A falta de segurança e o estado de degradação das pontes do Norte do Mato Grosso e do Sul do Pará representam uma situação extrema, que exige ação imediata, mas não são casos isolados. Pontes em situação de risco existem nos quatro cantos do país, inclusive nas rodovias federais, as BRs, que teoricamente deveriam contar com mais recursos. Essas pontes em situação precária – estreitas, sem acostamento, sem a proteção de guard rails na entrada, com buracos no asfalto, sem guardas de proteção, com traçado inadequado – têm provocado incontáveis acidentes com mortes.
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Não há estatística oficial sobre essa tragédia previsível, mas levantamento feito pelo Congresso em Foco mostra casos de pontes onde caíram quatro, cinco e até mesmo 11 veículos. Em vários locais do país, são conhecidas como as “pontes de morte”. Percorremos 12,5 mil quilômetros de estradas federais, estaduais, municipais, para visitar os locais onde ocorreram acidentes com vítimas fatais. Registramos casos nas cinco regiões do país. Nem mesmo o Estado de São Paulo, com suas estradas de primeiro mundo, escapou dessa lista trágica.
Em entrevistas com familiares, policiais, autoridades locais, testemunhas, procuramos apurar os motivos desses acidentes. A conversa muitas vezes era interrompida pela emoção daqueles que perderam seus filhos, irmãos, netos. Muitos não conseguiram falar uma palavra sequer. Um deles resumiu bem o que isso tudo representa, afinal: “São vidas jogadas fora”.
O governo federal sabe da precariedade de boa parte das suas pontes há mais de uma década. Tem sido alertado sobre o risco até mesmo de desabamento dessas estruturas corroídas pelo tempo e pelo tráfego de caminhões cada vez mais pesados, mas a sua capacidade de reação é lenta.
O debate teve início a partir de um fato aparentemente isolado: o desabamento de uma ponte na Rodovia Régis Bittencourt, localizada na represa do rio Capivari, no município de Campina Grande do Sul, na madrugada de 25 de janeiro de 2005 (foto abaixo). O deslizamento do aterro de acesso da extremidade da ponte, do lado de São Paulo, provocou o tombamento de um pilar de apoio, causando a ruptura dos dois vãos. O acidente provocou a morte de Zanardi do Nascimento e prejuízo de R$ 23 milhões aos cofres federais. A Regis Bittencourt é o trecho da BR-116 entre São Paulo e a divisa do Paraná com Santa Catarina. É conhecida como “Rodovia da Morte”, por causa do alto índice de acidentes fatais, decorrente da má conservação e do intenso tráfego de veículos de carga em região montanhosa.
Quase quatro meses antes, em 28 de setembro do ano anterior, a Polícia Rodoviária Federal no Estado do Paraná havia constatado uma falha de cerca de 30 centímetros na ponte, além de desgaste nas juntas de dilatação, o que vinha acarretando danos em pneus e suspensão de veículos. O fato foi notificado ao Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit). Duas semanas antes do desabamento, a Polícia Rodoviária novamente relatou ao Dnit a falta de manutenção, sinalização e conservação do local, além da necessidade de construção de novas proteções e recuperação das cabeceiras na ponte. Nada foi feito. A ponte caiu.
Tribunais lentos
O caso chegou ao Tribunal de Contas da União (TCU), que também costuma ser lento nas suas decisões. Durante o processo, o Dnit alegou que a junta de dilatação “não tem função estrutural” e que a chuva ocorrida no dia do acidente teria sido “o evento-gatilho” que provocou o desencadeamento da ruptura da encosta.
A investigação mostrou, porém, que exatamente um ano antes do desabamento, no mesmo local, houve precipitação pluviométrica de 84 mm, enquanto no dia do acidente o volume foi de 83 mm. Isso derrubaria a tese de que a chuva teria sido o único agente responsável pelo desastre. Processo na Justiça Federal do Paraná aponta que o “estado da ponte era péssimo e, portanto, a ausência de manutenção foi fundamental para ocasionar o acidente”. A auditoria apurou ainda que o Dnit mantinha apenas um contrato de manutenção e conservação da “pista de rolamento” da BR-116, não existindo, à época, contratação específica para a manutenção da ponte sobre o rio Capivari ou de qualquer outra no Paraná. Na planilha de serviços do referido contrato existia um único item a ser realizado em obras de arte especiais: “limpeza de ponte”, com míseros R$ 7,2 mil para o período de 730 dias.
