As suspeitas contra o presidente Michel Temer levantadas pela delação de dirigentes do grupo JBS dividiram os três principais jornais do país. No editorial, aquela seção em que cada veículo expõe o que o seu comando pensa sobre grandes temas do momento, a Folha de S.Paulo, O Estado de S. Paulo e O Globo assumem posições distintas em relação à gravidade das acusações, ao peso dos indícios e das provas apresentadas contra o presidente e ao futuro do governo Temer.
O jornal carioca, que revelou em primeira mão, na noite da quarta-feira (17), o teor dos depoimentos dos empresários Joesley e Wesley Batista, declarou guerra ao presidente e pediu sua renúncia imediata. O Estadão se entrincheira no lado oposto, defende a permanência de Temer, questiona os interesses por trás de uma eventual destituição de Temer e chama de “golpe” qualquer tentativa de se convocar uma eleição presidencial direta. Já a Folha adota um tom mais cauteloso. Cobra esclarecimentos dos personagens envolvidos e classifica como “inconclusivos” os diálogos e as denúncias contra o peemedebista.
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Na parte noticiosa, os dois jornais de São Paulo publicaram neste sábado reportagens que questionam a autenticidade da gravação que compromete Temer. Peritos ouvidos pelos dois veículos apontam cortes no material, o que reforça a tese da defesa do presidente de que houve manipulação no conteúdo dos áudios.
Sem condição moral
Em seu editorial, O Globo diz que apoiou e acreditou no “projeto reformista” de Temer desde o início de seu governo, logo após o afastamento da ex-presidente Dilma. “Mas a crença nesse projeto não pode levar ao autoengano, à cegueira, a virar as costas para a verdade. Não pode levar ao desrespeito a princípios morais e éticos”, diz trecho do texto.
O jornal ataca o comportamento de Temer diante de Joesley Batista, no encontro ocorrido em março no Palácio do Jaburu, bem com o seu silêncio da confissão de crimes por parte do empresário. “Ao abrir as portas de sua casa ao empresário, o presidente abriu também as portas para a sua derrocada. E tornou verossímeis as delações da Odebrecht, divulgadas recentemente, e as de Joesley, que vieram agora a público”, destaca.
“Nenhum cidadão, cônscio das obrigações da cidadania, pode deixar de reconhecer que o presidente perdeu as condições morais, éticas, políticas e administrativas para continuar governando o Brasil”, acrescenta o editorial.
O Globo contesta o argumento de que a troca de governo traria ainda mais instabilidade política e econômica ao país. “A realidade não é aquilo que sonhamos, mas aquilo que vivemos. Fingir que o escândalo não passa de uma inocente conversa entre amigos, iludir-se achando que é melhor tapar o nariz e ver as reformas logo aprovadas, tomar o caminho hipócrita de que nada tão fora da rotina aconteceu não é uma opção”, afirma o jornal. “Fazer isso, além de contribuir para a perpetuação de práticas que têm sido a desgraça do nosso país, não apressará o projeto de reformas de que o Brasil necessita desesperadamente. Será, isso sim, a razão para que ele seja mais uma vez postergado. Só um governo com condições morais e éticas pode levá-lo adiante”, emenda.
Irresponsabilidade e oportunismo
Em linha oposta, posiciona-se o Estadão. O tradicional jornal paulista saiu, nos últimos dois dias, em defesa do presidente na seção em que expressa claramente suas posições. A direção do veículo alega que não há nada que implique Temer nas gravações feitas por Joesley Batista, condena os vazamentos da delação e responsabiliza o PT pelo “clima anuviado” que o país vive devido à “incessante campanha petista pela cisão dos brasileiros entre ‘nós’ e ‘eles'”.
Para o Estadão, este “grave momento da vida nacional” passará à história como aquele em que a irresponsabilidade e o oportunismo prevaleceram sobre o bom senso e sobre o interesse público. O jornal chama de “afoitos” os que defendem a destituição do presidente e os acusa de atentar contra a sociedade e a Constituição.
Mesmo sem citar o nome do concorrente, o Estadão questiona os interesses de procuradores “messiânicos” em vazar para O Globo o conteúdo da delação dos irmãos Batista. “O vazamento de parte da delação do empresário Joesley Batista para a imprensa não foi um acidente. Seguramente há, nos órgãos que têm acesso a esse tipo de documento, quem esteja interessado, sabe-se lá por quais razões, em gerar turbulência no governo exatamente no momento em que o presidente Michel Temer parecia ter arregimentado os votos suficientes para a difícil aprovação da reforma da Previdência.”
O jornal também condena expressamente qualquer tentativa de mudar a Constituição para se convocar eleições diretas para a eventual necessidade de substituição do presidente. A solução, chamada de “esdrúxula” e “milagreira” pelo jornal, é tratada como um “golpe”.
“Qualquer irresponsável que propuser ou defender uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que altere os termos do artigo 81 e institua eleições diretas em caso de vacância da Presidência e da Vice-Presidência a menos de dois anos do término do mandato estará propondo, na verdade, um golpe à ordem constitucional. Estará propondo, em última análise, um golpe contra a sociedade que se organizou em torno da Carta Magna em vigor, por meio de representantes legitimamente eleitos para um dos mais altos desígnios em um regime democrático.”
Provas inconclusivas
Já a Folha de S.Paulo considera “inconclusivas” as provas apresentadas até o momento pelos delatores da JBS contra o presidente e cobra esclarecimentos de Temer e dos demais acusados para que o país resgate a governabilidade. Para o jornal paulista, a divulgação das gravações revelou que o diálogo entre o presidente e o empresário não era tão comprometedor como se supunha inicialmente.
“Certamente confidencial e sibilina, a conversa não parece todavia constituir a devastadora peça de evidência que se imaginava inicialmente. ‘Tem de manter isso, viu?’, disse o presidente ao empresário, no que se interpretou como um beneplácito aos pagamentos destinados a Cunha. Ouvindo-se a gravação, as circunstâncias não se delineiam com tal clareza”, afirma a Folha. “O dono da JBS afirmava ‘estar de bem com o Eduardo’, logo antes da frase pronunciada por Temer — a qual, em tese, pode tanto ser entendida apenas como um inócuo assentimento, eivado de cautela, quanto como a aprovação de alguma ilicitude sistemática”, acrescenta.
Na avaliação do jornal, as consequências do caso dependem de “evidências complementares. “Decerto não convém a um mandatário ser flagrado em tratativas ambíguas com um empresário sob investigação —que chega a mencionar informações obtidas por meio de um procurador. Do ponto de vista jurídico, porém, o episódio resulta por enquanto inconclusivo, dependendo de evidências complementares.” Para a Folha, o momento é de aprofundar as investigações e cobrar explicações. “Urge um esclarecimento mais célere dos fatos, por parte de todos os envolvidos, para que se equacione a crise de governabilidade em que mergulhou o país.”
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