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Como se não bastasse o cardápio de desmandos, a ação dos grileiros – “uma facção criminosa organizada no DF”, na definição de um morador da região – desrespeita dia e noite uma decisão judicial em primeira instância, sem que as autoridades os perturbem. Trata-se de loteamento ilegal no Núcleo Rural Sobradinho I, mais precisamente na Fazenda Sobradinho, onde foi construído o Condomínio Rural Bougainville, região repleta de palmeiras buriti – árvore típica do Cerrado que nasce em solos saturados de água, próximo a nascentes.
Em julho de 2013, um juiz da 4ª Vara Cível de Brasília declarou nulos todos os contratos de comercialização de terrenos naquela região, que fica às margens da rodovia DF-440 e compreende 244 lotes com 850 metros quadrados cada. Consequentemente, o magistrado determinou a Clinton Campos Valadares, responsável pela grilagem, o ressarcimento de dinheiro a quem comprou lotes, com obrigação de cobrir gastos posteriores dos compradores, tudo com a devida correção monetária. As terras integram a Área de Proteção Ambiental do Rio São Bartolomeu e, por isso, não pode receber edificações ou ser alvo de comercialização privada.
A sentença foi resultado de ação civil pública formalizada pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) contra Clinton Valadares, acusado de vender as terras como se fossem propriedade privada. Para o MPDFT, “o réu explora atividade imobiliária, especificamente comercialização de lotes em parcelamentos irregulares, no Distrito Federal”. Proprietário de uma gleba nas imediações da área de preservação ambiental, Clinton aproveita-se da regularidade de seu imóvel para grilar terras vizinhas vedadas à comercialização, diz o MPDFT, “alardeando inveridicamente que a área de cerca de 30 hectares está compreendida sua propriedade”.
O réu se defende alegando que área do condomínio vedado à comercialização era publicamente considerada regular, classificando o processo de regularização como lento. Segundo Clinton, os compradores sabiam dessa morosidade, mas mesmo assim quiseram adquirir os lotes. No entanto, por meio de ofício emitido em 17 de dezembro de 1999, a Secretaria do Meio Ambiente declarou a inexistência de qualquer tipo de registro documental relativo à regularização do condomínio.
“[…] conforme a legislação ambiental (Decreto nº 88.940/93, Instrução Normativa nº 02/98 da SEMA e Resolução nº 10 do CONAMA), não se pode implantar atividade potencialmente poluidora [naquele local], como abertura de vias de comunicação, realização de grandes escavações e implantação de projetos de urbanização, sem autorização prévia da Secretaria Especial do Meio Ambiente do Distrito Federal e da CAESB. Assim, também pela violação das normas ambientais, os contratos questionados na inicial são nulos de pleno direito”, registra a decisão da 4ª Vara. O processo (nº 3609/95) espera decisão em segunda instância, após apresentação de recurso.
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Mas a venda de lotes no local continua a todo o vapor, com limpezas constantes de terra (desmatamento para construção) e dezenas de casebres já construídos no local, outros tantos em construção. Em área rural, em que a fiscalização parece não chegar, prospera o desrespeito renitente à lei nas barbas do Palácio do Buriti, sede administrativa do GDF ironicamente batizada com o nome daquela árvore nativa.
A reportagem do Congresso em Foco esteve no local algumas vezes, em diferentes horários. Na parte da noite, fica fácil perceber a proliferação de pequenas residências construídas ou em processo de edificação, devido às luzes acesas em meio à vegetação. Como a rodovia DF-440 fica às margens de uma depressão assemelhada a um vale, basta o visitante do local encostar o carro e vislumbrar diversas clareiras na paisagem, resultado da grilagem.
Durante o dia, pode-se ver homens trabalhando na terra ou nas pequenas habitações, todas já dotadas de energia elétrica, em grande parte ligações clandestinas. Quando questionados sobre quem está comercializando os lotes, pretexto encontrado pela reportagem para simular interesse na compra, os homens se limitam a dizer que não sabem quem vende os terrenos.
Um morador vizinho à área grilada, proprietário de chácara regularizada, aceitou falar à reportagem na condição de anonimato, temendo represálias. Ele lembrou a existência de nascentes na área comercializada, e disse ter testemunhado diversas vezes a derrubada de buritis, a tal árvore típica a indicar que abaixo dela existem lençóis freáticos.