A ponte foi reconstruída e reinaugurada em abril de 2006, a um custo de cerca de R$ 30 milhões. Mas voltou a ter problemas. Por causa de uma falha geológica, um pilar deslocou-se quase meio metro. Para que não houvesse mais uma demolição, a via da ponte que estava ameaçada foi interditada por três anos e a estrutura foi reforçada com armação estaiada. Mais R$ 40 milhões de despesa – dessa vez incluída no valor do pedágio, ou seja, paga pelo usuário. A parte reformada foi reaberta em fevereiro deste ano.
A decisão do TCU saiu apenas em outubro de 2010, quase seis anos após o desabamento. Os ministros consideram as acusações improcedentes e ninguém foi responsabilizado. Restou de produtivo a determinação de que fosse realizada auditoria operacional no Dnit, em 2011, para levantar a real situação das pontes federais e identificar falhas nas ações adotadas pela autarquia na manutenção e conservação dessas estruturas.
Na Justiça, o processo tem andado de forma ainda mais lenta do que no TCU. A Justiça Federal em Curitiba abriu ação civil pública para investigar o caso em junho de 2006. Passados dez anos, o caso ainda não foi julgado.
Plano fracassado
Em 2011, o Dnit já contava com o Sistema de Gerenciamento de Obras de Arte Especiais (SGO), criado em 1994 para registrar as condições de uso das pontes e viadutos. Por falta de recursos, esse trabalho esteve paralisado de 1997 até 2002.
A auditoria operacional do TCU tentou apurar em 2011 se possíveis falhas na manutenção de pontes e viadutos estariam expondo usuários a riscos e gerando prejuízos aos cofres públicos. Afinal, havia cerca de 4,5 mil dessas estruturas distribuídas por uma malha rodoviária superior a 50 mil quilômetros, somando um patrimônio na ordem de R$ 13 bilhões na época.
O governo federal parecia decidido a enfrentar o problema. Parecia. Em 25 de janeiro de 2011, primeiro ano do governo Dilma Rousseff, fora lançado em audiência pública o Programa de Reabilitação de Obras de Arte Especiais (Proarte). O programa tinha por objeto a restauração, o reforço estrutural e o alargamento das pontes e viadutos administrados pelo Dnit, com investimentos estimados de R$ 6 bilhões ao longo de oito anos.
No entanto, de cara, o tribunal apontou irregularidades no programa, como ausência de critérios consistentes para a seleção das pontes, inexistência de projeto básico minimamente adequado e orçamento com preços acima dos praticados no mercado. Apenas como ilustração, uma ponte com 12 vãos foi registrada pelo Dnit como se tivesse seis. Mas o caso que mais chamou a atenção foi o de uma ponte metálica em que foram previstos serviços de restauração apenas compatíveis com estruturas de concreto. As falhas eram tão evidentes que o Dnit revogou o programa em setembro de 2011.
Pontes abandonadas
A auditoria operacional daquele ano constatou a existência de uma quantidade expressiva de pontes e viadutos em estado “crítico” e “problemático” que não haviam sido recuperados. As obras vistoriadas entre 2002 e 2004 foram classificadas quanto à sua estabilidade, podendo ser qualificadas como boa, sofrível ou precária. Elas receberam nota de 1 a 5. As pontes de nota 1 requeriam cuidados imediatos, uma vez que continham elementos em estado crítico, com risco de colapso (desabamento). As de nota 2 também apresentavam danos significativos que demandavam recuperação no curto prazo.
Em 2004, na inspeção de 1.212 estruturas, os órgãos haviam constatado que 28 delas se encontravam em estado crítico e outras 111 em estado problemático. A ponte sobre o Rio Grande, localizada na BR-101/ES, cadastrada em 2002 no SGO, por exemplo, recebeu nota 2 e estava em situação de estabilidade “sofrível”. O relatório dizia que a face inferior das vigas, na região dos apoios, encontrava-se em avançado estado de deterioração, além de concreto muito desagregado. A vida útil da estrutura poderia ficar comprometida. Foram recomendados, no curto prazo, a recuperação e o reforço estrutural do tabuleiro da ponte.
