi compartilhado por dezenas de pessoas em todo o país, algumas culpadas por delitos, outras inocentes. Depois de ouvi-lo, a CPI não sabia se estivera diante de um criminoso, mas, antes disso, ao convocá-lo, estava bem longe de saber se ele era alguém que, de fato, deveria ser convocado. Para os parlamentares, uma situação como aquela se resolvia de maneira simples: se o convocado não é culpado, não tem nada a temer. Mas as coisas não eram bem assim. Talvez, com um pouco mais de cuidado, que não faria nenhuma diferença para o andamento dos trabalhos da CPI, fosse possível produzir menos situações desagradáveis como aquela.
Diante de tanto nervosismo, não seria difícil imaginar que Silverstone pudesse ter se incriminado ao responder aos questionamentos. Por diversas vezes, em seus interrogatórios, os deputados, na tentativa de conseguir fazer um depoente cair em contradição, chegavam a ser impiedosos. Uma pessoa nas condições emocionais de Silverstone poderia facilmente ser induzida a contradições irreparáveis em seu depoimento.
Silverstone fora ouvido, mas muitos outros não foram. Ao final, saíram aliviados… No último dia dos trabalhos da CPI em Juazeiro do Norte, Maurício Ramos, consultado sobre a possibilidade de liberar Alexandre, o policial civil, que não seria mesmo ouvido, afirmou:
– Deu sorte, nunca mais vai ser ouvido…
Ele sabia que seria impossível a CPI voltar a convocar aquelas pessoas, por absoluta falta de tempo. Havia muito o que fazer ainda, em especial preparar os relatórios.
Essa realidade se repetia em quase todas as viagens. Excesso de convocados, denúncias por todos os lados, longos depoimentos, reuniões que adentravam a noite. O dia de trabalho era extenuante. Em Juazeiro do Norte foi assim. O cansaço era enorme.
Em três dos quatro dias de trabalho, as sessões vararam a madrugada.
Na segundo noite, aconteceu uma cena inusitada. Já passava de 1h da manhã e os trabalhos se arrastavam em ritmo lento. Alguns deputados procuravam assentos mais confortáveis para relaxar um pouco, e até mesmo tirar um cochilo. Um deles, sentado mais ao extremo da mesa, lia os jornais. Alguns repórteres conversavam entre si, enquanto os cameramen sentavam no chão e dormiam, assim como outros técnicos que trabalhavam para televisões e estações de rádio. Fotógrafos repousavam seus equipamentos onde conseguiam e também relaxavam como podiam.
Dois policiais civis foram convocados para serem acareados com Agrício – outra testemunha que vinha denunciando diversos envolvidos com o tráfico de cebolas. Eles tinham entrado no auditório acompanhados de seus respectivos advogados, mas um deles logo foi retirado, restando apenas um depoente para enfrentar Agrício.
Durante a acareação, o advogado do policial civil protestou. O presidente da mesa naquele momento, Lineu Júnior, recomendou-lhe que se calasse; advogados só podiam se manifestar por escrito. Mas ele continuou a falar, alto inclusive, e protestar sabe-se lá contra o quê, até gerar um enorme desentendimento com Homero Alves. Todos se exaltaram. Lineu Júnior dirigiu-se ao policial civil:
– Diga a seu advogado que fique calado!
– Mas, ele não é meu advogado.
– Não???!!! Quem é, então???
– Não faço ideia…
Como é que aquela pessoa tinha se colocado ali? Foi um mal-estar generalizado, e ninguém sabia muito bem o que fazer. Mas, nesse momento é que surgiu uma grande oportunidade. O consultor da Câmara que acompanhava a CPI, Getúlio Braga, correu em direção a Lineu e disse:
– Dê voz de prisão… – e citou o artigo do Código Penal com base no qual a prisão poderia ser efetuada.
O pessoal da imprensa não ouviu o que Getúlio falara a Lineu, mas todos perceberam que algo importante estava para acontecer. Começaram a se mexer alvoroçados, fazendo barulho. Alguns foram acordados e pegavam seus equipamentos ainda sonolentos. Mas, todos colocaram-se a postos imediatamente.