Desde 1990
Segundo o morador, os grileiros têm como alvo entre 40 a 60 hectares das imediações, ou seja, até cerca de 600 mil metros quadrados estão sob ameaça. “Essa área vem sendo judiada desde 1990. Cerca de 80% da área de cerrado por aqui já foi destruída”, resigna-se. Ele diz acreditar que, além de Clinton, há mais grileiros atuando na região. “Devem ser laranja de políticos”, disse, lembrando que, durante as eleições do ano passado, via-se pelos arredores cartazes e placas de candidatos.
Ele também recordou das promessas do candidato enquadrado na Ficha Limpa José Roberto Arruda, que desistiu do pleito. Ele relata ter visto o ex-governador, preso durante o escândalo chamado “mensalão do DEM”, prometer que regularizaria ocupações pelo Distrito Federal. “Atualmente, vários ‘corretores’ – coloque isso entre aspas – continuam vendendo acintosamente os lotes. Mesmo depois das diversas vezes em que a Agefis [Agência de Fiscalização do Distrito Federal] apareceu no condomínio, demolindo o começo de algumas construções, no outro dia, eles continuam fazendo a mesma coisa em outros lotes”, reclamou. “O boom de construções teve início durante a campanha eleitoral, depois que Arruda, nos programas de TV, dizia que ia legalizar todos os condomínios.”
O morador diz que, nos últimos 90 dias, mais de 20 casas surgiram na reserva, com construções sempre iniciadas nos finais de semana. “Eles aproveitam fins de semana, feriados de Natal e Ano Novo, porque a fiscalização não opera nesses dias. Inicia-se uma construção na sexta-feira, e na segunda-feira já estão prontas. É enorme a quantidade de máquinas com pá mecânica, fazendo movimentação de terra e degradando a área, limpando as terras para construções”, acrescentou o morador.
Ele diz ainda que a própria CEB faz instalações elétricas e ligações de energia, mesmo sabendo das fiscalizações da Agefis. São várias as casas com medidores de energia do local, diz, indicando a aferição de conta mensal por parte da CEB. “Sem falar na quantidade de ligações clandestinas. Eles chegam com o uniforme da CEB, então são funcionários da CEB”, observou, lembrando que alguns dos grileiros moram nas cercanias e vendem terras nessa reserva de mananciais.
Outro lado
A reportagem procurou obter esclarecimentos junto ao GDF, à Agefis e à CEB, segundo as atribuições de cada instituição. A assessoria de comunicação do governo disse que a questão é de inteira responsabilidade da Agefis, e que o governador do DF, Rodrigo Rollemberg, não tem falado sobre o assunto. Mas a assessoria ressalva que, em casos extremos, o próprio Rollemberg pode intervir, a depender da gravidade da situação.
Por seu turno, a CEB negou categoricamente que faça ligação de moradias irregulares à rede de distribuição. A companhia contestou também o relato de que esteja construindo redes de distribuição de energia elétrica na localidade em questão. “Há uma rede da CEB no local, mas foi construída em 1997”, explicou a assessoria de comunicação, admitindo a possibilidade de extensão clandestina, por parte dos grileiros e compradores de terra irregular, da estrutura disponibilizada – o que é crime.
Já a Agefis, que diz ter adotado, no governo Rollemberg, a política de tolerância zero para ocupações irregulares, que tomou conhecimento do fato em julho de 2011, “e logo em seguida” tomou as providências. “A Sufiso (Superintendência de Fiscalização de Obra) da Agefis foi comunicada no dia 29/12/2014 do retorno dos grileiros e, desde essa data, até a primeira quinzena de janeiro, já foram lavrados dois Embargos de Infração e expedidas três Intimações Demolitórias. Essa última sofreu recurso e ainda encontra-se em processo de julgamento”, explicou a agência fiscalizadora, por meio de nota.
“Os números de Embargos e Intimações ditos acima não se referem ao número total feito naquela área, mas sim ao curto período de tempo de 30 dias. Tendo em vista a recente transição de governo, houve um aquecimento das obras no local a partir de dezembro de 2014. Para impedir novas proliferações de grilagem de terra, a Agefis continuará agindo com firmeza”, arrematou.
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