Sete anos depois, no primeiro semestre de 2011, a equipe de auditoria do TCU realizou fiscalização na mesma ponte sobre o Rio Grande e constatou que não havia ocorrido intervenções até então.
Os técnicos do tribunal apresentaram ao Dnit, em 2011, a relação das 139 pontes em estado precário e perguntaram quais delas haviam sofrido algum tipo de intervenção, a partir de 2002, e quais tinham sido incluídas no Proarte ou em outro programa de reabilitação. Duas pontes da BR-414, no município de Niquelândia (GO), que estavam em mau estado desde 2002, não haviam sido recuperadas até 2011.
Em agosto de 2007, as ferragens cederam e apareceu um buraco no meio da ponte sobre o Riacho Fundo, no Km 241 da BR-414, próxima ao povoado Faz Tudo. Um Vectra passou pelo buraco e capotou em cima da ponte. O motorista morreu no local. Em março de 2012, surgiu uma rachadura de 2 metros e outro buraco na mesma ponte. Um carro tentou desviar e acabou batendo em outro que vinha em sentido contrário. Não houve mortes. Depois disso, o Dnit colocou uma chapa de aço no local. Por ali passam pesados caminhões carregados de minério de níquel da mineradora Anglo American.
A reportagem do Congresso em Foco esteve no local em julho deste ano (foto abaixo) e observou que o tabuleiro da ponte está em bom estado, mas há buracos na sua entrada, em direção a Niquelândia. Para evitar acidentes, o Dnit colocou lombadas a cem metros de distância e na entrada da ponte. Segundo relato de Bruno Monteiro, funcionário da lanchonete que fica a cem metros da ponte, as lombadas acabaram provocando acidentes nos primeiros meses. Há cerca de um ano, o motorista de um Fiat Uno passou pela lombada, perdeu o controle do carro e caiu no rio. Agora há enormes placas no local informando a existência de lombadas.
Apenas seis quilômetros adiante, a ponte sobre o Rio das Pedras também não sofreu intervenções após 2002. Os moradores da localidade afirmam que já ocorreram acidentes no local. Uma pequena cruz na beira da estrada faz homenagem a uma das vítimas: Alôncio O. P., morto em 2 de fevereiro de 2012.
Nenhuma das duas pontes estava na relação de estruturas incluídas no Proarte. Mas uma terceira ponte da BR-414, sobre o Rio Maranhão, entrou na lista do programa. Ela seria recuperada, reforçada e receberia alargamento de nove para 13 metros. Mais duas pontes na BR-080, uma sobre o Rio Verde, nas proximidades de Padre Bernardo, e outra sobre o Rio Descoberto, distante apenas 40 quilômetros de Brasília, receberiam os mesmos benefícios. As três continuam com a mesma largura, sem acostamento. Há cerca de dois anos, uma caminhonete caiu na entrada da ponte sobre o Rio Maranhão.
Em estado crítico
Os auditores do TCU apuraram, ainda, em 2011 que, em 31% dos casos, as inspeções eram feitas somente quando as pontes apresentavam danos estruturais graves. Nos cinco anos anteriores, 12% das unidades não haviam sido vistoriadas. Para completar, 41% dos supervisores não tinham nenhuma experiência em projeto, manutenção ou qualquer outro serviço relacionado a obras de arte especiais.
A descoberta mais assustadora foi sobre a situação das 139 obras consideradas em estado crítico e problemático em 2004 – o que exigia ação imediata, pois apresentaram riscos graves para a sua preservação e a dos usuários. Apenas cinco delas haviam sido objeto de contratos de restauração até março de 2011.
A auditoria operacional chegou ao plenário do TCU em março de 2012. Os ministros determinaram que o Dnit recuperasse as pontes e viadutos das rodovias federais em estado crítico ou problemático. O problema é que o tribunal tem uma enorme capacidade de apurar falhas, irregularidades, ilegalidades, mas não tem poder para impor a execução das suas decisões.
