A estratégia governista para convencer os aliados era aceitar a derrubada do veto ao projeto que permite a criação, fusão e incorporação de municípios. Em duas oportunidades, a presidenta Dilma Rousseff rejeitou integralmente as propostas aprovadas pelo Congresso por receio do impacto orçamentário que a proposta poderia gerar. Uma das negativas tranca a pauta do Legislativo do início do ano.
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Mas, com a resistência da oposição na Câmara, que ameaçava obstruir qualquer votação de interesse da base, e a baixa presença de governistas nas duas Casas, o presidente do Senado e do Congresso, Renan Calheiros (PMDB-AL), anunciou o cancelamento da votação dos vetos. O peemedebista agiu conforme orientação do Palácio do Planalto, que decidiu recuar por conta da insatisfação geral que toma conta do Parlamento.
Em entrevista ao Congresso em Foco, o vice-presidente do PT, deputado José Guimarães (CE), disse que o recuo da base governista foi acertado. “É uma sinalização de distensionamento. A boa política recomenda que, nesses momentos de tensão, o melhor caminho é depor as armas. O Congresso não pode ficar nesse jogo de mata-mata, tem que se preocupar com questões de interesse do país. Não é questão de ser governo ou não”, disse o deputado, para quem a pauta de votação do Congresso foi levada em conta na decisão da base aliada.
“Tem vetos que são importantes para o país. Não podemos ficar nesse zero a zero aqui dentro. Foi uma medida necessária, sinalizadora de que podem vir bons ventos”, acrescentou.
Inclinação
Mais cedo, o líder do governo no Congresso, o senador José Pimentel (PT-CE) já havia anunciado, depois do acordo com lideranças, a inclinação da presidenta Dilma Rousseff em aceitar a derrubada do veto a um dos projetos de criação de municípios – além do PL 416/2008, há também na pauta o veto ao PL 397/2014, que prevê o surgimento de mais municípios do que o apresentado anteriormente. “Está sendo construído um acordo entre as lideranças da Câmara e do Senado para que o segundo veto seja derrubado”, disse Pimentel, dando a medida da preocupação do governo com o aumento de gastos.
Em outra frente, o líder do PT no Senado, Humberto Costa (PE), também havia feito uma espécie de aviso aos oposicionistas, em discurso na tribuna do plenário. Segundo o petista, não haverá como assegurar repasses parlamentares, por meio do orçamento impositivo, sem que a redução da meta de superávit seja aprovada no Congresso.
“Para que se cumpra esse orçamento impositivo, para que emendas parlamentares sejam aceitas, é importante que haja essa mudança na definição do superávit primário. Portanto, queremos que todos deixemos de lado as paixões políticas e encaremos este momento com a responsabilidade que os brasileiros esperam de nós, sob pena de contribuirmos para jogar o Brasil em um cenário de paralisia econômica que não interessa a ninguém”, advertiu o petista, em longo discurso no qual afirmou que o PLN “pretende nada mais do que compatibilizar a meta fiscal estabelecida com o ciclo econômico atual”.
Ex-relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), o deputado Danilo Forte (PMDB-CE) também confirmou o acordo na base governista para derrubar o veto de Dilma ao PL 416/2008. “Há um acordo entre nós da base, que vivemos no mundo real, para derrubar este veto”, alfinetou o deputado, que é vice-líder do PMDB na Casa.
“Bode na sala”
Mas, se depender da oposição, o “distensionamento” a quem José Guimarães fez menção não vai produzir efeito. Durante o dia, diversos parlamentares oposicionistas se manifestaram não só contra a revisão das metas de superávit, mas em relação a qualquer moeda de troca durante votações de plenário.
“Essa matéria de superávit primário é única, exclusiva e inegociável. Não tem nada que negociar. Nem é bode na sala para coisa nenhuma. A oposição vai tentar derrubar [o PLN] usando todos os artifícios que o regimento das Casas permite”, afirmou à reportagem o líder do DEM no Senado, José Agripino (RN).
Ele disse ainda que a derrubada dos vetos de Dilma sobre criação dos municípios não será levada em conta pela oposição. “Absolutamente. Não tem nada a ver. Não teve conversa nenhuma conosco. Se eles derrubaram, prorrogaram a sessão [do Congresso, que analisaria os vetos], foi por conta e risco deles. Comigo, não! E acredito que com o PSDB também não”, completou.
Antes de Renan Calheiros cancelar a sessão do Congresso, o senador Aécio Neves (PSDB-MG) também apontou a tentativa que “o governo perdulário” de Dilma Rousseff faz em relação às contas públicas. “Eu espero que o Congresso Nacional se respeite, respeite as suas prerrogativas e impeça essa violência, que na verdade é o atestado definitivo de fracasso na condução da política econômica”, criticou o senador mineiro, afirmando que os governistas prometeram, durante a campanha que levou Dilma à reeleição, que a meta seria cumprida.
Mas, para o petista Guimarães, a oposição não faz ameaças ao projeto de redução de meta de superávit. O deputado insiste na tese de que governo recorre apenas a “medidas de precaução” para que, na próxima semana, a matéria seja aprovada por meio de acordo.“Nós temos um período curto [até o recesso de dezembro], e há matérias importantes para serem votadas. O Congresso tem de fazer opções, ele não é oposição ao governo, e o governo não é oposição ao Congresso. Temos de estabelecer o diálogo proposto pela presidenta Dilma para que a gente reconstrua as pontes”, acrescentou o parlamentar cearense, referindo-se a matérias como o orçamento para 2015 e a própria revisão da meta de superávit.
Novo cenário
O projeto de lei do Congresso exclui da LDO de 2014 o teto de abatimento da meta de superávit fiscal, originalmente fixada em R$ 116,1 bilhões. A LDO em vigor autoriza o governo a descontar até R$ 67 bilhões da meta de superávit, tendo como base os investimentos do PAC e as desonerações tributárias voltadas ao fomento de atividades produtivas, principalmente o setor automobilístico. O cenário traduz o esforço do Planalto para conter gastos – sacrifício prejudicado com a criação de municípios, diz o governo – e recompor as bases das contas públicas.
Emissária do governo no Parlamento, a ministra do Planejamento, Miriam Belchior, participou de audiência na Comissão Mista de Orçamento (CMO) ontem e disse que a revisão da meta visa manter investimentos e políticas de desoneração em um cenário de pouco crescimento na arrecadação. Para Miriam, se não ocorrer a mudança desejada na meta de superávit, o governo terá de cortar incentivos fiscais e subsídios concedidos, além de aumentar impostos. “O compromisso do governo é fazer o maior esforço fiscal possível e abater o mínimo possível do que está sendo proposto no projeto”, afirmou.
Na semana passada, o próprio ministro Aloizio Mercadante disse que a redução da meta do superávit é necessária para que a atual política de manutenção de empregos, custeada por meio de investimentos estatais, seja mantida. “É muito importante manter o emprego e a renda da população. É uma opção clara do governo, e acho que haverá maioria [no Congresso] seguramente vai aprovar”, vislumbrou Mercadante.
Colaborou Mário Coelho.
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