Clésio Filho voltou rapidamente e ocupou a presidência da Mesa. A maior parte dos parlamentares presentes também se aproximou. Francisco Eider, que lia jornal, permaneceu mais ou menos como estava. Clésio instruiu-se brevemente com Getúlio. Depois, confabulou com seus parceiros e, em tom solene e grave, discorreu sobre o fato, para, ao final pronunciar:
– O sr. está preso! Peço aos Policiais Federais que fazem a segurança desta CPI que o levem à delegacia.
Flashes pipocaram sem parar, e a 1h30 da manhã estavam todos despertos novamente.
Clésio fez menção de retomar a acareação. No entanto, antes que pudesse dar continuidade aos trabalhos, um dos policiais informou a Clésio que algum parlamentar deveria acompanhá-lo à delegacia, para registrar a ocorrência. Obviamente, ninguém queria ir. Os que conduziam a Mesa começaram a olhar para aqueles que estavam meio à margem dos trabalhos. Francisco Eider foi a primeira vítima, mas escapou com um argumento qualquer. Depois de passarem a tarefa para alguns parlamentares que não a aceitaram, a fatura ficou para ser paga por Lívio Tomé, que foi chegar ao hotel somente por volta de 8h da manhã, quando alguns deputados tomavam café, preparando-se para a visita ao governador do estado.
A reunião ainda entrou pela madrugada adentro, turbinada com a adrenalina daquela prisão. No dia seguinte, no hotel, Lineu Júnior foi o primeiro a descer do apartamento para o restaurante. Procurava os jornais para ver a cobertura dada pela imprensa aos trabalhos do dia anterior. O problema que a CPI enfrentava era a concorrência: naquela semana os vereadores de Juazeiro do Norte iriam aprovar o início do processo de impeachment do prefeito local, ao mesmo tempo em que ainda repercutia um enorme bate-boca entre dois destacados senadores, em Brasília. Além disso, a NASDAQ despencava nos Estados Unidos, e para culminar, noticiava-se mais um escândalo com pagamento de propinas envolvendo a prefeitura de Juazeiro do Norte e uma empresa ligada ao grupo americano Engineering Overseas, a OneWeb. A CPI não mereceu grande destaque dos principais jornais da cidade, que eram distribuídos em todo o país.
Um deles tinha sido implacável em críticas à CPI.
Durante o depoimento de Peralta – aquele que era de Santa Catarina, mas surgira depois que a CPI passara por lá –, que acabara ocorrendo em Juazeiro do Norte, houve uma pausa, durante a qual cobriu-se novamente o rosto do depoente, que já havia sido descoberto algumas vezes, e que, de resto, era conhecido por todos os que passavam por acareação com ele. Neste momento, alguns deputados aproximaram-se dele. Enquanto alguns fotógrafos procuravam um bom enquadramento para suas fotos do Peralta Encapuzado, Clésio Filho abaixou-se um pouco, dando a impressão de estar falando ao ouvido dele.
A foto ficou boa e dava a ideia de uma negociação entre Clésio e Peralta. No entanto, o jornal que a publicou classificou a situação como “O Espetáculo”.
Logo depois de Lineu Júnior, desceram para o café da manhã Maurício Ramos, Valdo Antunes, Homero Alves, Lívio Mancini e Nádia Soares. Devido aos trabalhos do dia anterior, alguns não se levantaram a tempo. O encontro com o governador estava marcado para as 9 horas e eles saíram do hotel faltando 5 minutos para as 9h.
Algum tempo depois da saída deste grupo, Clara Aguiar, Lucas Filgueiras e Dirceu Souza chegaram para o café da manhã. Lucas Filgueiras precisava consertar seus óculos, que haviam se quebrado. Queria também ir a uma farmácia. Havia uma van à disposição, visto que apenas uma seguira para o palácio do governo. Após o café, Lucas pediu ao motorista da van que o levasse a algum lugar no qual pudesse consertar seus óculos, e convidou os demais parlamentares a ir com ele. Acabaram deixados num shopping, o que incomodou muito Clara Aguiar, que não queria ser reconhecida como parlamentar membro da CPI do Tráfico de Cebolas que estava em São Paulo para trabalhar e, ao contrário, ficava passeando em shopping.