Um ano depois, nova auditoria apurou se as determinações do tribunal haviam sido compridas. O TCU solicitou ao Dnit que informasse a situação das 134 obras críticas ou problemáticas remanescentes da relação de 139 identificadas em 2004. O Dnit respondeu que “algumas” haviam sido reabilitadas e que estavam sendo contratados projetos de reabilitação de 80 dessas obras. Ao confrontar a relação das 134 estruturas remanescentes com essa nova lista de 80 obras, entretanto, os auditores verificaram que apenas sete daquelas identificadas em 2004 haviam sido incluídas nessa lista de estruturas a serem recuperadas a partir de 2011.
Até aquela data, haviam sido recuperadas no máximo 18 pontes. Pelo menos 40 não contavam sequer com contrato para elaboração de projeto. Foi constatado, ainda, que a autarquia não possuía programa de manutenção preventiva das estruturas. Em 29 de maio de 2013, o TCU determinou, uma vez mais, que o Dnit promovesse a imediata reparação das estruturas em situação de risco.
Pontes que caem
O Tribunal de Contas também fez apurações sobre o desabamento de pontes. Supervisores do Dnit que participaram da pesquisa informaram que, das 3.491 obras de arte administradas pela autarquia, 155 possuíam danos estruturais graves. Eles disseram que haviam ocorrido 44 colapsos em pontes nos dez anos anteriores – o que mostrou que o desabamento ocorrido na ponte da Rodovia Régis Bittencourt não fora um caso isolado.
No dia 2 de abril de 2013, por exemplo, um caminhão carregado de brita caiu e destruiu a ponte sobre o Rio Preto, na BR-429, em São Miguel do Guaporé (RO), distante 495 quilômetros de Porto Velho. O detalhe mais curioso é que a ponte, numa estrada federal, era de madeira. E a rodovia não era pavimentada naquele trecho. A ponte ficou desgastada com o intenso tráfego de caminhões pesados transportando grãos. O motorista não sofreu sequer ferimentos.
Relatório do Dnit, atualizado em janeiro de 2015, informa que aquele trecho tinha revestimento primário e apresentava buracos, erosões, costelas, trilhas de roda, tráfego precário, sem sinalização e pontes de madeira. “As pontes de madeira estão em boas condições”, diz o documento.
Mais de quatro décadas após a sua “inauguração”, a rodovia Transamazônica (BR-230) continua inacabada, com trechos de estrada de chão e muitas pontes em estado precário. Em 5 de agosto de agosto de 2015, desabou a ponte no Km 387 dessa rodovia, sobre o rio Aratau, no município de Pacajá (PA). A ponte dá acesso a Altamira e à usina hidrelétrica de Belo Monte, em Vitória do Xingu. O desabamento ocorreu por volta das 9h30, quando passavam um caminhão carregado de madeira e uma caminhonete. O motorista do caminhão ficou ferido. A ponte é de concreto, mas é estreita e permite a passagem de apenas um veículo por vez. O trecho onde está localizada a ponte ainda não é asfaltado.
Pouco mais de quatro meses depois, em 15 de dezembro, a estrutura caiu de novo, mais uma vez durante a travessia de um caminhão carregado de madeira. O motorista também escapou apenas com ferimentos.
As pontes de madeira do Jequitinhonha
Os dados fazem parte de relatório do Dnit sobre a situação de 4 mil pontes e viadutos, divulgado em julho de 2015. Numa visão otimista, a autarquia salienta que 95% dessas estruturas estão em “bom estado”. Mas o documento também revela que 184 unidades estão em mau estado, com as notas mínimas (1 e 2) – o que exige recuperação em curto prazo. Doze delas estavam próximas do colapso. No trecho crítico da BR-367, duas pontes receberam nota 1. A largura média das seis estruturas é de 4,5 metros.
Leia a íntegra do documento do Dnit sobre as pontes em situação de risco
A reportagem do Congresso em Foco esteve na região para conferir os dados do relatório da autarquia. Cerca de 20 quilômetros antes de Turmalina, já na BR-367, uma ponte (foto abaixo) de 100 metros sobre o rio Araçuaí impressiona pela sua largura – são apenas três metros – e pela altura de 20 metros. A ponte é de concreto, mas tem um problema grave no traçado. Nas duas cabeceiras, as curvas formam um ângulo de 90 graus, o que tem provocado acidentes. No final de abril deste ano, um ônibus com comerciantes que voltavam para São Paulo perdeu-se na curva, rompeu o guar raill do lado esquerdo, caiu pelo barranco e ficou preso numa pedra. Dezessete pessoas ficaram feridas. Na guarda do lado direito, as marcas de outra batida.
Quase 40 quilômetros adiante, chegamos a Minas Novas, município de 32 mil habitantes. A ponte da entrada da cidade também é estreita, mas não há curvas por perto. Passamos pela praça Governador Valadares e seguimos margeando a cidade. À esquerda, podemos avistar uma enorme ponte de concreto, distante cerca de 200 metros. Na saída da cidade, o tráfego da BR passa por um pontilhão de cinco metros de comprimento e três de largura, com guardas frágeis e sem guard rails. À direita de quem entra na cidade, há um enorme buraco no aterro. Mais um perigo para os motoristas.
Começa, então, o trecho de terra da BR-367. Cerca de 250 metros adiante, chegamos à ponte que havíamos avistado, sobre o rio Fanado. Uma obra de engenharia que impressiona. A estrutura tem 150 metros de extensão e 25 metros de altura. Devido à profundidade do vale, foi construída com uma leve curvatura para baixo. Tudo quase perfeito, mas há um problema: concluída em 2006, a ponte ainda não foi utilizada. Não foram sequer construídos os aterros para ligar a estrutura de concreto à estrada. Resumindo, construíram a ponte, mas esqueceram a estrada.
O Dnit afirmou à reportagem que o projeto executivo da pavimentação da BR-367 está aprovado, mas ainda falta o licenciamento ambiental. Acrescentou que o projeto de construção de pontes em concreto, que faz parte de um outro lote de obras, “está em análise”. “Portanto, é necessário o licenciamento ambiental e a aprovação do projeto”, diz nota da autarquia.
Nos primeiros quilômetros da rodovia, a impressão é que erramos o caminho. “Não pode ser uma BR!”. Esse é o pensamento dominante. Cheia de curvas fechadas nas encostas de morros, com muitos buracos, às vezes com enormes pedregulhos, depois com terra solta, e muita poeira. A visibilidade chega a zero quando passa outro carro. Mais alguns quilômetros e aparecem militares operando uma patrola para melhorar a pavimentação de terra. Um carro pipa molha o chão. Pergunto: “Essa é a BR-367?”. “Isso mesmo”, responde o militar.
Alguns trechos pequenos estão asfaltados, mas muito pequenos. Vinte quilômetros adiante, chegamos a Chapada do Norte, município com 15 mil habitantes, com índice de desenvolvimento humano (IDH) de 0,598 – semelhante ao do Tajiquistão, país da Ásia Central devastado pela guerra civil após a saída da União Soviética nos anos 90.
A estrada até Berilo tem muita areia. Um quilômetro adiante, o carro percorre a margem do rio Capivari, que está completamente seco. De repente, surge à direita a primeira ponte de madeira, com 52 metros de comprimento e 4,5 metros de largura. É preciso fazer uma curva de 90 graus, como quem dobra uma esquina. Um caminhão não conseguiu fazer a curva e caiu da ponte há alguns meses.
Na rodovia entre montanhas, há longas subidas em piso de terra solta. O carro não pode parar. Na chegada a Berilo – que tem 12 mil habitantes –, 23 quilômetros adiante, mais uma ponte de madeira, com 40 metros, na mesma largura da anterior. Por baixo, é possível ver suportes de madeira rachados ou podres, escoras tortas, grampos de ferro tortos. A travessa sobre os pilares de concreto está com ferragens à mostra e enferrujadas. Guard rails improvisados, feitos de pedaços de madeira, servem mais para mostrar a entrada da ponte.
Após atravessar a cidade, chegamos à maior ponte, sobre o rio Araçuaí. Com pilares de concreto e ferro e tabuleiro todo de madeira, tem 154 metros de extensão e 4,4 de largura, com apenas uma pista. Passa um carro de cada vez. Como as tábuas não ficam completamente presas, a passagem dos carros provoca um barulho ritmado que pode ser ouvido a mais de 200 metros: “Tam, tam; tam, tam”. Há alguns buracos nas extremidades da pista. Caminhões pesados, carros de passeio, motos, cavaleiros e pedestres disputam o espaço na travessia. Na entrada, para quem sai da cidade, há um buraco coberto com tábuas bem finas, pouco resistentes. Alguns cavalos refugam a entrada.