À tarde, foram retomados os depoimentos. A desorganização aumentou, e os membros da CPI, já bastante cansados, pouco produziram dali em diante. Na sucessão de depoimentos, repetiam-se diversas situações, e a lista de possíveis indiciados não parava de subir. Silverstone, afinal, não viria a ser indiciado… E o advogado de mentira, logo saiu da delegacia e não mais se falou no caso…
No quarto dia de CPI, os parlamentares iam descendo de seus quartos do hotel e ocupando as vans que os transportavam diariamente à Assembleia. Dentro da van, esperando pelo jornalista Duílio Martins, mentor de Peralta, que participava dos trabalhos em Juazeiro do Norte, conversava-se sobre sucessão presidencial. Cristina Pires afirmou acreditar que uma composição entre alguns membros da CPI teria grandes chances na eleição. Maurício Ramos, Lucas Filgueiras, Dirceu Souza e Lineu Júnior ouviram calados.
Esse último dia em Juazeiro do Norte também foi de baixa produção. Os parlamentares começaram a retornar para suas cidades ao longo do dia, e aos poucos o auditório foi se esvaziando. Poucos repórteres ainda estavam por ali. Alguns parlamentares que iam para Brasília foram escoltados pela Polícia Federal, que furou caminho em meio ao trânsito intenso de uma sexta-feira à tarde em Juazeiro do Norte. Ligaram suas sirenes e passaram pelo trânsito sem muita dificuldade. Fortemente armados, e com aqueles uniformes de super-heróis, os policiais acompanharam os parlamentares até a sala de embarque, chamando a atenção de todos, que se perguntavam a razão daquilo. Ali, acabou a escolta – na verdade, teria sido melhor permanecerem anônimos, pois da sala de espera para o embarque em diante não havia mais proteção, e todo mundo se perguntava quem seriam aqueles que vieram escoltados com tanto alarde…
Os quatro dias em Juazeiro do Norte foram o período mais longo da CPI em uma mesma viagem. Como não podia deixar de ser, dada a importância da cidade no contexto nacional, o relacionamento com a mídia ali havia sido intenso, a despeito da forte concorrência de tema que chamavam mais a atenção dos jornais e dos noticiários.
Não seria uma tarefa simples avaliar em que medida a mídia se alimentava das notícias da CPI e pautava suas atividades, e vice-versa. De qualquer maneira, o sucesso dos trabalhos dependia, em grande medida, da cobertura dos trabalhos pela mídia e de sua repercussão.
Além dessa questão de fundo, mais ampla, havia ainda o relacionamento pessoal de cada parlamentar com repórteres, e a busca pela exposição que pudesse render dividendos eleitorais.
Em muitas situações, as denúncias eram primeiramente veiculadas na mídia e, a partir daí, se tornavam objeto da preocupação da CPI, como aconteceu no caso de Santa Catarina, em especial quanto à apreensão de mais de 800 kg de cebolas com o traficante Bartolomeu. Uma bem montada operação da Polícia Federal prendeu em flagrante o traficante quando, no interior do estado, descarregava o avião vindo da Colômbia.
Em outras oportunidades, as denúncias que chegavam à CPI acabavam se tornando material de grande interesse para os veículos de comunicação.
Muitos procedimentos se estabeleceram a partir da combinação denúncia-divulgação-retorno. Se por um lado a mídia teve papel relevante e decisivo na medida em que elegia seus assuntos preferenciais, de outro lado a falta de ressonância por parte da própria CPI, das autoridades em geral, e do público podia retirá-los da pauta da mídia, e, por consequência, esvaziá-lo em relação à pauta da CPI.
Mais quente e instigante, no entanto, era o relacionamento pessoal dos parlamentares com os jornalistas. Nesse âmbito, a posse de informação valiosa era sempre um trunfo de grande valor, pois assegurava o melhor espaço na mídia. Usualmente, tanto o relator como o presidente da CPI tendem a se tornar os melhores contatos para a mídia; embora os outros membros consigam também os seus próprios meios de cavar espaço nas notícias. É certo que, em certos momentos, alguns dos deputados guardaram para si informações importantes, reservando-se o direito de primeiro as expor diante da mídia, antes mesmo de compartilhá-las com a CPI. Alguns eram mais empenhados em conseguir informações, e obtinham o melhor retorno.