No trecho de 26 quilômetros entre Berilo e Virgem da Lapa há mais três pontes. A do Bem Querer, de 21 metros, recebeu nota 2 do Dnit. Por cima, parece boa. Embaixo do tabuleiro, há madeira podre, suportes afastados, rachados, grampos rompidos. A ponte do Ribeirão do D’Oro, de apenas 9,6 metros, recebeu nota 1, mas já foi reformada. A madeira é nova, mas os suportes parecem improvisados. Um pilar de sustentação não alcança o tabuleiro.
A ponte do Barbosa, na divisa com o município de Virgem da Lapa, não aparece na lista do Dnit. Nem poderia. Caiu há 12 anos. O tabuleiro de concreto foi levado pela enxurrada no período das chuvas e caiu emborcado sobre o leito do rio. Restaram apenas a base de um pilar e pedaços de outros. O sertanejo Mauro Miranda, de 44 anos, está abrindo um buraco no leito do rio agora seco. Pergunto se está procurando água.
– Não! Procuro ouro – responde, rindo.
Penso que é brincadeira e insisto na pergunta. Ele repete que está garimpando restos de minério de ouro, que já foi abundante na região. Trinta metros adiante, há outros buracos. Um deles verte água, que é utilizada para limpar o cascalho na bateia – um prato cônico utilizado no garimpo de pequena escala. A água vai passando e o minério fica depositado no centro. Cinco pessoas trabalham no local.
– Às vezes, a gente tira R$ 20 por dia, às vezes, tira R$ 10 – conta Mauro.
O vereador José Roberto de Jesus, o Zezinho, do Democratas, afirma que o Batalhão do Exército está melhorando as estradas e as pontes, mas reclama do material usado:
– Pra cá, só vem o resto. O material é de péssima qualidade.
Ele relata a situação de pobreza do município.
– Aqui, não tem emprego, chove de oito em oito meses. Com essa seca, até o gado acabou. E o governo não olha por nós.
Quadro mantido
A reportagem do Congresso em Foco solicitou ao Dnit, em maio deste ano, informações sobre o andamento do programa de recuperação de pontes e viadutos. A autarquia lembrou que, em março de 2011, o TCU determinou a realização de cerca de 40 auditorias no Proarte. A autarquia determinou a imediata suspensão de todos os atos administrativos decorrentes do programa. Até então, não haviam sido licitadas obras do programa.
O Dnit informa que pontes e viadutos vêm sendo recuperados por intermédio de contratos de restauração e duplicação. “Atualmente, propõe-se uma completa reestruturação do Proarte. Os resultados do trabalho foram consolidados em uma proposta de instrução de serviço, em análise na Procuradoria Federal Especializada”, diz nota da autarquia, na usual linguagem excessivamente técnica e que pouco explica. Em resumo, o programa de recuperação ainda não começou. Um projeto piloto está sendo realizado em Macaíba (RN), com a reabilitação de seis obras de arte – cerca de apenas 0,1% das estruturas hoje existentes. Mas o piloto está ainda em fase de “levantamentos e anteprojetos”, com previsão de licitação para as reabilitações em dezembro deste ano.
A Pesquisa CNT (Confederação Nacional do Transporte) de Rodovias, divulgado anualmente, aborda dois aspectos de segurança das pontes e viadutos: os acostamentos e as defensas (guard rails). Acostamento é a área adjacente à pista de rolamento. Atua como área de manobra e de escape, auxiliando veículos desgovernados a retomar a direção correta. Também protege a estrutura do pavimento contra a erosão e permite a circulação de pedestres e bicicletas. As defensas impedem a queda de veículos desgovernados da ponte e absorvem o choque lateral, reconduzindo o veículo à pista.
Os dados são estarrecedores. Dos 100 mil quilômetros inspecionados, 52 mil contavam com pontes e viadutos. Em 34 mil quilômetros, essas estruturas estão sem acostamento ou sem defensas. As pontes são contempladas com os dois requisitos de segurança em apenas em 13,9 mil quilômetros – um quarto do total. Em 4,3 mil quilômetros – o equivalente à distância entre Manaus e Porto Alegre –, as chamadas obras de arte não possuem acostamento nem guard rails.
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