Numa reunião em Florianópolis, um dos parlamentares que lá esteve passava o dia dando diversas entrevistas às televisões. Na verdade, buscava cavar espaço com os repórteres. À noite, um pouco antes do horário do Jornal Nacional, esse parlamentar pedia licença da sala na qual se realizavam as reuniões, e procurava um aparelho de TV no qual pudesse assistir às matérias, para verificar se seu material iria ao ar. No final, não era possível avaliar se ele estava ali para participar das reuniões, ou, por intermédio dos trabalhos da CPI, conseguir espaço na mídia.
Houve exageros nas informações passadas à imprensa. Em Florianópolis, Nádia Soares informou para a imprensa que havia quarenta prefeituras do estado de Santa Catarina envolvidas no esquema de lavagem de dinheiro do tráfico de cebolas por meio de empresas-fantasma, o que não era fato. A princípio, estavam sendo investigadas trinta e oito prefeituras e, naquele momento, a Polícia Federal sabia que quinze delas não tinham nenhum envolvimento no esquema. Nádia não checou a informação antes de repassá-la.
Do lado da imprensa, algumas matérias veiculadas chegaram a conclusões no mínimo apressadas, para não se dizer maldosas. Um grande revista de circulação nacional vaticinou que a maior parte dos integrantes da CPI estaria se preparando para disputar prefeituras, o que não se confirmou.
As jornalistas (no feminino porque eram maioria em relação aos homens) e os deputados (por serem maioria em relação às deputadas) desenvolviam relacionamentos nos quais elementos como dotes naturais, charme e provocação eram constantes, como meio de se obter a informação ou o nome na mídia, de um lado e de outro.
Pequenos truques como aquele praticado por Clésio com Peralta, em Juazeiro do Norte, já estavam bem assimilados pelos parlamentares, embora nem todos fizessem uso deles. A mídia não estava sendo enganada, também já sabia o que lhe interessava e quais as senhas para conseguir o que queria. Nem tampouco poderia se dizer que o público estava sendo enganado, pois a foto dava uma boa ideia do quadro real. Fatos como este não comprometiam o trabalho da CPI, embora em algumas situações o exibicionismo de alguns parlamentares e a luta pela atenção da mídia chegassem a atrapalhar um pouco o andamento dos trabalhos. Mas não era a regra, e a maior parte deles procurava tirar o ganho político com alguma discrição.
De fato, não só naquela oportunidade, mas em várias outras, os deputados procuraram explorar ao máximo a exposição na mídia, não só nas fotos e cobertura da televisão, mas, principalmente nas reportagens concedidas aos repórteres ávidos por entrevistar os principais integrantes da CPI.
A busca da promoção pessoal variava de um parlamentar para outro. A maior parte deles se comportava de maneira mais discreta. Nádia Soares e Cristina Pires talvez fossem as mais preparadas para explorar o potencial de exposição que a mídia oferecia. Clésio Filho e Maurício Ramos eram muito procurados por serem, respectivamente, relator e presidente, com algum destaque para Clésio. Lívio Tomé, com bom conhecimento de televisão, soube aproveitar as oportunidades a todo tempo. Homero Alves sempre ganhou destaque, principalmente em função de seu temperamento aguerrido. Os outros não tinham o mesmo destaque deste grupo. Elton Lima, Clara Aguiar, Lineu Júnior, Valdo Antunes, Dirceu Souza, Lucas Filgueiras e Armando José figuravam num grupo intermediário. Por último, Clodomir Vaz, Francisco Eider e Lídio Mancini integravam o grupo com menor exposição.
Certamente, a exposição também estava diretamente relacionada com a constância da participação dos parlamentares nas diversas atividades desenvolvidas pela comissão, principalmente as viagens. Alguns deles de desdobraram para participar de todas elas. Com isso, tinham naturalmente mais destaque, além de passarem a deter cada vez maior quantidade de conhecimento e informações sobre o tema da CPI.
Não foram muitas as guerras de vaidades.
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